João Lourenço, Presidente angolano (não nominalmente eleito, recorde-se), Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo enalteceu hoje, em Luanda, o empenho da Procuradoria-Geral da República (PGR), nos últimos anos, no combate ao crime no geral, em particular “na luta contra o chamado crime de colarinho branco”. Além disso, (re)anunciou um milhão de euros para contar história da luta de libertação dos PALOP. Os mais de 20 milhões de pobres do país ficaram satisfeitos…
João Lourenço, que falava na cerimónia de tomada de posse de 12 Procuradores-gerais adjuntos, nomeados na semana passada, apelou ao reforço do trabalho que vem sendo realizado até aqui, tendo em conta “o papel muito importante” que o Ministério Público, além dos tribunais, desempenha na administração da Justiça. Reconhecimento justo porque, de facto, a PGR é uma das sucursais do MPLA que melhor e mais tem contribuído para a solidificação do princípio basilar de o MPLA ser o Estado e o Estado ser (d)o MPLA.
“A PGR nos últimos anos demonstrou estar empenhada na luta contra o crime no geral, mas muito em particular na luta contra o chamado crime de colarinho branco. Nós esperamos que venham a reforçar o trabalho que vem sendo realizado até aqui, uma vez que, além dos tribunais, o Ministério Público joga um papel muito importante na administração da Justiça”, disse João Lourenço, um político que justifica (e nós acreditamos) não ser ladrão mesmo tendo visto roubar, tendo participado no roubo e tendo beneficiado do roubo.
O Presidente realçou a importância do acto, no dia em que a Procuradoria-Geral da República comemora os seus 42 anos de existência (menos três do que o seu patrono, o MPLA), felicitando todos os magistrados do Ministério Público por ocasião da data.
Segundo o general Hélder Fernando Pitta Gróz, o PGR, “em Democracia, as instituições públicas exercem as suas funções norteadas pela prossecução do interesse público, pela transparência e pela prestação de contas à sociedade do cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais, na medida em que é em nome e em prol dos cidadãos que se estruturam e organizam os poderes públicos”.
Mais uma vez, reconhecidos, os cidadãos que continuam a aprender a viver sem comer felicitam o Presidente e todo o seu séquito…
“A Procuradoria-Geral da República, o fiscal mor da legalidade democrática, obriga-se à criação de canais de comunicação e de interacção com os cidadãos, de modo a permitir o escrutínio da sua acção e a obter dos destinatários finais do seu papel social o retorno necessário ao aprimoramento e melhoria dos seus procedimentos”, afirma Hélder Fernando Pitta Gróz.
Por isso, acrescenta o general Hélder Fernando Pitta Gróz, “nesta era digital, (…) o portal da Procuradoria-Geral da República visa impulsionar e dinamizar o fornecimento de informações sobre o funcionamento desta Instituição, a sua composição em matéria de magistrados do Ministério Público, técnicos de justiça e outros servidores, bem como a divulgação de toda a actividade quotidiana com valor noticioso ou de interesse público”.
Hélder Fernando Pitta Gróz considera também que o Portal é “um recurso extremamente útil e de reforço ao exercício da cidadania, é o espaço para a apresentação de denúncias públicas, cuja confidencialidade a anonimização dos denunciantes é garantida pelo sistema informático e por técnicos especializados da Procuradoria-Geral da República, permitindo ainda que o interessado faça o acompanhamento do tratamento dado à sua denúncia por via do portal”.
Enquanto isso, e até porque Angola não é um país “pé-descalço” (sobretudo graças ao fiado) o MPLA/Estado vai – anunciou João Lourenço – contribuir com um milhão de euros para o desenvolvimento de um projecto sobre a história da luta de libertação dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
A Conferência dos Chefes de Estado e de Governo do Fórum PALOP, um mecanismo de concertação desta comunidade de países, teve hoje lugar de forma virtual, a partir de Luanda, e marcou o fim da presidência rotativa de Angola a favor da República de Cabo Verde, para um mandato que se estenderá até 2023.
Numa nota distribuída aos jornalistas no final da cimeira pela Presidência angolana, os serviços de imprensa de João Lourenço adiantam que a cimeira abordou temas como o projecto de elaboração da História sobre a Luta de Libertação dos PALOP e a admissão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito do Fórum PALOP e de Timor Leste na qualidade de membro observador.
A comissão que trabalha na fase inicial do projecto de História orçamentou os custos do trabalho em 1,8 milhões de euros, dos quais um milhão serão disponibilizados por Angola, já no início de Maio, refere o comunicado.
A cimeira decidiu ainda “a institucionalização de reuniões ministeriais regulares dos sectores da Educação, Cultura, Ensino Superior, Ciência e Tecnologia do Fórum PALOP”, segundo o mesmo documento.
Mais do mesmo, seis por meia dúzia
Em Abril de 2019, o “gabinete” do Governo/MPLA vocacionado para implementar promessas para todos os gostos anunciou que o Executivo pretendia criar um arquivo histórico comum dos PALOP e elaborar a sua história, nomeadamente sobre a luta de libertação nacional, tendo para o efeito criado – como não poderia deixar de ser – uma comissão multidisciplinar.
Prioridades são prioridades e como não há pobreza em Angola, nada como um lançar um arquivo histórico…
Segundo um despacho de 3 de Abril de 2019, assinado pelo Presidente João Lourenço, a medida corresponde à “necessidade de desenvolver o projecto de recolha de informação e sistematização da informação sobre a luta de libertação nacional dos PALOP”.
Integram os PALOP, enquanto antigas colónias portugueses, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, além da Guiné Equatorial, que se juntou à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O documento assinala que Angola pretende garantir a preservação da luta de libertação nacional dos PALOP e “contribuir para a criação de um arquivo histórico comum promotor da defesa da dignidade política, identidade cultural, facilitação de intercâmbio e seu conhecimento pelas gerações presentes e futuras”. Ainda bem que é especificado que será útil às “gerações presentes e futuras”, não fosse o pessoal pensar que abrangeria também as gerações… passadas.
No despacho, o Presidente João Lourenço sublinha também a “importância da luta de libertação nacional dos PALOP na construção da identidade cultural dos povos, criação de laços de solidariedade, amizade e ajuda recíproca, consubstanciadas em memória colectiva e património comum”.
História de Angola ou do MPLA?
A vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, refuta que haja partidarização em Angola, na escolha dos quadros que dirigem o país. Tem toda a razão. Como é que alguém pode falar de partidarização se, desde 1975, todos sabem que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA?
“Não acho que haja, assim, tanta partidarização, porque o partido que vence as eleições está no direito de escolher quadros da sua confiança. E em qualquer país do Mundo é assim que acontece. Não é que haja partidarização. Não”, sustentou Luísa Damião com o brilhantismo intelectual que se lhe reconhece. E como para além dos que trabalham nos partidos não há quadros independentes…
Assim, somos da opinião de que o referido arquivo histórico dos PALOP seja dirigido, pelo menos na vertente angolana, por Luísa Damião, nem que seja necessário nomeá-la General.
Aliás, como nos ensinaram os grandes líderes da nossa classe operária, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e agora João Lourenço, em Angola a regra revolucionária era, é e será sempre a mesma: Entre um génio sem partido e um néscio com cartão do MPLA, o patriotismo exige que se contrate o néscio.
“Revisionismo histórico: promotor da Unidade Nacional, ou instrumento de manipulação e opressão política?” “Dos fracos e vencidos não reza a História”, são as traves-mestras das políticas do MPLA, pouco importando que por circunstancialismo estratégicos de manutenção de poder seja necessário, de quando em vez, dizer o contrário e até sacrificar algum dirigente.
Que o MPLA nunca foi um partido preocupado com a inclusão da verdade nos seus actos todos sabemos. E qualquer autor que queira escrever sobre a História de Angola sabe que lhe basta reproduzir a as “verdades” das aldrabices do MPLA. E para solidificar qualquer arquivo histórico basta trasladar o que o MPLA lá tem nos caixotes.
O MPLA sempre cultivou a ideia de que, fora do Partido, “nem inteligência e nem sapiência!”. Dito de outra forma, o partido hegemónico em Angola, atento ao seu autoproclamado papel messiânico, desde cedo incutiu nos seus militantes a crença de que entregar os comandos do país à Oposição, qualquer que ela fosse, seria o mesmo que “abrir as portas do inferno”. Sem o MPLA para nos valer, profetizam os seus dirigentes, restaria apenas um deserto estéril e amorfo, e os angolanos perderiam a sua identidade, tornando-se um povo à deriva, sem futuro e sem esperança.
Nada mais falso, meus senhores! Nada mais falso. Mas é preciso estar sempre atento. A máquina da propaganda (e esta da criação de um arquivo histórico dos PALOP é mais uma operação de branqueamento), que entre cargos para uns e fuba (mesmo que podre) para quase todos, nos abalroa todos os dias não tem descanso. Trabalha sem parar.
A hegemonia opressora do MPLA (partido que criou e desenvolveu, à sua volta, uma aura santificada de infalibilidade) tem condicionado, fortemente, o surgimento e consolidação de uma alternativa sólida de governo, minando a autoconfiança dos agentes políticos da Oposição, “domesticando-os” em certa medida, e adormecendo-os “num sono de benesses e falsas honrarias”. E o medo do desafio de governar a enorme crise angolana, cheia de buracos escuros e de alçapões, adensa-se e toma conta dos líderes da Oposição, que receiam atirar-se à “fogueira”. Por isso reagem timidamente e nunca agem.
E a “obra de regime” do sacrossanto Partido não se fica por aqui.
O despudor inerente ao revisionismo histórico em Angola não incomoda… nunca incomodou a “cadeira do Poder”. Antes pelo contrário. A acção deliberada de falsear a História visa reforçar o “castelo” onde se refugia e prospera a chamada “elite dirigente”. Extirpar do seu sentido maior, por exemplo, o esforço patriótico empreendido pelos demais partidos históricos, que também tiveram o seu quinhão na luta anticolonialista, significa retirar importância à própria luta armada, e ao sacrifício representado pela morte de milhares de angolanos. Mas também aqui, a necessidade permanente de reafirmação política da “elite dirigente” sobrepõe-se a qualquer outro ditame, não admitindo, à “concorrência”, a veleidade de grandes voos… nem mesmo que só históricos.
Por preguiça mental, alguns intelectuais e historiadores angolanos (acríticos, ou mais ou menos a soldo do regime) não se dão, sequer, ao trabalho de consultar, seriamente, as numerosas fontes históricas que retratam um MPLA-guerrilheiro, conduzido com uma visão profundamente autocrática e violenta, e que, uma vez proclamada a Dipanda, logrou trazer para o Estado embrionário que criou e ainda tutela, todos os vícios totalitários dos regimes políticos que o influenciaram.
O Povo angolano sabe quem são os seus verdadeiros heróis, e não os mistura com os “heróis de plástico” apresentados pela propaganda oficial. “Verdadeiros heróis” porque também os há fabricados, alindados no seu carácter, despidos das suas contradições e excessos, alguns deles alçados mesmo à condição de semideuses… os “eternos libertadores do Povo”, a quem tudo é permitido. E é aqui que reside o problema.
Angola tem sido mergulhada, ao longo das últimas décadas, numa intencional lavagem cerebral, de consequências imprevisíveis para o resgate da Verdade histórica, que se desejaria inclusiva e plural.
Já no tempo da luta armada, cedo o MPLA revelou o que lhe ia na alma: o seu carácter exclusivista, sectário, defensor da exclusão do “outro”. Por isso, também, ainda que se arvorasse a pertença a um extracto superior de revolucionários, nunca o MPLA se inclinou a construir pontes com outros movimentos nacionalistas, condenando nestes a ousadia de lhe disputarem o título de libertadores e o exclusivismo revolucionário. E a situação mantém-se, 45 anos depois, sem evidência de qualquer vontade de mudança.
Para apagar o contributo dos principais partidos da Oposição da memória das gerações pós-Independência, não é preciso que se fale mal desses patriotas. Basta que, nos livros oficiais adoptados pelas escolas do País, não se fale da sua acção em prol da autonomia da Nação. É, pois, o “apagamento propositado do outro” que nos conduz à situação presente de hegemonia do MPLA na sociedade angolana. O grande culpado da falta de preparação da Oposição para o exercício do Poder é o próprio partido que dela tem beneficiado. Daí a mesquinhez “adivinhada” no slogan do Partido divino: “Ou nós, ou o caos!”
Se hoje “só o MPLA tem obra para mostrar ao Povo”, como disse João Lourenço num comício no Huambo, tal situação é fruto da sistemática desvalorização do papel dos partidos da Oposição ao regime, distorcendo e menorizando a sua representatividade, falseando a Verdade histórica e condicionando as escolhas populares, por forma a eternizar-se no Poder.
A acção propagandística do MPLA, incidente nas populações menos intelectualizadas, nas aldeias, nas pequenas cidades da Angola profunda, nos musseques e junto de algumas faixas do desmesurado funcionalismo público angolano, têm sido sempre no sentido de condicionar o voto popular na sua pluralidade, quer pela criação de um clima psicológico de medo da mudança, quer pelo incentivar de um fenómeno de dependência patológica (muito parecido, nos seus efeitos, à toxicodependência).
No mais íntimo do seu ser, o dirigente do MPLA sente, realmente, que faz parte de uma “casta superior”, a quem foi divinamente atribuída a “missão evangélica” de tomar conta de Angola e dos seus Povos, dos negócios do Estado e da Arca do Tesouro nacional.
A queda (que será inevitável) do regime vigente, mesmo que suportado por dezenas de anos de poder (ou até talvez por isso mesmo), arrastará, inevitavelmente, o reescrever da História de Angola, libertando-a das carregadas cores dogmáticas e ideológicas impostas pelo MPLA, dessa forma permitindo que as novas gerações tenham acesso, finalmente, à Verdade histórica. Que assim seja! Um dia!
Folha 8 com Lusa