Despotismo sofreu um… rasgão

O jornalista angolano Francisco Rasgado foi hoje absolvido dos crimes de difamação e injúria no âmbito de um processo que o opunha ao ex-governador de Benguela, Rui Falcão, hoje porta-voz (ou será voz da porta?) do MPLA.

Francisco Rasgado, director e fundador do jornal Chela Press, assinou no ano passado um artigo denunciando alegados actos de corrupção, gestão danosa e desvio de meios públicos ligados ao governo de Benguela, então liderado por Rui Falcão, tendo sido processado por injúria e difamação.

“Foi absolvido de todos os crimes. O tribunal da Comarca de Benguela deu como provado que o texto era uma reflexão sobre uma denúncia pública envolvendo meios do Estado desviados e entregues sem observância dos pressupostos como a lei da contratação pública e lei do património público”, disse o advogado José Faria.

Francisco Rasgado estava acusado de um crime de injúria contra a autoridade pública, no âmbito de uma queixa apresentada por Rui Falcão e um crime de difamação no âmbito do processo movido por Carlos Cardoso, da empresa de construção CCJ, alegada beneficiária dos equipamentos.

O jornalista chegou a estar detido durante três dias por ter supostamente faltado a uma sessão do julgamento, para a qual, segundo o seu advogado, não foi notificado.

José Faria adiantou que os representantes de Rui Falcão anunciaram já que vão interpor recurso. Claro que vão. Alguma vez os génios do regime vão aceitar que a força da razão vença a razão da força? Alguma vez vão aceitar que alguém questione a ancestral e estrutural tese de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA? Não. Nunca.

“Vamos esperar que a sentença transite em julgado e, nessa altura, vamos pedir uma indemnização ao ex-governador por ter dado entrada com este processo, de forma caluniosa”, afirmou o advogado, acrescentando que o fundamento se prende com o facto de não ter conseguido fazer prova do crime e pelos danos causados ao jornalista “que ainda por cima esteve detido”.

Com a absolvição cai também por terra a indemnização milionária pedida por Rui Falcão, superior a um bilião de kwanzas (1,7 milhões de euros), sublinhou o advogado do jornalista.

Rui Falcão disse que Francisco Rasgado manchou o seu bom nome. Que “bom nome” poderá ter alguém que é kapanga da propaganda demagógica do partido que iniciou a guerra civil em Angola para tentar impor uma ditadura comunista, que mandou fuzilar muitas dezenas de milhar de angolanos no 27 de Maio de 1977, com dirigentes que roubaram muitíssimos biliões de dólares dos cofres do Estado, que governa Angola há 45 anos, país onde continuam a morrer muitíssimas crianças devido à fome e muitas centenas de milhar de crianças ficam fora do sistema escolar por falta de escolas e de professores, que conseguiu que o sistema judicial do MPLA conseguisse condenar angolanos a pesadas penas de prisão por defenderem a democracia e manifestarem-se contra a corrupção dos dirigentes do MPLA… ?

José Faria congratulou-se com a decisão, que “era esperada”, considerando que motiva os jornalistas para continuar a denunciar os crimes de natureza pública: “É muito importante que no dia de hoje, em que se celebra a liberdade de imprensa, se tenha presenteado um jornalista que exerce a sua profissão com brio, coragem e muita força”.

Segundo o artigo de Francisco Rasgado, em causa estava o desvio de equipamentos para construção civil, distribuídos pelo governo central, que foram apreendidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por suspeitas de fraude na adjudicação à firma CCJ.

As máquinas viriam mais tarde a ser devolvidas à construtora, conforme avançou a Voz da América (Voa), depois de a construtora angolana ameaçar despedir 53 trabalhadores. Fonte da PGR disse, na altura à VoA que a devolução dos meios não é sinónimo de arquivamento do processo e se houver matéria criminal, a instrução continua até à conclusão.

ERCA quer ser filial da Polícia

A Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) defendeu hoje a necessidade de uma “regulação forte” para dirimir conflitos relacionados com o exercício do jornalismo, apelando a um reforço dos meios disponibilizados a esta entidade.

“Numa altura em que se multiplicam as reclamações contra a violação dos direitos de personalidade praticadas na comunicação social, só uma regulação forte está em condições de ajudar a prevenir e a dirimir este tipo de conflitos, o que só será possível no curto prazo se esta entidade estiver dotada dos recursos e dos meios necessários, o que ainda está longe de ser uma realidade”, assinala a ERCA, numa declaração a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que hoje se comemora.

Criada em 2017, a ERCA (sucursal do MPLA) considera necessário debater a avaliação do desempenho de cada órgão e de cada jornalista, sejam eles públicos ou privados, por estar em causa um bem público: a informação. Enquanto o MPLA continuar a ser dono e senhor (para além do país) da ERCA, ficará sempre a certeza de que os seus autómatos (nem todos o são, diga-se) não sabem a diferença entre “informação” e “Jornalismo”

“Falar da informação como bem público significa antes de mais recomendar que a actividade jornalística se oriente e tenha em devida conta a defesa do interesse público”, salienta a ERCA, destacando que “as forças vivas do país” estão atentas ao desempenho qualitativo da comunicação social, por entenderem que estão diante de um bem público que está ao alcance de todos e deve ser gerido equilibradamente no interesse do colectivo e suas diferentes sensibilidades.

Será que alguma vez a ERCA entenderá que mostrar os hotéis de “dez” estrelas que pululam por Luanda é informação, e que mostrar os angolanos a procurar comida nos caixotes do lixo é Jornalismo?

“Este interesse crescente ficou uma vez mais vincado no debate realizado em 22 de Abril na Assembleia Nacional, durante o qual se destacou a importância da regulação independente dos média como sendo um dos instrumentos que a sociedade criou para garantir que a liberdade e a responsabilidade convivam de forma harmoniosa no mesmo espaço”, refere a ERCA no mesmo documento.

Será que alguma vez a ERCA entenderá que a liberdade dos jornalistas termina onde começa a liberdade das mais altas figuras do país, mas que para que isso aconteça é condição “sine qua non” que a liberdade dessas mesma figuras termine onde começa a liberdade dos jornalistas?

A ERCA lembra que a liberdade de imprensa, como um dos pilares fundamentais da Constituição angolana, resulta do livre exercício da actividade de imprensa, sem impedimentos nem discriminações, não podendo estar sujeita a qualquer tipo de censura prévia e destaca a importância do jornalismo profissional num contexto marcado pela desinformação digital.

A entidade reguladora saúda ainda os jornalistas angolanos pelo exercício da sua actividade “que muito tem ajudado governantes e governados a encontrarem as melhores soluções para os desafios complexos que Angola enfrenta”.

A posição do Sindicato

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) afirmou hoje, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que espera que a revisão da legislação possa traduzir-se “no aumento do acesso plural, diversificado e editorialmente livre à informação”.

“O SJA augura que a revisão da legislação de imprensa em curso possa traduzir-se no aumento do acesso plural, diversificado e editorialmente livre à informação, na criação de incentivos para o fomento e investimentos ao nível do sector privado e público”, afirmou o sindicato angolano numa nota hoje divulgada.

O SJA espera ainda melhorias “na implementação das carreiras profissionais e na melhor dignificação dos profissionais, no combate às assimetrias salariais entre Luanda e o interior, no respeito pela liberdade sindical”, bem como uma “melhor articulação entre as entidades patronais e os representantes sindicais nos órgãos”.

No documento, o SJA insta também o Governo, “detentor de 80% a 90% dos órgãos de comunicação social”, a fazer “contínua prova da estrita observância das leis, princípios, valores e compromissos em matéria de liberdade de imprensa para o exercício livre e responsável da profissão, bem como para bem da imagem e credibilidade de Angola”.

Num dia dedicado “essencialmente para reflexão”, o SJA sublinha também que o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deste ano se reveste de “grande importância atendendo ao quadro actual” no país, apontando que “se acentuam passos contrários ao da pluralidade editorial, de órgãos e de propriedade, de independência editorial dos meios de comunicação públicos e privados”.

O Sindicato dos Jornalistas Angolanos deixou também uma mensagem de encorajamento a “todos os jornalistas” para “prosseguirem com a missão”, cumprindo “rigorosa e unicamente com os limites estabelecidos na Constituição e no Código de Ética e Deontologia”.

O SJA constatou também que o direito ao acesso à informação “está ainda por se efectivar” na maioria dos países em vias de desenvolvimento, assinalando que há implicações — “muitas vezes fatais” — que afectam os profissionais.

Angola encontra-se na posição 103 entre os 180 países que integram o índice mundial da liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras para 2021.

Folha 8 com Lusa

Nota: “A nossa liberdade depende da liberdade de imprensa, e ela não pode ser limitada sem ser perdida”, afirmou Thomas Jefferson

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