União Europeia alimenta os antropófagos

O Governo de Angola (MPLA) recebeu hoje uma doação de 20 milhões de euros da União Europeia (UE) para, supostamente, apoiar a resposta do país à recuperação e a diversificação da economia que há 45 anos está à espera de ser feita. Saiam trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005 para a mesa do Titular do Poder Executivo.

Por Orlando Castro (*)

De acordo com a agência de notícias angolana, Angop, a doação, várias vezes anunciada nos últimos meses, será a partir de agora disponibilizada para ser aplicada nos próximos 36 meses, ao abrigo de um protocolo assinado pelo ministro angolano da Economia e Planeamento, Sérgio Santos, e a embaixadora e chefe da delegação da UE em Angola, Jeannette Seppen.

A doação é feita ao abrigo da modalidade de apoio orçamental, devendo cobrir projectos para reconversão da economia e transportes informais, sendo que parte do financiamento servirá para melhorar as condições nos sectores do ensino superior e formação técnica profissional, comércio e agricultura.

Em Setembro, as duas partes anunciaram num comunicado emitido após o 5.º encontro ministerial entre Angola e UE, que tencionam realizar, no primeiro semestre de 2021, um “evento de negócios de alto nível”, pretendendo juntar empresários e autoridades para “discutir melhorias no comércio e investimento”, dando corpo – apesar da crise da Covid-19 – à tese europeia de pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países ditos pobres…

No comunicado, as duas partes demonstraram também as suas intenções em “iniciar diálogos exploratórios sobre um acordo de investimento entre UE e Angola”, apoiado no Acordo de Parceria Económica entre a organização europeia e os Estados-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Os representantes dos dois lados mostraram-se interessados em trabalhar para a paz e a segurança, tendo os representantes da UE elogiado “o importante papel de Angola” na SADC, na Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), na Conferência Internacional dos Grandes Lagos e pela cooperação no Golfo da Guiné. Isto, é claro, para além do “importante papel” de, internamente, para uma população de cerca de 30 milhões ter apenas 20 milhões de pobres.

Durante a reunião, a UE anunciou que está a ser preparado um pacote de até 20 milhões de euros para apoiar a resposta socioeconómica à pandemia de Covid-19 no país, incluindo a formalização económica, depois de este ter sido anunciado, em Julho, pelo então embaixador da UE em Angola, Tomas Ulciny.

Recorde-se que, em Julho de 2008 (o MPLA está no Poder desde 1975), os líderes das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), reunidos no Japão numa cimeira sobre a fome, causaram espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala.

Reunidos sob signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos – e consequente apelo à poupança -, bem como da escassez de comida nos países mais pobres, os chefes de Estado e de Governo não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.

Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas eram apenas alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais, que acompanharam a refeição da noite com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005, que estava avaliado em casas da especialidade online a cerca de 70 euros cada garrafa.

Não faltou também caviar legítimo com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos. Nas refeições estiveram envolvidos 25 chefs japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns galardoados com as afamadas três estrelas do Guia Michelin.

Segundo a imprensa britânica, o “decoro” dos líderes do G8 – ou, no mínimo, dos anfitriões japoneses – impediu-os de convidar para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como foram os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal.

Os jornais e as televisões inglesas estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização Britain Save the Children, citado por várias órgãos online, referiu que “é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia”.

Para Andrew Mitchell, do governo-sombra conservador, “é irracional que cada um destes líderes tenha dado a garantia de que vão ajudar os mais pobres e depois façam isto”.

A cimeira do G8, realizada no Japão, custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudariam a impedir a propagação da malária em África ou quatro milhões de doentes com Sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para o evento, custou 30 milhões de euros.

João Lourenço e o seu regime, onde proliferam sipaios e um ou outro chefe de posto, continua a sua, bem sucedida e internacionalmente elogiada, luta para colocar Angola como o país que tem mais milionários do mesmo partido por metro quadrado.

Embora o seu regime continue todos os dias a pôr os angolanos mais pobres, mais famintos, mais esqueléticos, mais perto da morte, João Lourenço continua a dormir bem, a comer bem e a dar o que resta dos seus lautos repastos aos seus cães e não aos pobres já que estes têm um inovador sistema de self-service criado pelo MPLA – os caixotes de lixo.

Em Angola, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar… a fome, nem que seja nos restos deixados pelos cães do Presidente da República, uma minoria privilegiada de familiares/acólitos só se preocupa em ter – com a preciosa ajuda da acocorada comunidade internacional – mais e mais, custe o que custar.

Quando alguém diz ou escreve isto, e são cada vez menos a dizê-lo mas cada vez mais a pensá-lo, corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente. Não nos esquecemos, apesar de teimarmos em dar voz a quem a não tem (a esmagadora maioria do Povo), que um dia destes um jacaré pode saltar da uma viatura da Guarda Presidencial e fazer de nós um soberbo manjar.

Mas, como dizia a outro propósito mas com uma actualidade divina Frei João Domingos, “não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”. Que estamos quase a saber viver sem comer, isso é uma verdade que só deve regozijar o Presidente da República. Como dizia Zeca Afonso a propósito do regime de Salazar (em tantas coisas tão parecido com o nosso, às vezes para melhor), eles comem tudo e não deixam nada. E nada deixando, importa explicá-lo ao Presidente da República, nem os jacarés vão gostar de se alimentar de corpos esqueléticos.

Também por cá (é que esta gangrena tende a espalhar-se) o Povo pergunta (baixinho ou em silêncio) como é possível acreditar num regime cujo objectivo único é fazer com que os poucos que têm milhões tenham mais milhões, roubando e escravizando os milhões que têm pouco ou nada.

Citando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Angola “muitos governantes, gestores, administradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. É caso para perguntar: os jacarés não gostarão mais de carne reluzente mas putrefacta?

Na verdade, apesar de podres de ricos por dentro e por fora, continuam a viver à grande e à MPLA, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome, por falta de assistência médica ou por se transformar em bom alvo para os algozes exercitarem as suas metralhadoras. O tempo em que o mais importante era resolver os problemas do povo (assim dizia Agostinho Neto), já lá vai, se é que alguma vez existiu. Com rara mestria, reconheça-se, João Lourenço prepara-se para dar o golpe de misericórdia nos seus adversários.

Na história da humanidade não lhe faltam exemplos similares e inspiradores. No entanto, tal como Saddam Hussein, Muammar Kadafi ou Blaise Compaoré, também o mundo viu ser derrubada, em Kiev (capital da Ucrânia), a estátua do líder soviético Lenine, um dos mais influentes cérebros da ideologia que está nos genes do MPLA.

Tal como muitos dos ortodoxos do MPLA, que gravitam na bajulação ao “querido líder”, o Presidente João Lourenço continua a pensar que Angola só pode ser o MPLA e que o MPLA é Angola. E como pensa assim, o que sobra dos abundantes regabofes do seu séquito não vai para os escravos, mas sim para os rafeiros que gravitam sempre junto à manjedoura do poder mas que, quando tal acontecer, estarão na primeira linha dos que vão derrubar a estátua…

(*) Com agências

Artigos Relacionados

Leave a Comment