O ministro do Interior angolano, Eugénio Laborinho, disse hoje, em Luanda, que, nos últimos dois anos, o país registou incidentes “táctico-policiais” que “lamentavelmente”, alguns terminaram em mortes de cidadãos e polícias. Não terão sido incidentes “psico-umbilicais”? Ou, quiçá, “tácticos-orgiásticos”?
Eugénio Laborinho, que discursava na abertura da Conferência Científica (?) sobre o perfil do agente e o uso da força policial, promovido pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais, não avançou números. Nem era preciso. A dialéctica do ministro saciou qualquer dúvida.
O governante angolano frisou que esta constatação obriga a uma reflexão sobre o tipo de formação que está a ser implementada, sobretudo nos últimos cursos de ingresso realizados, considerando a relevância da temática de técnicas de manuseamento de armas de fogo e outros meios coercivos, pelos danos que podem causar.
Para Eugénio Laborinho, estas áreas desempenham “um papel inquestionável na determinação do perfil do agente da polícia que Angola e os seus filhos muito precisam”.
O titular da pasta do Interior disse esperar que as conclusões da conferência atendam às exigências actuais e que sejam aplicadas nos próximos enquadramentos na corporação, com vista a corrigir alguns perfis menos bons e, como diria o (actual) guru do MPLA, João Lourenço, melhorar aqueles que estão bem.
Segundo o ministro, de forma oportuna se realiza o certame para reflectir o perfil do polícia, visto que uma instituição como a Polícia Nacional não pode recrutar cidadãos sem um processo de selecção criterioso (que, recorde-se, não se aplica a ministros), que envolva a observância do grau académico, porte físico, estado psicológico e psíquico, antecedentes comportamentais e criminais, capacidade de reflexão, bem como os vários testes para aferir o interesse em ingressar na corporação e hábitos alimentares sem excessos de rebuçados e chocolates.
“Não se deve pensar que a Polícia serve somente para garantir emprego, para quem não tem outras opções na sociedade” (para isso podem ingressar nas missões dirigentes do MPLA), referiu Eugénio Laborinho, salientando que devem entrar aqueles que, além de terem perfil adequado, “tenham paixão pela profissão, porque ela exige entrega, abnegação, patriotismo e disciplina”, exactamente o oposto do que acontece com os dirigentes do partido que nos governa há 45 anos.
Os polícias devem estar imbuídos do espírito de servir o país e respeitar a lei, prosseguiu o ministro, sublinhando que não é para “tirar proveito da sua qualidade para praticar actos ilícitos, com o fim de resolverem os seus problemas sociais”. Verdade. Aprendam a servir o Povo já que para se servirem do Povo temos os ministros e similares.
O ministro elogiou o trabalho dos efectivos da Polícia Nacional que, “por vezes, não é devidamente reconhecido por alguns actos indecorosos cometidos por uma minoria, que mancha o bom nome da corporação”.
Nesse sentido, Eugénio Laborinho apelou ao reforço das medidas inspectivas e de controlo, para responsabilização dos infractores, sendo que essas medidas devem terminar à porta dos gabinetes ministeriais, desde logo porque os titulares são figuras divinas, incólumes e impolutas…
O ministro aproveitou a ocasião para felicitar o desempenho da Polícia na manifestação do passado dia 21 de Novembro, um dos temas a abordar na conferência, por não ter havido incidentes quer da parte dos efectivos, quer dos manifestantes. Situação que já se tina repetido no dia 30 de… Fevereiro.
O charme táctico-policial do ministro
O ministro Eugénio Laborinho afirmou, o mês passado, que os cidadãos não devem olhar para os órgãos de polícia “como seu inimigo”, mas salientou também que “não há direitos absolutos” e que estes estão nivelados. É brilhante a pedagogia do ministro. Por alguma razão, com 18 anos, em 1973, já tinha o curso de professores de Posto…
“Importa referir que nenhum direito é absoluto, pelo que, sempre que quisermos exercer alguma acção contemplada na lei, como sendo um direito fundamental, precisamos de estabelecer o grau de empatia e fazer o exercício de nos colocar no lugar daqueles que vão ressentir o efeito da sua acção, visto que os direitos fundamentais estão nivelados”, destacou, no seu discurso de encerramento do Conselho Consultivo Alargado.
Como exemplo, Eugénio Laborinho indicou que os cidadãos têm o direito de se manifestar, mas isso “não legitima impedir que os outros circulem ou danifiquem os bens públicos ou privados”.
Nas últimas semanas de Novembro, duas tentativas de manifestação foram violentamente reprimidas pela polícia em Luanda, terminando com detenções, incluindo de jornalistas, e, pelo menos, uma morte.
Para Eugénio Laborinho, “é fundamental que os cidadãos não olhem para os órgãos de Polícia como seu inimigo”, mas compreendam a essência do seu trabalho que pressupõe “defender quem tem razão, estando sempre do lado da Lei, responsabilizando quem a viole” com vista ao cumprimento da legalidade.
“Neste sentido, dirijo uma palavra a todos os angolanos, para que no exercício dos seus direitos, como a liberdade de expressão, livre circulação, manifestação e outros, tenham em atenção o postulado na Constituição e na Lei”, exortou o ministro, acrescentando que o direito de informar ou ser informado “não pode ser motivo para que o outro não exerça os seus direitos de resposta ou de interposição de uma acção judicial”.
Eugénio Laborinho reconheceu que existem “falhas” e desculpou-se por “eventuais irregularidades ou excessos de zelo”, prometendo que serão corrigidos.
Clarificou ainda que os órgãos de polícia “existem para garantir a ordem e a legalidade democrática, independentemente da filiação partidária, religião, raça, nacionalidade do cidadão”, e servem os interesses de todas as instituições e de todos os cidadãos.
Só uma semana depois da manifestação que aconteceu a 11 de Novembro, na sequência da qual foi morto um estudante, o Governo falou de “excessos” a propósito da intervenção policial, pelas vozes dos ministros do Interior e da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz.
Recorde-se que a actuação da polícia durante as várias fases de cumprimento das medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19 tem sido, desde há muito, criticada pela sociedade civil devido ao uso excessivo de força, tendo em conta os vários incidentes envolvendo polícias e cidadãos, que resultaram em várias mortes que, naturalmente, não são imputáveis às forças militares e policias porque, como se sabe, há cidadãos que teimam em voar em direcção às balas disparadas para o ar.
Em Junho, Eugénio Laborinho sublinhou que os efectivos do Ministério do Interior “desde sempre, consentiram muitos sacrifícios em prol do superior interesse da nação e da satisfação das necessidades colectivas”. É verdade. Ao que parece esses sacrifícios datam do tempo em que D. João II era rei de Portugal e deverão continuar até que o MPLA complete 100 anos de governação ininterrupta (só faltam 55).
“Sacrifícios que levaram muito dos nossos compatriotas de trincheira a perderem a vida no cumprimento da missão, pelo que, aproveitamos o momento para honrar os feitos alcançados por eles”, disse Eugénio Laborinho. “De trincheira”, não nos esqueçamos. Por alguma razão, na página oficial do Ministério do Interior na Internet esteve escrito que Eugénio César Laborinho “com o vasto currículo, no domínio de defesa e segurança, foi a aposta certa para assumir os desígnios do Ministério do Interior”.
Eugénio Laborinho avisou no dia 3 de Abril que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência ao estado de emergência.
Eugénio Laborinho, que falava numa conferência de imprensa em Luanda, após a primeira semana de estado de emergência, decretado em Angola para (supostamente) combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus, explicou de forma muito clara e assertiva como, aliás, é seu timbre: “Estamos a aplicar multas, estamos a deter pessoas”.
“Temos estado a actuar em conformidade com a lei e as próprias medidas que vamos tomando dependem do grau de intervenção de cada caso e somos criticados [por isso]”, disse o governante, acrescentando: “A polícia não está no terreno para servir rebuçados, nem para dar chocolates, ela vai actuar conforme o comportamento de cada cidadão ou de cada aglomerado”.
“A Polícia Nacional, deve continuar a garantir a manutenção da ordem e da segurança pública através da melhoria e da ampliação da rede policial em todo o território nacional, aperfeiçoar e alargar o policiamento de proximidade, estreitando-se a relação de confiança com os cidadãos, devolvendo assim, o sentimento de segurança pública”, referiu na altura Eugénio Laborinho.
Folha 8 com Lusa