AFINAL, MEUS SENHORES, QUEM MANDA?

O Presidente angolano, João Lourenço, promulgou hoje a legislação que altera a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, na sequência da sua aprovação exclusiva pelo MPLA na Assembleia Nacional, em segunda deliberação, segundo uma nota da sua Casa Civil.

João Lourenço ignorou os apelos dos partidos que formam essa irrelevante (segundo o MPLA) coisa chamada “oposição” que na semana passada criticaram a aprovação da lei no parlamento, apenas com votos favoráveis do MPLA (partido no poder há 46 anos), por considerarem “não garantir verdade eleitoral”.

Para a oposição angolana, a lei aprovada “não garante lisura, transparência e verdade eleitoral”, segundo uma declaração conjunta subscrito pelos grupos parlamentares da UNITA, maior partido na oposição que o MPLA (ainda) permite formalmente, da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), deputados do Partido de Renovação Social (PRS), da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e não integrados em grupo parlamentar subscrevem a declaração conjunta.

Para estes partidos, a lei, aprovada em segunda deliberação, “não garante uma transição pacífica e democrática do poder político entre os concorrentes, fomenta desconfiança e ameaça a estabilidade política” e “coloca em causa o respeito pela soberania do povo”.

A lei foi aprovada na globalidade na quarta-feira passada com 127 votos a favor, do MPLA, 47 contra e nenhuma abstenção.

Os deputados da UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA e independentes consideram também que a lei em causa “não é segura”, destacando que Angola, em 46 anos de independência, “ainda não mudou o partido que governa, não por vontade própria, mas por manipulação dessa vontade nas urnas, nos computadores e na Comissão Nacional Eleitoral” (CNE).

“Na prática, é a Casa de Segurança do Presidente da República que controla a eleição, porque é ela que controla a CNE. E isto acontece, todos sabemos, porque se aproveitam as brechas da lei”, referem os subscritores.

O MPLA defendeu o voto favorável, através do deputado, António Paulo afirmando que lei “demonstra que a classe política está comprometida” em aprofundar aquilo que não existe, o Estado democrático e de direito, afirmando, no entanto, que o caminho a percorrer “ainda é longo”.

Este projecto de lei regressou ao parlamento, após João Lourenço solicitar a reapreciação de algumas das suas normas, nomeadamente as relativas à corrupção eleitoral e sobre a proibição de inaugurações de empreendimentos ou obras públicas em tempo de campanha eleitoral.

A oposição considerou também que ao invés de garantir o controlo da verdade eleitoral, como afirmou João Lourenço em carta dirigida ao parlamento, a Assembleia Nacional “vem facilitar o desvio dos boletins de votos”.

As eleições gerais em Angola estão previstas para 2022 e neste momento decorre no país o processo de registo eleitoral oficioso dos cidadãos maiores de 18 anos.

Os partidos políticos, a quem o MPLA na sua celestial misericórdia confere o direito (embora provisório e revogável a qualquer momento) de fazerem oposição em Angola, defenderam que o Presidente (não nominalmente eleito), João Lourenço, “não devia promulgar” a lei que altera a lei orgânica das eleições gerais, por conter normas que atentam contra transparência das eleições.

É preciso ser ingénuo. Como é que a lei mandada aprovar por João Lourenço poderia atentar contra algo que não existe, que nunca existiu – transparência eleitoral?

Para a oposição parlamentar que o MPLA ainda permite como factor decorativo, “em nome da paz, da estabilidade política, da verdadeira democracia e da credibilidade de Angola a nível do mundo, o titular do poder executivo e Presidente do regime não devia promulgar esta lei”.

“Porque ela (a lei) elimina ou reduz os mecanismos de controlo da transparência eleitoral e transforma em lei as práticas que sustentam a fraude. A lei eleitoral do regime facilita o voto múltiplo, porque não se dá baixa dos votantes nos cadernos eleitorais em tempo real e permite que centenas de milhares de pessoas votem antes do dia da eleição”, lê-se na declaração conjunta da oposição.

Pois é. Mas onde está a novidade? Desde sempre, o MPLA consegue não só arregimentar até os votos de quem já morreu como, ainda, multiplicar os votos de tal maneira que em algumas “mesas” vão aparecer muitos mais votos do que cidadãos inscritos.

Segundo a oposição, a “lei eleitoral do regime legaliza o voto desigual”, porque “permite que os partidos concorrentes se confundam com o Estado, não garante o acesso igual dos concorrentes ao uso dos recursos públicos e reduz a presença de fiscais nas mesas de voto”.

Mas para quê fiscais? Todos sabem que, nesta altura, já o núcleo duro do MPLA sabe qual vai ser a percentagem da sua vitória, ou a máquina não tivesse capacidade para converter, por exemplo, votos na UNITA em votos no MPLA.

A oposição “rejeita a proposta para se garantir a unidade do voto e a integridade da identidade do eleitor por via da disponibilidade de uma simples aplicação informática nas assembleias de votos com os dados biométricos dos eleitores em cada província”.

O que se passou no parlamento do MPLA, diz a oposição, “não foi um simples facto de votação de uma lei e nem foi uma mera divergência entre os deputados eleitos pelo povo”.

Foi “um acto de traição à pátria um acto de agressão aos fundamentos da República de Angola, um acto de subversão da democracia para impedir o exercício livre, universal e igual da soberania popular. Um acto ilegítimo, apesar de legal”, considera a oposição.

Os partidos entendem também que Angola “precisa de ser libertada da má governação e o Estado de direito precisa de ser resgatado. A democracia vai libertar Angola e os angolanos vão resgatar o Estado”.

“E quando dissemos os angolanos, incluímos, naturalmente, os dirigentes e os militantes do regime que também estão amordaçados e são prisioneiros do sistema corruptor e corrompido que o regime instalou em Angola”, observam.

“Só há uma maneira de fazermos isso. É a união das forças patrióticas para vencer a tirania e a má governação. É a união das forças democráticas antes, durante e depois das eleições de 2022”, referem ainda, na posição conjunta. Isto, é claro, na ingénua e infantil presunção de que haverá eleições e, mais ainda, que o MPLA não irá pôr ordem e em ordem a oposição, reeditando a estratégia que usou nos massacres de 27 de Maio de 1977.

Para a UNITA, CASA-CE, PRS e os deputados não integrados em grupos parlamentares “só há duas escolhas para 2022: de um lado, Angola, do outro, o regime”.

É claro que, mais uma vez, esses partidos da oposição vão pedir a ajuda da comunidade internacional, seja na sensibilização do MPLA para a transparência, seja eventualmente na observação das votações. Será, mais uma vez, chover no molhado. No caso de Portugal, não nos admirava que nos areópagos partidários de Lisboa, PS, PSD, PCP e similares já tenham escrito o telegrama de felicitações pela vitória do MPLA. Sem esquecer aquele que (como nas anteriores) será o primeiro a felicitar João Lourenço, mesmo antes da divulgação dos resultados – Marcelo Rebelo de Sousa.

Folha 8 com Lusa

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