O Presidente da República, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, reiterou hoje que as autoridades angolanas não vão recuar na luta contra a corrupção, que está a ser levada a cabo “com sentido de justiça e imparcialidade necessária”. Basta ver os exemplos para se saber que, com a mais benevolente ingenuidade, a corrupção continua intacta e que apenas se assiste à escolha selectiva de alguns sonantes bodes expiatórios.
Por Orlando Castro (*)
Discursando na abertura da reunião extraordinária do Conselho de Ministros que analisou o impacto da Covid-19 em Angola, João Lourenço abordou a questão do combate à corrupção, bandeira que levantou durante a campanha eleitoral e que fez aterrar – para matumbo ver – em cima dos familiares do seu anterior “escolhido de Deus”.
“O combate contra a corrupção em Angola é uma realidade, de facto, e de fácil constatação no dia-a-dia, através das acções dos cidadãos, do Ministério Público e dos tribunais, um pouco por todo o país, não só para combater possíveis actos criminosos, que já terão sido praticados, como também para prevenir que venham a acontecer hoje ou amanhã, caso a sociedade fique pouco vigilante”, referiu.
Assembleia Nacional (do MPLA) aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visava (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos. Essa mesma Lei, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime (no qual João Lourenço era uma prestigiada figura), era mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.
De acordo com João Lourenço, esta luta está a ser levada a cabo “com determinação, sentido de justiça e a imparcialidade necessária, que garante não haver perseguidos, por um lado, nem protegidos, por outro”. Ao sentir-se na necessidade de esclarecer, mais uma vez, “não haver perseguidos, por um lado, nem protegidos, por outro”, o Presidente está reconhecer que é isso mesmo que acontece.
“As autoridades competentes não recuarão na sua determinação de levar avante a luta contra a corrupção e a impunidade, responsabilizar criminalmente os presumíveis criminosos e recuperar os activos ilicitamente adquiridos e que lesaram o Estado angolano, não importando onde eles estejam, em Angola e no estrangeiro”, asseverou. Isso quer dizer que o monumental património do MPLA, bem como o dos seus dirigentes (João Lourenço à cabeça) foi licitamente adquirido?
O chefe de Estado explicou que “este objectivo se alcança com o trabalho, paciência e alguma discrição, onde o mais importante é deixar que as autoridades competentes realizem o seu trabalho e apresentem ao público, não os passos que vão sendo dados de algum tempo a esta parte, mas o resultado final deste trabalho”. É claro que para ver o resultado final nos resta uma de duas alternativas: ou esperar que os jacarés vegetarianos medrem nos nossos rios, ou esperar que o MPLA festeje um século de governação ininterrupta (já só faltam 55 anos).
“Sobre esta matéria de recuperação de activos, o Estado não está a dormir, está-se a trabalhar arduamente e estamos optimistas que seremos bem-sucedidos”, garantiu João Lourenço. Não está a dormir, é verdade. A dormir estão os angolanos que parecem acreditar que alguém que viu roubar, ajudou a roubar, beneficiou do roubo… não é ladrão.
O adiamento das primeiras eleições autárquicas em Angola foi igualmente abordado pelo chefe de Estado na abertura do encontro, solicitando aos conselheiros reflexão sobre o assunto.
“A verdade é que não conseguimos ainda realizá-las”, disse o Presidente, reconhecendo ser consensual a necessidade de se implantar o poder local autárquico, por via de suporte legal.
João Lourenço lembrou que, em Março de 2018, numa reunião do Conselho da República, manifestou a intenção de se realizar eleições autárquicas este ano, tendo o executivo (por si liderado) a partir daí dado início à preparação do pacote legislativo autárquico, que submeteu ao parlamento para aprovação.
“Reconhecemos todo o esforço levado a cabo pela Assembleia Nacional na aprovação de parte do pacote legislativo autárquico, mas, sem que se aponte necessariamente culpados, convenhamos que nem tudo está feito, o trabalho não está ainda concluído”, disse. Pois não está. Só estará concluído quando o MPLA quiser. Mas afinal quem é o Presidente do MPLA?
Para João Lourenço, não é possível num Estado democrático e de direito (que Angola não é) realizar-se quaisquer tipos de eleições sem suporte legal. E se não há suporte legal… não há eleições. E se não há eleições o MPLA vai continuar a ser Angola, e Angola vai continuar a ser do MPLA. Tudo normal, portanto.
“Nesta conformidade convido mais uma vez o Conselho da República a reflectir sobre este importante assunto”, frisou. Vamos então reflectir: eu reflicto, tu reflectes, ele reflecte, nós reflectimos, vós reflectis, eles reflectem. Ou será mais correcto dizer: eu reflectirei, tu reflectirás, ele reflectirá, nós reflectiremos, vós reflectireis, eles reflectirão?
Pelo sim e pelo não, seria bom que eu reflectisse, que tu reflectisses, que ele reflectisse, que nós reflectíssemos, que vós reflectísseis, que eles reflectissem. No entanto, o melhor de tudo (segundo o MPLA) é não reflictas tu, não reflicta ele, não reflictamos nós, não reflictais vós, não reflictam eles…
(*) Com Lusa