Angola (sempre) na rota dos gamanços

Em Portugal, a Polícia Judiciária fez buscas a duas casas do deputado António Gameiro, do PS, e ao escritório onde é consultor, no âmbito do processo que levou à detenção da presidente da Câmara de Vila Real de Santo António. Quatro pessoas foram detidas pela Polícia Judiciária (PJ) por suspeitas de corrupção, recebimento indevido de vantagem e abuso de poder na intermediação de um negócio imobiliário em Monte Gordo, Vila Real de Santo António, informou a PJ.

Em 2015, o também presidente da distrital do Partido Socialista de Santarém, foi apanhado em escutas telefónica no âmbito da Operação Marquês e que envolveriam Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates, Joaquim Paulo Conceição, administrador executivo do Grupo Lena e o cidadão angolano Delfim Albuquerque, sendo este suspeito de ser um intermediário no pagamento de comissões para adjudicação de obras ao grupo Lena em Angola.

Em 2015, a Procuradoria-Geral da República de Portugal abriu uma investigação para averiguar escutas entre empresários e deputados portugueses em que o empresário angolano Delfim Albuquerque aparece como intermediário no pagamento de comissões para adjudicação de obras ao Grupo Lena em Angola.

Em causa estavam várias escutas telefónicas relacionadas com o processo “Operação Marquês” que levaram a novas suspeitas de corrupção.

Na altura, de acordo com o Diário de Notícias, as conversas envolviam Carlos Santos Silva, amigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates (que esteve vários meses detido preventivamente), Joaquim Paulo Conceição, administrador executivo do Grupo Lena, e António Gameiro, deputado do Partido Socialista português.

“Este interveniente [Delfim Albuquerque] assume um papel de intermediário entre o governo de Angola e o Grupo Lena nas adjudicações de obras públicas naquele país e aos pagamentos das mesmas e, como contrapartida, exige uma contra-prestação na proporção da obra adjudicada”, explicou na altura ao DN, o inspector da Autoridade Tributária portuguesa, Paulo Silva.

Foram feitas escutas telefónicas a Carlos Santos Silva a fim de confirmar a situação. Houve uma conversa, em específico, em que o amigo do ex-primeiro ministro português falou, no início de 2014, com Delfim Albuquerque que dizia estar à espera de receber 5 por cento do valor de uma obra adjudicada. Os negócios de Delfim Albuquerque estendiam-se também a Lisboa onde seria dono de uma discoteca na zona de Entrecampos.

As escutadas indicam ainda que o administrador executivo do Grupo Lena em Portugal, Joaquim Paulo Conceição, teria conhecimento das conversas com Albuquerque e saberia quem ele era. Numa das conversas interceptadas, Conceição questionava Carlos Santos Silva sobre se o angolano não se “alambazou” demais e, noutra escuta, admitia estar sem paciência para Delfim Albuquerque, porque o Grupo Lena não teria recebido “um avo do que era suposto”.

O nome de Delfim Albuquerque aparece também em conversas entre Carlos Santos Silva e Vítor Santos, responsável do Grupo Lena em Angola. E tudo porque o empresário angolano terá pedido cerca de USD 2,6 milhões, o que levou Vítor Santos a dizer, numa conversa telefónica com Carlos Santos Silva, que o intermediário se andava a “portar mal”, revelando também algumas “preocupações” porque Albuquerque teria “ligações fortes”.

Numa conversa de Janeiro de 2014 foi a vez de o angolano se queixar a Carlos Santos Silva afirmando que o andavam a fazer de “palhaço” e que não ia “fazer mais pelos gajos da Lena”. Esta insatisfação terá sido provocada pela falta de pagamento, já que o amigo de José Sócrates chega a afirmar que pelas suas mãos já lhe passaram “mais de USD 70 ou 80 milhões” e que alguém ficou de lhe pagar 5 por cento desse valor.

“Em numerosas conversas, Delfim Albuquerque reforça o seu poder de exercer influência na adjudicação das obras e é claro relativamente ao que pretende”, defendeu o inspector português Paulo Silva.

Noutro processo surge ainda o deputado do PS, António Gameiro, que também parece conhecer a actuação de Delfim Albuquerque. Numa conversa entre o deputado socialista e Carlos Santos Silva, ambos falam sobre Delfim com o segundo a contar a Gameiro que já tinha feito outro depósito ao intermediário.

Ao que o deputado respondeu com uma pergunta: “Outro?” Carlos Santos Silva acaba, no entanto, por dizer que o Delfim Albuquerque já tinha recebido muito dinheiro. António Gameiro admitiu na altura, ao DN, que conhecia tanto Carlos Santos Silva como Delfim Albuquerque, mas negou conhecer as actividades do empresário.

“Ontem [terça-feira], a Polícia Judiciária realizou buscas às minhas duas casas e ao escritório onde sou consultor, não tendo encontrado qualquer elemento de prova da prática de qualquer crime”, disse à agência Lusa o deputado socialista.

“De qualquer forma estou disponível para que me seja levantada de imediato a imunidade parlamentar, para me poder defender e colaborar com a Justiça, uma vez que até agora não fui notificado desse pedido de levantamento”, adiantou António Gameiro, candidato do PS à Câmara Municipal de Ourém, no distrito de Santarém, nas próximas eleições autárquicas.

O parlamentar, advogado, de 50 anos, afirmou desconhecer “os termos deste processo” no qual é suspeito, mas declarou-se “de consciência tranquila”.

“A minha única ligação a este processo é de natureza estritamente profissional, como consultor de um escritório de advogados”, acrescentou, precisando que, “no âmbito da consultadoria, apenas” recolheu informação, solicitou pareceres e redigiu cartas, “a pedido do escritório, por solicitação da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António.

O socialista, que foi presidente da Distrital de Santarém, garantiu ainda que mantém as funções de deputado e que continua como candidato à Câmara de Ourém.

Quatro pessoas foram detidas na terça-feira pela PJ por suspeitas de corrupção, recebimento indevido de vantagem e abuso de poder na intermediação de um negócio imobiliário em Monte Gordo, Vila Real de Santo António.

“No decurso desta operação, denominada Operação Triângulo, foram detidas quatro pessoas, uma delas titular de cargo político”, é referido no comunicado na PJ.

Segundo a PJ, entre os detidos, todos com idades entre os 50 e aos 70 anos, “estão ainda um trabalhador da Administração Pública e dois empresários”.

Em causa estão “factos susceptíveis de integrarem a prática dos crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem e abuso de poder”, havendo “suspeitas de actuação ilícita de titular de cargo político, que beneficiou da colaboração de funcionários, bem como outros intervenientes, na intermediação de um negócio, de compra de imóvel, propriedade do município, na praia de Monte Gordo”, lê-se ainda no comunicado.

A presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita (PSD), está entre os detidos.

De acordo com a PJ, foram realizadas “cerca de duas dezenas de buscas, designadamente domiciliárias, em estabelecimentos e escritórios de advogados”, diligências que “tiveram lugar na região do Algarve, Lisboa, Leiria e Ourém”.

Nas buscas às residências dos suspeitos, escritórios de advogados e numa instituição bancária “foram apreendidos vários documentos, objectos e matéria probatória que irá ser analisada”, é acrescentado no comunicado.

A operação foi desencadeada pela Directoria do Sul da Polícia Judiciária, no âmbito de um inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) Regional de Évora. Contou ainda com a colaboração da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, da Directoria do Centro e do Departamento de Investigação Criminal de Leiria da Polícia Judiciária.

Entretanto, o DIAP Regional de Évora divulgou que, “além de outros actos que se suspeita terem sido de favorecimento a particulares em adjudicações de serviços, desvio de fundos do município e favorecimento pessoal (desde pelo menos 2018), está em investigação a alienação de terreno municipal a empresa de investimentos no ramo imobiliário, em troca de benefícios financeiros indevidos”.

“Em causa estão, designadamente, crimes de corrupção passiva e activa, prevaricação, peculato, abuso de poder, todos de titular de cargo político agravado e de crime de corrupção activa”, acrescenta o DIAP de Évora na sua página na internet.

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