A UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, solidarizou-se hoje com as vítimas das chuvas em Luanda, que provocaram pelo menos 14 mortes, entre outros prejuízos humanos e materiais, pedindo responsabilidade ao Governo.
Em comunicado, o secretariado executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA considerou “uma grande tragédia” os danos provocados pelas fortes chuvas que caíram na segunda-feira, durante sete horas, sobre a capital angolana.
“O secretariado executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA insta o executivo ao nível central e provincial para que assuma as suas responsabilidades na assistência às vítimas das chuvas e a correcção definitiva dos factores que agravam estas ocorrências, como a débil recolha de resíduos sólidos e o consequente entupimento dos canais de drenagem das águas pluviais”, referiu o comunicado.
A UNITA destacou ainda a necessidade de uma melhor estruturação urbanística para a acomodação das populações em zonas seguras, impedindo que elas próprias construam nas linhas de água.
Um balanço provisório do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros apontou como consequência das chuvas 14 mortos, mais de 8.000 pessoas desalojados, além de milhares de inundações, quedas de árvores, de postos de iluminação, estradas intransitáveis, uma ponte partida, entre outros estragos.
Por sua vez, o Presidente da República, João Lourenço, em mensagem, endereçou condolências aos familiares das vítimas das enxurradas que se abateram sobre Luanda:
«As pesadas chuvas que se têm abatido neste mês de Abril sobre Luanda, para além dos elevados danos materiais, causaram ontem a morte de 14 cidadãos, seja pelo efeito directo das enxurradas, seja pelo desabar das suas precárias habitações.
Não podemos ficar indiferentes a mais esta tragédia, que ciclicamente enluta ou causa graves prejuízos aos habitantes da capital no período mais agudo da estação das chuvas.
A todas as famílias que perderam os seus entes queridos, exprimo a minha solidariedade e as mais sentidas condolências.
Aproveito esta oportunidade para apelar ao bom senso e compreensão de todos os habitantes da capital, para que evitem agravar o já frágil sistema de saneamento da cidade, abstendo-se de construir sobre as linhas de água e canais de escoamento das quedas pluviais, respeitando as medidas adoptadas para o seu pleno funcionamento.»
Crescimento e desenvolvimento
urbano da cidade de Luanda
desde a ocupação colonial à situação actual (*)
«Luanda foi fundada em 1575 com a chegada de Paulo Dias de Novais. O povoamento iniciou-se em torno da fortaleza erguida numa elevação junto à baía de Luanda. A nomeação de “Loanda” foi dada em meados do século XVII. Até então a cidade era designada por São Paulo de Assumpção cujo núcleo nasceu com a construção do hospital e da Igreja na hoje ainda chamada Cidade Alta.
A cidade desenvolve-se em dois níveis muito marcantes: A Cidade Alta, onde se localizam o centro administrativo, o governo, as residências dos funcionários superiores e o palácio episcopal e a Cidade Baixa, que iniciou o seu crescimento na parte baixa a sul da Fortaleza e desenvolvia-se em direcção à Corimba, ao longo da qual se localizavam algumas pequenas habitações e abrigos temporários de escravos para serem posteriormente transportados por navios.
Após a abolição da escravatura, em 1836, Luanda sofre uma crise económica e social que faz com que grande parte da população europeia abandone a cidade. Esta crise, no início do século XIX, teve reflexos negativos na cidade, tais como: construções de fraca qualidade, descarga de esgoto na praia, lixo acumulado ao longo das vias e o abastecimento de água através de maiangas, cujos barris eram transportados desde os rios Kwanza e Bengo.
Em 1862 começam a ser introduzidas as primeiras normas de construção, que levam à demolição das cubatas, sendo os seus residentes africanos realojados em comunidades da periferia da cidade, em zonas que passaram a ser conhecidas por musseques.
Nesta época, a grande área fora dos limites da cidade correspondia a uma cintura verde onde se desenvolviam plantações de algodão, legumes e tapioca.
No final do século XIX iniciou-se a implantação das infra-estruturas urbanas, nomeadamente rede telefónica, rede de abastecimento de água, sistema de iluminação pública a gás, caminhos-de-ferro e outros grandes projectos de desenvolvimento urbano como resultado do progresso económico que a cidade vivia.
A partir de 1930, é introduzido o abastecimento de energia eléctrica na cidade que foi crucial para o seu crescimento e desenvolvimento. A população branca cresce e passa a ocupar a zona que fica entre a baixa da cidade e os musseques da periferia.
Nos anos 1940 o panorama da cidade apresentava uma densidade populacional baixa com moradias de dois pisos e jardins. O transporte público era o comboio interurbano. Após este período de progresso, a cidade passa por uma crise económica e financeira que dura até à segunda guerra mundial.
A partir do ano de 1945, com a construção do porto de Luanda, de estradas e o aumento da exploração mineira e agrícola, a então colónia passa por um rápido crescimento económico associado a um crescente processo de industrialização, o que proporciona um aumento dos movimentos migratórios de portugueses vindos da metrópole e até mesmo de população de outras “províncias ultramarinas” portuguesas. Desta forma, nas décadas de 1940 a 1960 houve um crescimento exponencial da população da cidade de Luanda de cerca de 61 mil para 224,5 mil habitantes.
Isso fez com que os limites da cidade, que se haviam mantido inalterados durante dois séculos, se estendessem formando-se novos bairros tais como o Bairro da Ingombota e Maculusso.
No início dos anos 1970 a população rondava os 480.613 habitantes, sendo a população branca inferior a 26% deste total. Houve nesta fase um aumento da população negra, 50% dos residentes dos musseques eram nativos angolanos, de origem dos povos Umbundu (74%), Ovimbundo (18%) e Bakongo (6%).
Com o desenvolvimento das actividades económicas, a cidade Baixa expandiu-se até ao novo porto, tornando-se o lugar ideal para o comércio, administração pública e outros serviços. O valor dos terrenos sobe e os espaços livres e verdes em redor das construções de baixa altura existentes, passam a ser ocupados por edifícios mais altos, iniciando-se a transformação do centro histórico.
Hoje é na Cidade Alta que ainda se mantêm grande parte dos edifícios da arquitectura colonial do fim do século XIX e princípios do século XX. Esta zona da cidade considera-se protegida, pois aqui se encontram alguns serviços públicos e grande parte das residências das entidades militares e do Governo.
Os musseques eram cada vez mais habitados por população migrante vinda das áreas rurais, com poucos meios e sem capacidade de se instalar na cidade formal. Essa população migrante foi estimada em 8.300 habitantes por ano no período entre 1950 e 1960 e aumentou 25 mil habitantes em cada ano no período entre 1960 e 1970.
Os serviços urbanos tiveram um crescimento lento, de tal forma que o sistema de abastecimento de água implantado em 1952 só aumentou a capacidade em 1971. O consumo de energia aumentou significativamente no período entre os finais dos anos 1950 e os finais dos anos 1960, havendo a necessidade de se recorrer ao abastecimento adicional da barragem de Cambambe, no rio Kwanza.
A população dos musseques que, em 1971 era de cerca de 200 mil habitantes, não foi abrangida por nenhum destes serviços públicos, dependendo apenas de abastecimento de água por chafarizes. O crescimento da cidade foi de tal forma galopante que em 1971, já se recomendava a necessidade de transferência do aeroporto para o Sul da Barra do Rio Kwanza.
No período antes da independência, em 1974-1975, Luanda foi alvo de conflitos violentos devido à guerra contra o colonialismo que se alastrava a todo o país. Com a declaração da independência a maioria da população branca regressou a Portugal. Assim, as áreas residenciais da “cidade do asfalto” começaram a ficar vazias com o abandono dos colonos sendo posteriormente ocupadas por angolanos regressados do exílio, por populações oriundas das regiões mais críticas do território abrangidas pela guerra e populações que procuravam alternativas de sobrevivência.
Estas populações foram também ocupando zonas já destinadas a urbanização mas que ainda não eram servidas por infra-estruturas devidamente concluídas. Os migrantes rurais que afluíram à cidade neste processo pós-independência ocuparam preferencialmente zonas que até então eram previstas para cintura verde. Os musseques que nesta fase emergiram localizavam-se em zonas cada vez mais distantes do centro da cidade, como o caso do Golf e da Petrangol.
Constatou-se também que nos musseques, as casas abandonadas com melhores condições eram ocupadas pelos recém-chegados e vizinhos, tal como na cidade se ocupavam, as melhores casas zonas privilegiadas. Na Baixa da cidade, por exemplo, houve uma grande ocupação por uma comunidade de regressados, vindos do estrangeiro, especialmente da antiga República do Zaire.
Esse processo de ocupação da urbe por população oriunda do musseque e de cultura rural, a par do desaparecimento da estrutura urbana e da retirada das pessoas responsáveis pela manutenção dos serviços urbanos, causaram uma grande deterioração na parte urbanizada de Luanda.
As infra-estruturas estavam subdimensionadas para o aumento de população. Esta não tinha hábitos de vida adequados ao novo tipo de alojamento. A transição rápida da casa térrea, com área social ao ar livre e sem saneamento, para uma vida em apartamento de prédios providos de elevadores, acessos verticais e espaços sociais interiores comuns levou à degradação dos edifícios.
Este processo de êxodo para a capital explica a heterogeneidade da população residente nas zonas peri-urbanas da cidade, vindas das zonas mais específicas do imenso território de Angola. Nesta fase a cidade cresceu principalmente a nível populacional e não tanto em termos de área: os musseques pouco se estenderam para as áreas adjacentes.
No início dos anos 1980, Luanda apresentava um total urbano de 934.881 habitantes, de acordo com o censo de 1983.Depo is dos anos 1980, no período entre 1985 e 1995, a cidade foi crescendo ao longo das vias principais de penetração (estradas de Cacuaco, Catete e estrada para a Barra do Kwanza), confinando as zonas irregulares. A área urbana de Luanda estendeu-se para Sul com o desenvolvimento dos bairros Prenda e Rocha Pinto e para Leste atingindo o limite administrativo entre Luanda e Cacuaco.
Estas ocupações aleatórias e densificadas junto às vias de penetração dificultaram mais tarde, o programa de reabilitação das estradas obrigando à expropriação das construções à população.
Com o decorrer dos anos, o agravar da guerra civil pelo território angolano, o continuo fluxo do êxodo rural e o colapso da economia, Luanda assiste nos anos 1990 a extensão maciça dos seus musseques em curto espaço de tempo. Os municípios periféricos de Cacuaco, Viana, Kilamba Kiaxi e a Samba foram novos municípios que foram densamente ocupados nesta fase.
As construções e ocupações destas zonas tornavam-se cada vez mais aleatórias e desordenadas. Qualquer tipo de espaço vazio era ocupado, incluindo zonas de risco, como linhas de água, margem da estrada ou da linha ferroviária, ou terrenos reservados a fábricas, por exemplo. As casas construídas pelos próprios proprietários, representam um grande esforço por parte de toda a família, por isso levam sempre alguns anos a serem concluídas. Geralmente a construção é feita em blocos de cimento e coberta em chapa de zinco.
No final dos anos 1990, os musseques tinham perdido a sua estrutura urbana inicial, na consequência de densificação de construções fora de controlo e da ocupação desmedida do terreno público.
Relativamente à cidade formal, o seu ambiente urbano degrada-se carecendo de uma intervenção de reabilitação igualmente complexa que nos musseques. A deterioração das infra-estruturas da cidade e dos edifícios expressa-se em:
Muitos edifícios sobrepovoados; Edifícios cujo uso deixa de corresponder à função para a qual foi concebido; Edifícios em estado de degradação com fachadas precárias, rotura das redes técnicas, elevadores destruídos, apartamentos queimados; Determinadas áreas são ocupadas por construções do tipo musseque, ou seja, construções de baixo nível de qualidade e muitas delas inacabadas; O abastecimento de água e energia é insuficiente; A rede de esgotos torna-se obsoleta; O depósito e recolha de resíduos sólidos são ineficientes; A rede viária foi-se tornando cada vez mais insuficiente; Os transportes públicos são deficitários; O estacionamento é praticamente impossível.
Com o final da guerra civil em 2002, houve um crescimento económico a larga escala, tendo-se privilegiado projectos urbanos para o centro e periferia da cidade. Destaca-se a parceria com o sector privado, para o desenvolvimento urbano, com uma abordagem tendencialmente virada para grupos de rendimento médio e alto.
A resposta às necessidades dos grupos de baixo rendimento a nível de habitação social e infra-estruturas ficou à responsabilidade do Governo Provincial e central.»
(*) Parte da dissertação “Os Musseques de Luanda” para obtenção do grau de mestre em Arquitectura, na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, de Andrea Carina de Almeida Bettencourt, em Julho de 2011.