No âmbito da “Operação Caranguejo”, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) deteve o major Pedro Lussaty, oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), afecto à Casa de Segurança do Presidente da República, João Lourenço, e descobriu que o militar é dono de 45 imóveis, dos quais uma penthouse no Talatona, cinco apartamentos em Lisboa, um apartamento na Namíbia; dois iates de luxo, dezanove malas abarrotadas de dólares, euros e kwanzas, duas dezenas de relógios de luxo revestidos de diamantes e ouro rosa e quinze viaturas topo de gama e comprovativos de avultadas e ilegais transferência bancárias para fora do país.
Jonas Savimbi dizia aos seus seguidores: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”. Pelos vistos, também João Lourenço esteve (e continua a estar) a dormir durante muito tempo e, por isso, o MPLA o enganou. Será? Ou, pelo contrário, este é mais um caso de, citando João Lourenço, alguém que “viu roubar, participou no roubo, beneficiou do roubo mas não é ladrão”?
É que o património roubado pelo major Pedro Lussaty não foi conseguido em meia dúzia de dias, nem poderia ter sido constituído sem a cobertura de muitos altos dirigentes do partido e não apenas de meia dúzia de oficiais superiores das FAA. Também neste escândalo da Casa de Segurança da Presidência, o exemplo deve partir de cima.
O que terá a dizer sobre isto o general Pedro Sebastião, Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República? Tudo indica que será demitido já que nem tem hombridade para se demitir. Falta apenas saber se João Lourenço tem coragem para o fazer.
Ao ser detido no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, o também chefe das Finanças da banda musical da Presidência da República, não conseguiu justificar a origem do dinheiro.
Em face de tudo isto, cujo núcleo duro da ladroagem funcionava dentro de própria “casa” de João Lourenço e, pelos vistos, há muito tempo, o Presidente exonerou os seguintes Oficiais Generais:
Tenente-General Ernesto Guerra Pires, do cargo de Consultor do Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República;
Tenente-General Angelino Domingos Vieira, do cargo de Secretário para o Pessoal e Quadros da Casa de Segurança do Presidente da República;
Tenente-General José Manuel Felipe Fernandes, do cargo de Secretário-Geral da Casa de Segurança do Presidente da República;
Tenente-General João Francisco Cristóvão, do cargo de Director de Gabinete do Ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República;
Tenente-General Paulo Maria Bravo da Costa, do cargo de Secretário para Logística e Infra-Estruturas da Casa de Segurança do Presidente da República;
Brigadeiro José Barroso Nicolau, do cargo de Assistente Principal da Secretaria para os Assuntos dos Órgãos de Inteligência e Segurança de Estado da Casa de Segurança do Presidente da República.
Uma casa de (in)segurança
Em Abril de 2020 o Presidente João Lourenço nomeou um ex-arguido do caso que ficou conhecido como “Burla Tailandesa” como director do Gabinete de Acção Psicológica e Informação da Casa de Segurança do Presidente da República.
O jurista Ernesto Manuel Norberto Garcia, ex-director da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) e antigo porta-voz do MPLA, foi um dos réus do caso conhecido por “Burla Tailandesa”, uma alegada tentativa de burla ao Estado angolano de 50 mil milhões de dólares, da qual acabou por seu absolvido.
Em causa estaria uma suposta tentativa de burlar o Estado angolano em 50 mil milhões de dólares (43,5 mil milhões de euros) tese contestada pela defesa, argumentando que se tratou de uma iniciativa de investimento privado.
Entre os 11 réus contavam-se os cidadãos tailandeses, Raveeroj Ritchoteanan, Manin Wanitchanon, Monthita Pribwai e Theera Buapeng, os angolanos Ernesto Norberto Garcia, José Arsénio Manuel, Celeste de Brito António e Cristian de Lemos, o eritreu Million Isaac Haile e o canadiano André Louis Roy.
Todos os réus, que começaram a ser julgados a 17 de Janeiro de 2019, negaram a prática de qualquer dos crimes de que vinham acusados.
No dia 16 de Abril de 2020, o Tribunal Supremo de Angola condenou a sete anos de prisão o tailandês Raveeroj Ritchotnean, pelo uso de um cheque de 50 mil milhões de dólares (44.300 milhões de euros) numa tentativa de burla ao Estado angolano.
Além de Raveeroj Ritchotnean, considerado o líder do grupo visado neste processo, o tribunal condenou os outros três réus tailandeses a penas de três anos de prisão cada um, pelos crimes de associação criminosa e burla por defraudação.
A ré Celeste de Brito, angolana, detida desde 21 de Fevereiro de 2018 e considerada o elo de ligação dos tailandeses ao Estado angolano, foi condenada a dois anos de prisão pelos crimes de associação criminosa, tráfico de influência, burla por defraudação na forma frustrada, como cúmplice e uso de documentos falsos.
O tribunal decidiu ainda pela pena de sete meses de prisão para José Arsénio Manuel, e de seis meses de prisão para Christian de Lemos, pelos crimes de tráfico de influência, tendo sido absolvidos dos outros três crimes de que estavam acusados.
Foram absolvidos os réus Norberto Garcia, angolano e ex-director da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), Million Isaac Haille, eritreu, e André Roy, canadiano, por falta de provas.
Se os militares devem ser auto-suficientes…
O ministro da Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República é o principal inspirador, ou guru, de João Lourenço, ou não tivesse uma (de)mente brilhante. Recordam-se que Pedro Sebastião afirmou no dia 6 de Fevereiro de 2018 que as Forças Armadas deviam ser auto-suficientes e contribuir, em tempo de paz, para o desenvolvimento económico e social da nação? Terá sido isso que fez Pedro Lussaty e os seus camaradas da Casa de Segurança?
Pedro Sebastião discursava em Luanda na abertura da reunião de dirigentes das Forças Armadas Angolanas (FAA), convocada para fazer o balanço das actividades de 2017 e discutir o programa para 2018.
O ministro de Estado falou da possibilidade das Forças Armadas serem auto-suficientes no provimento das suas necessidades principais em termos logísticos no que respeita à produção alimentar, mediante projectos agro-pecuários bem concebidos, destinados, numa primeira fase, ao autoconsumo. Por outras palavras, deviam trocar as armas por enxadas, as balas por sementes.
Não estava mal, reconheça-se. Só faltava saber se os militares estariam receptivos a entrar nesta nova “guerra”. Nem todos estavam, como agora se vê.
Pedro Sebastião informou na altura que o Comandante-em-Chefe das FAA, João Lourenço, já colocara à disposição meios para as tornar auto-suficientes em alguns domínios contribuir para a poupança de divisas, diversificação da economia e criando empregos. Pedro Lussaty e os seus camaradas tinham outra estratégia.
O ministro da Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República defendeu igualmente iniciativas que possam melhorar a capacidade operacional das FAA e desenvolver uma indústria de defesa, contribuindo para optimização da capacidade militar.
A actual crise económica e financeira exige de todos, incluindo por isso as Forças Armadas, a exemplo de outros seguimentos, rigor na gestão e execução do orçamento disponibilizado.
Sublinhava Pedro Sebastião que saber fazer melhor com menos se impõe no cumprimento dos programas e planos de trabalho, superiormente orientados, e que compete às chefias militares papel decisivo para uma racional e eficaz organização na utilização dos meios. Foi o que fez Pedro Lussaty e os seus camaradas.
Recorde-se que, em Junho de 2017, o Governo anunciou que iria investir mais de 10 milhões de euros na criação de uma empresa pública para produzir calçado e uniformes militares.
A constituição da Empresa Fabril de Calçados e Uniformes – Empresa Pública (EP) foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a 7 de Junho de 2017 e o decreto presidencial com a sua formalização publicado em Julho.
O documento refere a “necessidade de se reduzir os custos de importação de uniformes e calçados militares” para justificar a criação desta fábrica estatal, mas também a “importância estratégica” que representa essa produção, sobretudo para os efectivos militares.
A empresa, com sede na zona industrial do Cazenga, arredores de Luanda, poderia ainda estabelecer filiais ou sucursais noutros pontos do país ou mesmo representações no exterior do país, conforme previsto no seu estatuto orgânico.
Apesar de ter por como “objecto principal a confecção de calçados e uniformes militares”, a empresa poderá exercer outras actividades comerciais “desde que não prejudiquem a prossecução do seu objecto principal”.