Bens de Carlos São Vicente engordam pecúlio do Estado

A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana ordenou a apreensão de vários edifícios do grupo AAA, pertencente ao empresário Carlos São Vicente, genro de Agostinho Neto, que está a ser investigado na Suíça, por suspeitas de peculato e branqueamento de capitais. A Fundação António Agostinho Neto irá mover um processo-crime contra a PGR (eventualmente pedindo o seu fecho) e apresentar queixa à ERCA?

Segundo um comunicado do Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR foram apreendidos os edifícios AAA, os hotéis IU e IKA, localizados em todo o território nacional e o edifício IRCA, localizado na Rua Amílcar Cabral, em Luanda.

A PGR justifica a apreensão com indícios da prática de crimes de peculato, participação económica em negócio, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

O AAA, liderado por Carlos São Vicente, casado com uma das filhas do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto (não será, com certeza crime falar-se de genro, mas a ERCA dirá), é um dos maiores grupos empresariais angolanos, operando na área dos seguros e da hotelaria.

O empresário é também administrador não-executivo do Standard Bank de Angola e solicitou a sua suspensão imediata de funções até conclusão do processo, anunciou na segunda-feira a instituição bancária.

O nome de Carlos São Vicente foi notícia na semana passada por suspeitas de lavagem de dinheiro na Suíça, divulgadas num blogue que acompanha questões judiciais naquele país.

De acordo com o blogue judicial suíço Gotham City, que cita o despacho do Ministério Público da Suíça, Carlos Manuel de São Vicente, viu congeladas sete das suas contas, tendo sido libertados os fundos de seis e mantendo-se congelada a conta que tem cerca de 900 milhões de dólares, o equivalente a mais de 752 milhões de euros.

Numa nota, a família de António Agostinho Neto considerou “abusivo, calunioso e inamistoso, o uso do nome de António Agostinho Neto a propósito do combate à corrupção que o país leva a cabo”.

A família e a Fundação António Agostinho Neto lembram que o primeiro Presidente de Angola faleceu em Setembro de 1979, seis anos antes do casamento da sua primeira filha, Irene Neto, em 1985, com Carlos Manuel de São Vicente, considerando, por isso, “um absurdo associar o seu nome a processos judiciais em investigação”.

As autoridades suíças alegam que entre 2012 e 2019 o empresário transferiu quase 900 milhões de dólares da companhia de seguros para as suas contas, algo que só foi descoberto quando o banco SYZ alertou para uma transferência de 213 milhões de dólares, de acordo com os documentos da acusação divulgados no site do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação).

“É pouco comum para um presidente executivo e do conselho de administração ter em sua posse fundos pertencentes a uma companhia, ainda para mais uma seguradora regulada pelo Estado, apesar de ter, neste caso, poder de representação individual da companhia”, lê-se na acusação divulgada pelo consórcio de jornalistas.

Nos documentos, segundo o blogue Gotham City, Carlos São Vicente é citado a explicar que os 213 milhões de dólares transferidos entre contas eram um reembolso parcial de empréstimos, mas o Ministério Público argumenta que os contratos usados para sustentar a explicação foram criados só depois das transferências de dinheiro e só depois de o banco pedir mais informações.

Outra das ‘bandeiras vermelhas’ terá tido a ver com o pedido feito por São Vicente para transferir a totalidade da sua fortuna no banco de investimento e gestão de activos SYZ para Singapura, algo que o empresário explica com um descontentamento com a gestão das suas finanças.

A empresa petrolífera angolana, a Sonangol, tem uma participação de 10% na AAA Seguros, que foi dissolvida já este ano.

Ainda segundo o Gotham City, as autoridades angolanas não responderam ao pedido de ajuda feito pelas autoridades judiciais suíças. De facto, a Procuradoria-Geral da República de Angola manteve hoje o silêncio sobre o assunto.

A AAA Seguros deixou oficialmente a actividade seguradora depois do anúncio feito em Fevereiro pela Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), da caducidade da autorização que a habilitava a comercialização de produtos de seguros.

Em comunicado, o regulador angolano observou que a caducidade da autorização para o exercício da actividade resultou da dissolução voluntária deliberada pelos accionistas da AAA Seguros e autorizada pela ministra das Finanças.

A AAA Seguros foi a segunda seguradora mais antiga do mercado, depois da ENSA Seguros e actuava nos ramos Vida e não Vida. Era integrante do grupo AAA Activos, um dos maiores conjuntos empresariais nacionais com participações em diferentes sectores económicos como a hotelaria.

A liquidação ocorreu sete anos depois de a AAA ter colocado fim à gestão dos fundos de pensões e dos planos de pensões “resultado do fraco crescimento dos activos dos referidos fundos e no âmbito da revisão estratégica de negócios da instituição”.

“A decisão de cessar a actividade de gestão de Fundos de Pensões enquadra-se no âmbito da revisão da estratégia de negócios da AAA Pensões e funda-se no baixo crescimento do exercício de gestão dos fundos de pensões, agravada recentemente com a queda brutal do valor dos activos dos fundos de pensões sob nossa gestão”, informara na altura o Conselho de Administração liderado por São Vicente.

Devido à alegada gestão pouco transparente, em Março de 2016 as AAA foi substituída na liderança do regime especial de co-seguro das actividades petrolíferas (seguro petroquímico) pela ENSA Seguros, mediante um Despacho Presidencial n.º 39/16, publicado em Diário da República de 30 de Março.

Em Julho de 2015, os franceses da Accor anunciaram que iriam gerir a rede de hotéis do grupo AAA, permitindo a abertura de 50 unidades e a criação de 3.000 postos de trabalho até 2017, segundo acordo então assinado em Luanda.

Tratou-se de um dos três acordos empresariais assinados durante o fórum económico Angola-França, no âmbito da visita de Estado que o Presidente francês, François Hollande, a Luanda.

“A França confia no futuro económico angolano. Sentimo-nos impressionados com o potencial de Angola”, afirmou o chefe de Estado francês na intervenção neste fórum, durante a qual reconheceu a necessidade de diversificar a cooperação económica entre os dois países, “que ainda se cinge muito ao petróleo”.

“Investir em Angola significa transmitir uma mensagem de confiança à população angolana e à economia angolana”, disse Hollande, perante uma plateia composta por dezenas de empresários dos dois países.

No âmbito deste fórum foi também assinado um acordo entre a petrolífera francesa Total e a angolana Sonangol para “reforçar a cooperação” e “acelerar as actividades de exploração” dos recursos petrolíferos em Angola.

O Governo previa concluir, até 2022, a construção, reabilitação e apetrechamento de 16 tribunais, entre os quais os dois primeiros tribunais de Relação em Angola, de segunda instância, no âmbito da Reforma Judiciária em curso.

Os objectivos, no âmbito do programa de Saneamento Básico, constam do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, aprovado pelo Governo e recentemente publicado, contendo a estratégia governamental para o desenvolvimento nacional na actual legislatura.

O Programa de Reforma e Modernização da Administração da Justiça, incluído no PDN 2018-2022, envolve ainda o apetrechamento de quatro Tribunais de Comarca, bem como a remodelação, adaptação e apetrechamento de 10 edifícios da antiga seguradora AAA, para acolher tribunais de jurisdição comum nas províncias judiciais.

Folha 8 com Lusa

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