O padre católico Félix Roberto Cubola negou hoje que na sua carta aberta contenha “calúnias e injúrias” contra a Polícia na província angolana de Cabinda, garantindo a disposição em “reafirmar o que escreveu” perante a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“N ão tenho qualquer dúvida, qualquer dificuldade e nem qualquer medo em enfrentar esta acusação do Ministério do Interior à minha pessoa. Eles falam em calúnia, difamação e insulto e não sei se encontram calúnias naquela minha carta aberta”, afirmou hoje o sacerdote angolano.
Reagindo ao posicionamento da Polícia (do MPLA) em Cabinda, que instaurou uma queixa-crime na PGR, por supostas “calúnias, injúrias e sensacionalismo” visando as forças da ordem na província, o padre disse estar “firme para enfrentar tudo”.
“Não estamos a fugir de nada e estamos firmes para enfrentar tudo o que dizem”, assegurou o conhecido padre Cubola.
Numa nota de esclarecimento da Delegação Provincial de Cabinda do Ministério de Interior, a corporação naquela província revelou ter já instaurado uma queixa-crime por “inverdades” veiculadas pelo padre na sua carta aberta.
O padre Cubola contou, na carta datada de 14 de Abril de 2020, que oito pessoas assaltaram a sua residência, em 25 de Março passado, levaram os seus pertences, entre dinheiro e duas viaturas, e na sequência terá sido “espancado, amarrado raptado para uma floresta”.
O sacerdote adiantou que no dia seguinte participou o ocorrido às autoridades, mas para o seu espanto efectivos do Serviço de Investigação Criminal (SIC) “já tinham imagens dos supostos assaltantes e todo o seu depoimento já se encontrava nas redes sociais”.
Cubola denunciou também supostas violações constantes da fronteira com a República Democrática do Congo (RD Congo), quando o país está com as fronteiras encerradas por conta do estado de emergência devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, e a inutilização de meios técnicos “que apodrecem no quartel da Polícia em Cabinda” para fiscalização das fronteiras.
Todas as acusações foram já refutadas pela Delegação Provincial de Cabinda do Ministério de Interior que, recorde-se, é dirigido por Eugénio Laborinho, ex-governador de Cabinda.
O sacerdote explicou que a carta é composta por três partes, nomeadamente “factos, preocupações e perguntas e propostas”, referindo tratar-se de “apenas uma denúncia e não de difamação”. “Apenas denunciei aquilo que não está bom”, alegou.
Sobre o alegado auxílio à emigração ilegal, de que é acusado na nota da Polícia, o padre Cubola questionou a pertinência da acusação pedindo à corporação que aponte os nomes e as circunstâncias em que empregou estrangeiros ilegais.
O padre questionou que, se a Polícia sabia que empregava ilegais, por que razão não exerceu o seu “dever de fiscalização, detenção” e participação ao Ministério Público por auxílio à imigração ilegal?
“Apenas esperaram que o padre Cubola escrevesse a carta aberta para denunciar, mas onde está a lógica? Aguardamos que tragam os nomes das pessoas, por onde passaram e quando é que os empreguei”, sustentou.
Reafirmou igualmente as acusações sobre violação das fronteiras em período de estado de emergência devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, reiterando a disposição para responder junto da PGR.
“Volto a insistir, a persistir e a assinar o que escrevi na carta, se eles não se preocupam, se não por aquilo que eles sabem de mal que cometeram, porque é que não abrem inquéritos e responsabilização de como os factos aconteceram?”, perguntou.
Em relação às alegações de que não colaborou com as autoridades, Félix Roberto Cubola deixou outra questão: “Dizem que as minhas declarações não vazaram, então houve ou não colaboração?”, rematou.
A verdade incomoda o poder político, policial e religioso
Recorde-se que o bispo da Diocese de Cabinda, Dom Belmiro Cuica Chissengueti, foi obrigado (por quem manda em Angola, o MPLA) a suspender em Novembro do ano passado todo o exercício clerical o padre Félix Roberto Cubola, em consequência da sua eleição como presidente do Alto Conselho de Cabinda.
De acordo com uma nota diocesana da altura, a posição da Igreja Católica foi tomada em virtude de se considerar incompatível o exercício do ministério sacerdotal em simultâneo com o desempenho de actividades de caracter politico sobretudo, dizemos nós, quando essas actividades não são de apologia canina do regime do MPLA.
Félix Cubola foi eleito em Acra, Gana, para desempenhar as funções de presidente do Alto Conselho de Cabinda, uma organização criada por políticos, associações e quadros independentes de Cabinda para a busca de consensos para uma visão comum entre as várias sensibilidades de Cabinda.
“Interpelado para esclarecimentos sobre o seu engajamento político no criado Alto Conselho de Cabinda, o sacerdote não fez nenhum pronunciamento”, diz a nota assinada pelo bispo da Diocese de Cabinda.
A nota esclarecia ainda que “consultado o clero diocesano e considerando a delicadeza e gravidade do compromisso assumido pelo sacerdote em relação ao ministério sacerdotal a igreja decidiu suspender o sacerdote com efeitos imediatos”.
Nos últimos anos a Diocese de Cabinda expurgou do exercício presbiteral vários sacerdotes ligados à causa política e outros por não aceitarem comungar com o ex-bispo Filomeno Vieira Dias, um serviçal do regime do MPLA.
Em 2007, o Vaticano decidiu por decreto o afastamento de Jorge Casimiro Congo, Raul Tati e Alexandre Pambo de todas as suas faculdades sacerdotais.
O que diz o bispo Belmiro Chissengueti não é política?
O bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, considerou em 12 de Março de 2019 que os protestos no enclave devem-se a “condições sociais precárias” e defendeu que a região precisa de “sinais de desenvolvimento”. A voz do Povo costuma ser a voz de Deus. Mas nem o Povo nem o bispo têm poder para sensibilizar “deus” angolano que dá pelo nome de João Lourenço.
“Porque são precárias em Cabinda, e um pouco por todo o país, que está tomado por uma crise desigual, e então há que encontrar soluções sustentáveis para dar resposta às inquietações principais dos jovens, dos adultos, não só em Cabinda, mas também em todo o país”, disse na altura Belmiro Chissengueti, em declarações à Lusa.
O sacerdote católico exemplificou que regiões como o Cacongo continuam iguais, “como há 35 anos” em termos de desenvolvimento, o que causa “algum mau estar e alguma dor”.
Para Belmiro Chissengueti, também porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), é importante que aquelas que são as zonas de produção das maiores riquezas do país tenham maior benefício do ponto de vista da reconstrução”.
Desde “infra-estruturas, condições sociais e medidas políticas que favoreçam a empregabilidade e a auto-sustentabilidade (…), a província precisa de recordações vivas e sustentáveis dos 50 anos de exploração petrolífera”. “Tem que haver sinal sensível de desenvolvimento”, argumentou o bispo.
Recorde-se que a UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite em Angola, denunciou na mesma altura eira que “continuavam a morrer” angolanos em Cabinda, “vítimas de um conflito mal resolvido”, considerando que naquela província os cidadãos são tratados de forma “arbitrária e autoritária”.
“O grupo parlamentar da UNITA já não pode aceitar que em tempos de paz morram angolanos em Cabinda vítimas de um conflito mal resolvido”, disse Adalberto da Costa Júnior, então presidente do grupo parlamentar da UNITA.
“Recomendamos a necessidade da humanização dos órgãos de defesa e segurança, que através de métodos repressivos e de violência estimulam e acirram os extremismos desnecessários”, sublinhou.
Pelo menos 63 jovens do autodenominado Movimento Independentista de Cabinda (MIC) estavam na altura detidos por pretenderem fazer uma marcha alusiva ao dia 1 de Fevereiro, quando se assinalou o 134º aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco, segundo as autoridades, mas a UNITA afirma tratar-se de detenções arbitrárias.
Com a originalidade que lhe é peculiar, em finais de Fevereiro de 2019, o Governo angolano confirmou a existência de detenções de membros de um “autodenominado movimento independentista” em Cabinda, que “pretendiam alterar o quadro institucional de unicidade” de Angola.
O então ministro do Interior angolano, Ângelo da Veiga Tavares, indicou na altura que a situação no enclave de Cabinda estava tranquila e que os respectivos processos estavam em segredo de justiça, pelo que restava agora aguardar pelas decisões judiciais.
Em relação à detenção os jovens activistas, o bispo de Cabinda considerou que “é preciso salvaguardar a necessidade de um diálogo permanente”, afirmando que as “vozes dissonantes da província são parte integrante do processo democrático”.
“Não podemos ter a ilusão de pensarmos que os jovens académicos e intelectuais tenham um pensamento uniforme, então o que é importante, por um lado, é que se cumpram os pressupostos das detenções, que é justamente a apresentação dos motivos”, adiantou.
“Porque essas vozes também podem apresentar inquietações que podem ser aproveitadas para o exercício da boa governação, porque em democracia as manifestações são parte integrante e isso deve ser salvaguardado evitando a todo custo as arbitrariedades”, acrescentou.
Questionado sobre a situação da segurança em Cabinda, Belmiro Chissengueti respondeu: “A minha missão é sobretudo religiosa e espiritual, e naquilo que toca a minha missão, tenho andado um pouco por toda a província e nada mais do que isso”.
Folha 8 com Lusa