Basta repristinar Savimbi

A UNITA propôs hoje a “criação de uma frente patriótica para alternância do poder”, por forma a “salvar” Angola de uma “ditadura democrática”, quando se assinala o 19º aniversário da morte do seu fundador, Jonas Malheiro Savimbi.

É “imperiosa a criação de uma frente patriótica para alternância do poder, com o fito de se salvar o país, amordaçado pela ditadura democrática”, afirma o Comité Permanente da Comissão Política da UNITA, o principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista (não se sabe se por muito tempo) em Angola, num comunicado enviado às redacções.

A UNITA “constata com imensa preocupação o retroceder das conquistas alcançadas para a conquista dos objectivos preconizados” pelo seu fundador, Jonas Savimbi: “Paz, liberdade, democracia e desenvolvimento”, razão que leva o partido a sugerir a necessidade de uma “frente”, capaz de assumir a “alternância” política, ainda que o comunicado não especifique com quem, como ou quando.

O texto começa por assinalar que “há 19 anos, no dia 22 de Fevereiro de 2002, tombava em combate, na localidade de Lukusse, no Moxico” Jonas Savimbi, pelo que este é o “dia do patriota” para a UNITA, descrevendo depois pormenorizadamente a biografia do seu primeiro líder.

Recorde-se que no passado dia 18, os líderes da UNITA (Adalberto da Costa Júnior), do PRA-JA SERVIR ANGOLA (Abel Epalanga Chivukuvuku) e do BLOCO DEMOCRÁTICO (Justino Pinto de Andrade) radiografaram, em conferência de Imprensa cinjunta, o estado da nação (do MPLA), afirmando que “acompanham com preocupação a tendência do Partido no Poder de mergulhar o país num caos, comprometendo as conquistas políticas, sociais e económicas”.

“Angola, nossa terra e nossa herança comum, conhece a sua mais profunda crise social e económica criada pelas políticas erradas impostas aos angolanos pelo Executivo e pelo partido do governo”, afirmaram num comunicado subscrito pelos os três políticos, acrescentando que a “imparável corrupção a todos os níveis praticada por servidores públicos da base ao topo” cria “dificuldades às empresas, aos cidadãos e aos investidores estrangeiros para em troca os corruptos venderem favores descredibilizando assim o Estado”.

“Alertamos o Executivo para que reveja a sua estratégia de combate à corrupção e não adormeça na recuperação de empreendimentos que apenas agregam custos ao OGE, porque já falidos, deixando de fora os largos milhares de milhões roubados a todos os angolanos. É urgente dar corpo à Alta Autoridade Contra a Corrupção e Contra a Impunidade, independente e subtraída do controlo partidário”, afirmaram.

… e por falar na UNITA

Adalberto da Costa Júnior, no primeiro encontro enquanto líder da UNITA com o Presidente João Lourenço, pediu a devolução do património do seu partido, “nunca cumprida”, e que estava prevista nos acordos de paz (rendição/capitulação).

“Foi uma boa conversa, uma conversa aberta a que esperamos dar continuidade futura no sentido de criarmos confiança e diálogo, mesmo quando possa haver leituras divergentes, para que tenhamos oportunidade de encontrar momentos de aproximação”, disse Adalberto da Costa Júnior, após a longa audiência de cerca de hora e meia na Cidade Alta, em Luanda.

A UNITA levou uma agenda centrada nos desafios do país e a necessidade do diálogo institucional: “Abordámos os desafios ligados às reformas que o país precisa de fazer, bem como questões pendentes no processo de reconciliação nacional e no combate à corrupção”.

No que diz respeito às questões da reconciliação, Adalberto da Costa Júnior apontou a desmobilização dos militares, que “não deve ser deixada em segundo plano”, mas também a devolução do património da UNITA, “nunca cumprida”, e que estava prevista nos acordos de paz.

“Pensamos que o governo deve fazer mais, o governo não tem feito nada, o que penaliza os interesses da UNITA no próprio plano das disputas eleitorais onde há vantagem para quem governa, se não houver devolução”, vincou Adalberto da Costa Júnior.

O dirigente da UNITA salientou que “não é um património que foi oferecido, é um património que foi comprado e ocupado e que é uma matéria de compromisso do próprio governo”, afirmando que foi entregue documentação de suporte relativa aos bens que o partido do “Galo Negro” reclama.

Acontece que muito desse património, nomeadamente no Huambo, foi comprado pela UNITA aos proprietários portugueses que na altura (1975) se preparavam para abandonar o país. Muitos deles venderam esse património à UNITA mas também ao MPLA, pelo que ambos têm documentos comprovativos da venda e da compra. E então quem é que “legítimo” proprietário? Simples. Quem ganhou a guerra.

No dia 4 de Abril de 2002 foi assinado o chamado acordo de paz entre o governo do MPLA e a UNITA, as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Como a UNITA perdeu (com a morte de Jonas Savimbi) a capacidade para fazer a guerra, perdeu também a capacidade para negociar a paz. Em rigor, o que foi então assinado foi uma rendição da UNITA. Valeu, reconheça-se, a estratégia benevolente de José Eduardo dos Santos que lhe chamou “Acordo de Paz” e, dessa forma, devolveu à UNITA a dignidade inerente a um parceiro.

Os dois partidos pousaram as armas e puseram, assim, um ponto final a 27 anos de guerra civil. Uma guerra que provocou a fuga de muitos angolanos para outros países, para além de muitos milhares de mortos. Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Assim, um terço da população do país procurou refúgio fora ou dentro de Angola.

Depois da independência, o líder da UNITA, Jonas Savimbi, aliou-se à África do Sul e aos Estados Unidos da América. A guerra em Angola já não era só dos angolanos. O ocidente e o leste alastravam as suas ideologias através do apoio que davam a vários países em África. A “Guerra Fria” tornou-se uma “Guerra Quente” em Angola.

Em 1991 a UNITA e o governo do MPLA assinam os acordos de Bicesse, uma localidade no Concelho de Cascais na região de Lisboa, antecedido pelo Acordo de Alto Kauango realizado em 19 de Maio de 1991 entre as forças então beligerantes das FALA e das FAPLA mediado por William Tonet.

Em 1992 são realizadas as primeiras eleições presidenciais. Oficialmente o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, sai vencedor, embora sem maioria absoluta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, acabou por não aceitar o resultado e assim nunca teve lugar a segunda volta entre os dois.

A seguir a um ataque das forças do governo contra apoiantes da UNITA e do FNLA em finais de Outubro de 1992, o chamado “massacre de Halloween”, o país entrou novamente em guerra de onde, aliás, nunca tinha saído. Mais um protocolo de paz é assinado em Lusaka, na Zâmbia, em 1994. Mais um fracasso – a guerra continuou.

Mas quando no dia 22 de Fevereiro de 2002 Jonas Savimbi, considerado a pessoa mais carismática da oposição em Angola, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola, com a colaboração de alguns generais da UNITA que o MPLA tinha comprado, abre-se o caminho para a paz ou, melhor, para o fim da guerra

A 4 de Abril de 2002 assinou-se o dito acordo da paz (rendição da UNITA) que dura até agora. O saudoso José Patrocínio, da OMUNGA, dizia: “Não se fez um processo de pacificação. Não se fez um processo de transição. Acredito que o processo constituinte podia ser o processo de pacificação, de reunificação. Mas não foi feito nesse sentido já que o resultado é este que nós estamos a ter agora”. José Patrocínio referia-se à perpetuação do MPLA no governo.

A insatisfação do povo angolano reflecte-se também no bolso da grande maioria da população. A seguir à paz, em 2002, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos de todos os países do mundo, atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Apesar deste crescimento vertiginoso, muitos angolanos continuaram a viver na pobreza. Em vez de produzir riquezas, o MPLA produziu ricos. Em vez de reduzir a pobreza, criou 20 milhões de pobres.

O regime de Angola não soube canalizar todo esse potencial económico, todo seu crescimento, para diversificar o crescimento dos diferentes pontos e regiões em Angola. Concentraram tudo ou quase tudo em Luanda, daí o facto de cerca de 70 por cento da população de Angola continuar a viver na pobreza.

Segundo a Câmara de Comércio e Indústria de Angola, o país é potencialmente um dos países mais ricos da África subsaariana, em termos agrícolas. No entanto, apenas uma pequena parte da sua terra arável é utilizada para a agricultura. Por outro lado recursos naturais como o petróleo e os diamantes abundam no país. E de acordo com as Nações Unidas, o petróleo constitui 96%, quase a totalidade, das exportações do país.

Mas o certo é que apesar de todo o potencial em recursos naturais, a população raramente beneficia dos dividendos das riquezas do país. Abílio Kamalata Numa, histórico da UNITA, acredita que esta situação se deve aos “níveis de corrupção, que são tão altos no país, que a maior parte do dinheiro do sector extractivo, do petróleo e dos diamantes, é desencaminhado para mãos indevidas”.

De facto, 19 anos depois, os recursos que patrocinaram guerra não conseguem patrocinar a paz. Um país que tem cerca de 30 milhões de habitantes, dos quais 20 milhões são pobres, não vive em paz. Está, apenas, a conseguir adiar o regresso da guerra.

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