CHULAR O POVO E QUERER QUE ELE AGRADEÇA

O director do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Abebe Aemro Selassie,  disse hoje que é preciso “dar crédito a Angola” por ter continuado a implementar as reformas apesar das dificuldades, e acrescentou que brevemente os esforços darão frutos. Para os angolanos só é preciso continuar a fazer o que fazem há 46 anos… esperar.

“Quando o programa de ajustamento financeiro começou, em 2018, ninguém antecipava a pandemia e as terríveis consequências que teria, mas em termos das reformas de que o país precisava, Angola merece muito crédito por ter persistido apesar do terrível custo da pandemia no seu povo e na economia, incluindo a grande queda do petróleo do último ano e meio”, disse Abebe Aemro Selassie quando questionado pela Lusa sobre a razão de Angola manter uma recessão este ano pelo sexto ano consecutivo.

No final da apresentação do relatório sobre as Perspectivas Económicas para a África subsaariana, Selassie explicou que “apesar deste choque monumental, as autoridades angolanas perseveraram nas reformas e estão a conseguir ultrapassar as dificuldades, dando passos significativos para reduzir os desequilíbrios macroeconómicos e posicionar o país para beneficiar da recuperação do preço do petróleo”, a maior fonte de receitas do país.

“O crescimento continua fraco, a terceira vaga foi particularmente severa, e não antecipámos isso na nossa previsão, e foi por isso que revimos o crescimento em baixa”, afirmou Selassie, vincando que “se a pandemia se desvanecer e a recuperação económica mundial continuar, o FMI está muito, muito confiante que Angola vai beneficiar dos frutos de todas as reformas que fez nos últimos dois anos, incluindo na melhoria da transparência das gestão das finanças públicas, e no sector financeiro”.

O FMI prevê que o crescimento de 3,7% este ano e de 3,8% em 2022 na África subsaariana seja sustentado por uma melhoria das condições económicas nos países não produtores de petróleo.

“A previsão para 2021 foi revista em alta, principalmente pelas perspectivas melhores do que o esperado nos países de recursos intensivos não petrolíferos, nos quais o crescimento foi melhorado em 1,2 pontos percentuais para 4,7%, reflectindo o aumento dos preços das matérias primas”, lê-se no relatório sobre as Perspectivas Económicas da África subsaariana.

No entanto, acrescenta-se no documento divulgado em Washington, este crescimento “foi eliminado pela descida nas projecções para os países de recursos não intensivos, em 0,7 pontos, para 4,1%, o mesmo acontecendo com os países exportadores de petróleo, cuja previsão de crescimento foi revista ligeiramente em baixa, de 0,1 pontos, para 2,2%, o que reflecte uma previsão mais baixa para Angola”.

No documento, os técnicos do FMI salientam que a melhoria das previsões para o conjunto dos países da região resulta de melhores condições internacionais, “o que indica que a região continua altamente vulnerável a mudanças na perspectiva global, onde os dois principais riscos são a inflação nos Estados Unidos e a possibilidade de a covid-19 se tornar endémica, como a gripe”.

Assim, os decisores políticos africanos enfrentam três desafios principais: “Primeiro, lidar com as necessidades prementes de despesa para o desenvolvimento, segundo, conter a dívida pública e, em terceiro lugar, mobilizar receita fiscal em circunstâncias em que as medidas adicionais são geralmente impopulares”.

Chulam África até ao tutano

No passado dia 17 de Maio, Abebe Aemro Selassie considerou que o continente enfrenta uma “divergência perigosa” face ao resto do mundo em termos de vacinas e de crescimento económico decorrente da pandemia.

“A recuperação é mais anémica do que gostaríamos, temos um crescimento de 6% no mundo, e na África subsaariana é de 3,4% este ano, queríamos que fosse ao contrário, porque esta é uma divergência perigosa”, afirmou Abebe Aemro Selassie, durante a Cimeira da Paz, que decorreu na véspera da realização da cimeira sobre o financiamento das economias africanas, ambas em Paris.

Nas declarações feitas a partir de Paris, Selassie salientou que “a média do crescimento era de 5 ou 6% nos últimos anos, por isso uma contracção de cerca de 2% é mesmo severa, e é uma média, o que significa que nalguns países, como os arquipélagos dependentes do turismo, houve uma recessão de dois dígitos”, como foi o caso das Seicheles ou de Cabo Verde.

Questionado sobre o que estava o FMI a fazer para ajudar estes países, Selassie disse que o primeiro passo era garantir mais espaço orçamental, obtido através de vários instrumentos, entre os quais a emissão dos Direitos Especiais de Saque (DES), no valor de 650 mil milhões de dólares, cerca de 550 mil milhões de euros.

“O que estamos a fazer é continuar a apoiar os países para terem mais espaço orçamental, não só através de empréstimos, mas também recorrendo ao Fundo de Crescimento e Apoio à Pobreza [PRGT, na sigla em inglês], mas o mais vital de tudo é haver uma distribuição global de vacinas, em todo o mundo”, vincou o responsável.

O continente africano, apesar de albergar 14% da população mundial, tinha vacinado até Maio apenas 1,5%, devido às dificuldades de compra de vacinas, e também por causa dos desafios logísticos de administração das vacinas.

Na conversa em que participaram também outros intervenientes, como académicos e activistas, o responsável do departamento africano do FMI explicou que África deverá receber cerca de 33 mil milhões de dólares provenientes dos DES tendo em conta as quotas de cada Estado-membro, mas salientou que este valor pode ser maior se os países menos necessitados destas verbas concordarem em canalizar o reforço orçamental para os países mais necessitados.

“A injecção de reservas que vão receber pode ser usada para comprar vacinas que depois importam, ou bens de investimento que depois são usados internamente, mas certo é que será mais fácil para os governos terem os recursos para comprar esse bens”, respondeu, quando questionado sobre como vão os cidadãos beneficiar desta alocação de capital.

Sobre a distribuição, Selassie disse que “há várias propostas sobre como podem os países com liquidez suficiente disponibilizar alguns dos DES, sendo um deles o reforço do PRGT, uma abordagem que já foi usada, e que é um fundo financiado pelos países, que emprestam os DES ao FMI, que depois os empresta a custo zero aos países” que mais deles necessitam.

A pólvora (seca) “made in” FMI

Em Março deste ano, Abebe Aemro Selassie considerou, em declarações à Lusa, que os investidores globais tinham de olhar para África porque o continente terá um papel cada vez mais preponderante. Não descobriu a pólvora, mas andou lá perto, eventualmente repristinando o que pensavam os colonizadores de há séculos.

“África vai ter um papel cada vez mais importante, e é por isso que o investidor privado tem de ter atenção, senão perde o próximo barco do crescimento”, disse Abebe Selassie, quando questionado se o impacto da pandemia de Covid-19 afectou a percepção dos investidores sobre o continente.

Falando a partir de Washington, a sede do FMI, o director do departamento africano apresentou vários argumentos para sublinhar a importância de África para os investidores globais. Sobretudo porque África pode dar uma porco e receber uma… salsicha.

“O Produto Interno Bruto e a população de África são do tamanho da Índia, por isso não é possível ter uma estratégia global sem ter também uma estratégia para África”, disse Selassie, admitindo que “um investidor pode olhar e pensar que são 54 economias e que são demasiado pequenas, pode optar por não investir lá, mas decide por sua conta e risco porque pode falhar a próxima grande fonte de crescimento e também de lucro, francamente”.

Entre os aspectos salientados por Selassie está a evolução demográfica em África, o continente mais jovem e que terá a maior força de trabalho nas próximas décadas, sem que isso faça diminuir todas as riquezas do Continente.

“A transição demográfica está em curso. Se um investidor pensar em como posicionar a sua companhia daqui a dez anos, se pensar em como sustentar o seu negócio, vai ver que a mais abundante força de trabalho está em África, já que em 2030 metade dos que entrarem na força de trabalho estarão na África subsaariana, numa altura em que a população em idade laboral estará a diminuir noutras regiões do mundo”, comentou.

Para além disto, o director do departamento africano elencou ainda o crescimento não só da classe média africana, como do próprio mercado.

“Talvez ainda mais importante que isto, se o investidor procura bens de consumo ou bens de construção, na verdade a procura por todos os bens virá de África, por isso se procura um mercado tem também de olhar para o continente, os números são convincentes, e os dados estão lançados, isto vai mesmo acontecer”, concluiu.

Folha 8 com Lusa

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