Xeque-mate a Portugal
com a “rainha”… Isabel?

João Lourenço está a utilizar a “rainha” Isabel dos Santos para dar xeque (se possível mate) a Portugal. Pelos vistos o MPLA (este MPLA) quer ser indemnizado pelos 500 anos que os portugueses por cá andaram e que, segundo os donos de Angola há 44 anos, só roubaram as nossas riquezas. Como todos sabem, quando em 11 de Novembro de 1975 os portugueses ofereceram o país ao MPLA, Angola era um deserto. Tudo o que agora existe deve-se ao MPLA…

Por Orlando Castro

Revelando um irracional complexo de inferioridade intelectual, a João Lourenço não basta Portugal ser o mais bajulador “militante” do MPLA. Até para ser bajulador é preciso pagar. Pagar bem. Depois do diferendo entre Angola e Portugal a propósito de um “irritante” problema chamado Manuel Vicente, chega a altura de mandar os portugueses ao tapete usando, num xadrez em que João Lourenço julga ser um Anatoly Karpov, Garry Kasparov ou até mesmo Bobby Fischer, os investimentos que a “rainha” Isabel dos Santos – autorizada pelo MPLA em que João Lourenço era figura de proa – fez em Portugal.

No horizonte perfilam-se duas teses. Ou Portugal pede desculpas e trata (pouco importando o método, a razão ou o enquadramento) de engolir um montão de sapos, oficializando que, afinal, José Eduardo dos Santos e todo o seu clã familiar não são bestiais mas sim umas bestas criminosas, ou o MPLA/João Lourenço manda esvaziar o saco azul e encerrar as lavandarias que detém em Portugal.

É claro que tanto o saco azul como as lavandarias poderão continuar a existir, e a proliferar, se os seus mentores passarem a ser os novos súbditos de João Lourenço, todos eles – incluindo o actual presidente do MPLA – ex-sipaios de José Eduardo dos Santos.

Embora pouco falada em termos públicos, os ideólogos de João Lourenço (que antes o eram de Eduardo dos Santos) têm em cima da mesa uma terceira via que, para além de levar – como tanto gostam de dizer – os “ex-colonialistas” ao tapete, serviria para meter na ordem todos os que, internamente, esfregam as mãos de contentes porque este diferendo mostra à saciedade o carácter totalitário do regime, iniciado com Agostinho Neto, mantido por José Eduardo dos Santos e actualizado por João Lourenço.

Essa terceira via seria manter (oficiosamente) Isabel dos Santos no comando das suas empresas, fazendo dela uma empresária recuperada pela educação patriótica com doutoramento anti-Portugal, fazendo ao mesmo tempo desmoronar a esperança da Oposição, que vê (se é que vê) na guerra Lourenço/Dos Santos uma rara oportunidade para derrotar o MPLA.

Mas será possível fazer tudo isso? Esta é a questão levantada pelos mais próximos membros do núcleo duro de José Eduardo dos Santos. Se não for, explicam outros, há sempre a possibilidade de deixar João Lourenço mostrar que, afinal, ele não quer, nunca quis, ser Deng Xiaoping mas antes ser uma versão africana de Kim Jong-un.

Aliás, as acusações contra Isabel dos Santos, José Filomeno de Sousa dos Santos, Welwitschia dos Santos e José Eduardo dos Santos não parecem ser suficiente para o alarido que o regime está a fazer. Assim sendo, são cada vez mais os observadores a entender que o MPLA está apenas a aproveitar a situação para fazer mais uma das suas jogadas que, ao longo dos 44 anos de independência, ajudaram à sua perpetuação no poder.

Como o Folha 8 escreveu por diversas vezes, perante o estertor do regime do MPLA, é bem possível que João Lourenço aposte na aprovação de uma Constituição que o perpetue no Poder, que invente o perigo de uma outra guerra civil, ou que resolva – seguindo o exemplo do seu herói Agostinho Neto – alimentar o patriotismo com o sangue de uns milhares de angolanos, tal como nos massacres de 27 de Maio de 1977.

De facto, a acusação de criminosa feita pelo Ministério Público do MPLA contra Isabel dos Santos pode ser uma excelente botija de oxigénio, estando o bode expiatório mesmo à mão, em Lisboa. Esta “medicação” foi testada numa dose experimental com o Manuel Vicente e deu indicações preciosas. Portugal ajoelhou e teve de rezar.

Através desta metodologia terapêutica, João Lourenço poderá justificar tudo o que lhe apetecer, numa espécie de reedição (revista e adaptada) do que Eduardo dos Santos (e ele próprio) fizera com Jonas Savimbi. Ou seja, pode justificar uma crise grave que permita – entre outras coisas – dizer aos acólitos do partido que, para pôr um fim definitivo aos resquícios do colonialismo português, terá de voltar a fazer o que, há mais de quatro décadas, o MPLA de Agostinho Neto fez com os portugueses… brancos.

Quem melhor do que João Lourenço para acabar com a “cumplicidade criminosa” de alguns “sectores de Portugal” na guerra civil e com a “incompreensão absurda” portuguesa e europeia quanto ao seu regime que, afinal, apenas trocou seis por meia dúzia?

“Com a crise do petróleo o país foi devastado. Lamentavelmente, com a cumplicidade criminosa de sectores em Portugal e na Europa que preferem continuar a ter uma Angola fraca a uma Angola igual entre as nações do Mundo, somos obrigados a cortar relações”, dirá um dia destes o Pravda do regime, citando o Presidente da República.

João Lourenço recordará que, em 2002, o país precisava do apoio dos doadores europeus, mas que mais uma vez Portugal se pôs de fora, razão pela qual o regime teve de apostar numa parceria com a China, para a reconstrução nacional.

“As autoridades angolanas precisavam do cumprimento das promessas feitas pelos doadores internacionais em Bruxelas, mas essas foram-lhes recusadas pelos mesmos que criticam hoje o facto de Angola querer fazer o seu caminho sozinha. Quando as portas são fechadas — como hoje volta a acontecer — como não seguir pela alternativa que sobra, a de caminhar caminhando”, questionará sua majestade, o rei João Lourenço.

“Hoje as atenções estão viradas para o processo de reforço das instituições do Estado democrático de direito e de diversificação económica. Os angolanos estão outra vez a arregaçar as mangas, mas novamente contam com a incompreensão absurda de Portugal”, dirá – provavelmente na primeira pessoa – o Presidente do MPLA, secundado pelo Presidente da República e pelo Titular do Poder Executivo.

Perante todo este cenário, logo surgirá uma enorme onda de fundo a pedir a eternização de João Lourenço, reconhecida que será a certeza de que, nos próximos 56 anos, não há alternativa de poder no país.

“Os dirigentes portugueses não se coíbem de mentir ao seu próprio povo sobre a realidade angolana e afirmam abertamente que pugnam pelo isolamento internacional do Governo angolano, como se houvesse uma alternativa ao actual poder em Angola que não fosse mais um aventureirismo político”, explicará João Lourenço, Ana Gomes ou até mesmo Rafael Marques.

E têm razão, reconheça-se. Quando se tem um novo “querido líder” que também foi “escolhido de Deus”, que tem poderes divinos, que também é o mais alto representante de Deus em (pelo menos) Angola, que está muito, mas muito mesmo, acima dos seus pares (caso de Nelson Mandela), que só tem rivais – embora a grande distância – como Teodoro Obiang ou Kim Jong-un, não há mesmo alternativa.

Na verdade o regime de João Lourenço já está em campo. O seu Pravda privativo, conhecido como “Jornal de Angola”, publicará em breve um comunicado do MPLA em que se criticará Portugal, afirmando que “custa ver tanta falta de vergonha”.

No artigo em questão, o Pravda realçará o que o seu patrão e patrono manda, ou seja a “justeza da nota de protesto” que o Ministério das Relações Exteriores angolano emitirá sobre o “modo como as autoridades portuguesas apoiaram durante muitos anos Isabel dos Santos”.

“Apesar de estarmos preparados para isso, a verdade é que nos custa ver tanta falta de vergonha, sobretudo vinda da parte daqueles que se dizem nossos amigos”, dirá o comunicado do MPLA, versão artigo de jornal. Esclareça-se que quando escrevem “nossos amigos” se referem aos amigos do regime, do MPLA, e não dos angolanos.

Para além das alternativas já aduzidas, o “crise” com Portugal pode ser o motivo ideal para, internamente, o regime arrasar com os opositores, culpando-os de serem “apoiantes dos interesses estrangeiros”, “beneficiários de uma nova colonização” e – no caso – “coniventes com as afrontas de Portugal à soberania angolana”.

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