Ser jornalista é…

Pelo menos 32 jornalistas e colaboradores da imprensa foram mortos desde o início do ano, um número inferior ao de 2019, mas que continua a ser preocupante, diz a organização não-governamental (ONG) Repórteres sem Fronteiras (RSF). O Governo angolano (MPLA) está satisfeito porque (que se saiba) tem dado porrada e detido jornalistas mas não matou nenhum…

Em 2019, 49 jornalistas foram mortos em todo o mundo, o número mais baixo em 16 anos, comparado com a média de 80 mortes registadas anualmente nas últimas duas décadas, devido à diminuição de profissionais mortos em conflitos armados, explicou na altura a RSF, já que estes cobrem cada vez menos a situação no terreno.

O balanço deste ano volta a ser inferior ao de 2019, com 29 jornalistas e três colaboradores de órgãos de comunicação social mortos desde o início do ano, por causa da crise sanitária, já que “muitos jornalistas não foram para o terreno”, sublinhou a ONG, que vai publicar o relatório anual no final de Dezembro.

“Durante a última década, quase mil jornalistas foram mortos no exercício da profissão, crimes que quase sempre ficam impunes. Muitos destes casos não foram devidamente investigados e os culpados nunca foram responsabilizados”, lamentou o secretário-geral da ONG, Christophe Deloire.

O responsável reiterou o pedido ao secretário-geral da ONU, António Guterres, para criar o cargo de “Representante especial para a segurança dos jornalistas”.

“O secretário-geral tem pouco mais de um ano para agir e deixar um legado significativo na luta contra a impunidade e pela protecção dos jornalistas. A nomeação de um membro da sua equipa como contacto privilegiado, a única acção concreta que tomou até ao momento, não é suficiente”, defendeu Christophe Deloire, num artigo de opinião publicado em vários meios de comunicação, por ocasião do “Dia internacional pelo fim da impunidade dos crimes contra jornalistas”.

A Federação Internacional de Jornalistas está a lançar uma campanha global “para denunciar aqueles que ordenam crimes contra jornalistas, mas ficam impunes, e exortar os governos a tomar medidas urgentes, para acabar com a impunidade e proteger a liberdade de imprensa”, de acordo com um comunicado da organização.

Em Julho, a ONG Emblem Press Campaign indicou que pelo menos 186 jornalistas morreram em 35 países devido à Covid-19, muitos depois de cobrirem acontecimentos relacionadas com a pandemia.

A ONG, que recolhe regularmente dados sobre ameaças e ataques à profissão, contabilizou as mortes ocorridas entre 1 de Março e 30 de Junho, frisando que “o número de mortes reais é provavelmente muito superior”, já que “os jornalistas mortos durante este período não foram testados ou a morte não foi anunciada publicamente”.

No que ao reino angolano do MPLA respeita, no dia 27 de Outubro o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) pediu à polícia (que deveria ser de Angola e não do MPLA) que deixe de prender e agredir repórteres no exercício das suas funções e que lhes permita fazerem o seu trabalho.

Em comunicado, o CPJ adiantava que pelo menos seis jornalistas e um trabalhador da comunicação social foram presos no sábado (24 de Outubro), em Luanda, durante protestos contra as políticas o Governo.

O CPJ citava notícias veiculadas e o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, com quem falou através de “uma aplicação de mensagens”, para sublinhar que quatro tinham ficado detidos mais de dois dias, depois libertados sem acusação, e um outro jornalista “foi assediado na cobertura de protestos antigovernamentais”.

“As autoridades angolanas devem deixar de assediar e deter jornalistas que estão simplesmente a fazer o seu trabalho e devem permitir-lhes que reportem livremente”, acentuou a coordenadora do programa África do CPJ, Ângela Quintal.

De acordo com a CPJ, o director do grupo privado GEM Angola Global Media, Evaristo Mulaza, transmitiu que a polícia obrigou dois jornalistas da Rádio Essencial, Suely de Melo e Carlos Tomé, o fotógrafo Santos Samuesseca, da publicação Valor Económico, e o seu motorista, Leonardo Faustino, a saírem do carro enquanto faziam a cobertura dos protestos, apesar de se terem identificado.

Recorde-se que não basta os jornalistas identificarem-se porque, por regra, os responsáveis policiais no terreno não sabem ler e só consideram válidos os cartões de militante do MPLA.

“A polícia espancou os jornalistas e apreendeu os seus telemóveis e uma câmara fotográfica”, acrescenta a CPJ, segundo informações de Evaristo Mulaza.

Na altura a directora executiva do Valor Económico e da publicação Nova Gazeta, Geralda Embalo, disse que o equipamento dos jornalistas não fora ainda devolvido. A demora na devolução dos equipamentos deveu-se à perícia policial que procurava encontrar armamento letal escondido, casos de mísseis disfarçados de lapiseiras.

Ecaristo Mulaza acrescentou que os jornalistas e o motorista foram interrogados por um promotor público e libertados sem que nenhum funcionário tenha explicado porque é que os quatro tinham passado mais de 50 horas sob custódia policial. A custódia deveu-se, importa reconhecer, ao facto de a polícia estar a proteger os jornalistas de um qualquer ataque do… Covid-19.

O CPJ menciona um outro incidente, com dois jornalistas da TV Zimbo, Domingos Caiombo e Octávio Zoba, detidos e forçados a apagar as suas imagens do protesto em 24 de Outubro, antes de serem libertados no mesmo dia sem acusação.

“Num outro incidente, dois jornalistas, os ‘freelancers’ Osvaldo Silva e Nsimba Jorge, que colaboram com a agência noticiosa francesa AFP, foram agredidos e assediados pela polícia durante os protestos, segundo os dois jornalistas”, acrescenta o CPJ, no mesmo comunicado.

A tentativa de uma manifestação organizada por jovens da sociedade civil, com apoio de dirigentes do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola – UNITA – e de outras forças da oposição, foi frustrada pelas autoridades, tendo resultado em 103 detenções, ferimentos de polícias, e de manifestantes em números não revelados, além da destruição de meios das forças da ordem.

A marcha visava reivindicar melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola. Reivindicações injustas porque, de facto, apesar da crise do petróleo e da pandemia de Covid-19, Angola só tem 20 milhões de pobres…

Folha 8 com Lusa

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