Quem minou a celestial
picada para o paraíso?

A consultora Fitch Solutions considera (à revelia da propaganda do executivo de João Lourenço) que a incerteza à volta da capacidade do Governo de Angola de implementar as reformas está a manter a desconfiança dos investidores, atribuindo um risco agudo às operações no país. Só não vê quem quer, mas – é claro – até 2002 a culpa foi de Jonas Savimbi passando, em 2017, a ser do clã Eduardo dos Santos.

“A pesar de as reformas ajudarem na avaliação do risco de Angola relativamente ao ambiente de investimento e de comércio, a incerteza à volta da capacidade efectiva do Governo em implementar com sucesso as medidas prometidas significa que os níveis de risco operacional geral continuam agudos”, lê-se numa nota da Fitch Solutions.

De acordo com a análise, enviada aos investidores, os peritos desta consultora (que nada aprenderam com os seus homólogos escolhidos a dedo por João Lourenço) detida pelos mesmos donos da agência de rating Fitch escrevem que “os negócios em Angola enfrentam um ambiente operacional desafiante a curto e médio prazo”.

As deficiências estruturais no contexto logístico vão “manter o investimento no sector não petrolífero relativamente obstruído por cortes de electricidade, água e combustíveis, num contexto em que os esforços de diversificação e as reformas continuam lentas”.

A corrupção, acrescentam, “continuar a ser uma preocupação, devido ao forte envolvimento do Estado na economia, bem como na falta de transparência”. Acrescente-se que, como é sabido, o forte envolvimento do Estado na economia deve-se a Isabel dos Santos, o mesmo se dizendo da falta de transparência.

A dependência do petróleo e da procura dos chineses pelas receitas da exportação de combustíveis “tem afectado negativamente a economia durante a descida da queda dos preços e expôs quão vulnerável o país está a choques externos”, argumentam os analistas.

O sistema fiscal, concluem, não oferece alívio aos investidores, com “a fiscalidade, os elevados impostos empresariais, o sector bancário enfraquecido, a extensa burocracia e a corrupção generalizada servem para elevar ainda mais os riscos”, apesar de o Presidente, João Lourenço, “ter demonstrado um empenho muito maior nas reformas e no combate à corrupção do que muitos esperavam”.

As costas largas, muito largas, de Isabel dos Santos

O processo contra Isabel dos Santos pode ser “fait-divers” para esconder a miséria em que sobrevivem os angolanos? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para esconder o estrondoso falhanço da economia angolana? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para vender gato por lebre aos investidores estrangeiros? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é.

“Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”, afirmou recentemente o economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda, Manuel Alves da Rocha.

Manuel Alves da Rocha considera que o processo de arresto de bens da empresária Isabel dos Santos pode ser uma distracção, face à “situação de miséria” que Angola está a atravessar. Ele diz que pode. Nós dizemos que é.

“Não sei até que ponto é que este processo de arresto dos bens de Isabel dos Santos não teve a intenção de, de certa maneira, ser um ‘fait-divers’ relativamente à grande crise económica e social que Angola vive”, disse o director do Centro de Estudos e Investigação Científica, da Universidade Católica de Luanda.

Questionado sobre o que está em causa no arresto de bens da empresária, do marido e de um seu colaborador português, no valor de 1,1 mil milhões de dólares, Alves da Rocha disse: “Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”.

Ao falar-se de 1.100 milhões de dólares (987 milhões de euros), “que foi o valor que foi atribuído sem se perceber como, evidentemente que isso é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia angolana e nas necessidades de investimento na diversificação”, defendeu o professor universitário.

“O arresto de bens na luta contra a corrupção é uma maneira relativamente enviesada, já me perguntei se haverá outras razões que levem o Presidente João Lourenço a focalizar-se na família, parental e política de José Eduardo dos Santos”, afirmou o economista.

Há, com certeza, outras, muitas outras razões. É que enquanto se fala do arresto e sucedâneos ninguém pergunta, ou recorda, que João Lourenço deveria prestar contas do seu património, deveria explicar em quantos milhões a Sonangol sempre financiou as campanhas eleitorais do MPLA, incluindo aquela em que o próprio João Lourenço foi “eleito”.

Instado a aprofundar a ideia, Alves da Rocha acrescentou: “Há razões políticas, ele pretende posicionar-se dentro do partido com força e já há análises feitas que dão conta de discrepância sobre o poder que João Lourenço tem no Governo e o poder que tem no MPLA, que são poderes desequilibrados, mas haverá seguramente outras razões, não estritamente políticas, mas pessoais, sobre situações que aconteceram entre os dois”.

Pelos vistos existem dois cidadãos com o mesmo nome: João Manuel Gonçalves Lourenço. Um sempre foi um homem do sistema, do regime: Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; Deputado na Assembleia do Povo; Chefe da Direcção Política Nacional das FAPLA; Secretário da Informação do MPLA; Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; Secretário-geral do MPLA; Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; Vice-presidente da Assembleia Nacional; Vice-presidente do MPLA; Ministro da Defesa.

O outro é o actual Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Presidente da República, que chegou a Angola há pouco mais de dois anos com a nobre, emblemática e divina missão de nos levar para o paraíso…

Comentando a actual situação política em Angola, Alves da Rocha defendeu que “o Presidente João Lourenço, de alguma maneira, tem vindo a perder algum apoio popular porque representou a mudança, uma nova organização da economia e da sociedade, só que os resultados não estão a aparecer”.

“As vozes de alguns ministros que dizem que as coisas não acontecem da noite para o dia, e que as reformas precisam de tempo, é verdade, mas será que as reformas vão no sentido correcto?”, questionou o académico.

Para Alves da Rocha, “o acordo com o Fundo Monetário Internacional não é o acordo de que Angola necessita para resolver os problemas económicos, promover a diversificação, atrair investimento estrangeiro e simultaneamente aliviar as tremendas carências sociais na saúde, na educação, nos rendimentos, no emprego, que a população tem”.

Angola, lembrou, está em recessão desde 2015, “e isso tem reflexos profundos sobre a situação social do país e não vemos, para os próximos tempos, a possibilidade de se alterar este percurso decrescente da economia nacional, não só pela evolução do petróleo, mas sobretudo pela falta de reformas que Angola devia ter encetado com dinamismo e persistência” ainda durante a governação de José Eduardo dos Santos.

O anterior Presidente, acusou, “promoveu o facilitismo, promoveu a acumulação de riqueza e agora estamos aflitos sobre a maneira de reverter isto, e não é com o FMI que Angola reencontra o caminho de crescimento económico sustentável”.

Folha 8 com Lusa

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