Quando a Polícia mata

A UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista no seu reino, comparou hoje as mortes provocadas em Angola, pelo uso excessivo de força da polícia, ao assassínio do negro norte-americano George Floyd, asfixiado por um agente policial branco dos Estados Unidos da América.

Em comunicado, a UNITA exprimiu a repulsa ante comportamentos similares, que têm ocorrido em Angola, nesta fase da pandemia de Covid-19, “onde as forças da lei e ordem têm usado excesso de força, causando igualmente vítimas mortais”.

Em bom rigor, não tivessem os dirigentes do Galo Negro medo, diriam que o uso brutal e desproporcional da força, também mas não só da Polícia (que é do MPLA e não nacional), faz parte do ADN dos sucessivos governos do MPLA desde 1975.

A Polícia, formalmente angolana mas de facto do MPLA, anunciou hoje (como o Folha 8 noticiou) a morte de uma mulher, na província da Huíla, por disparos de um agente policial, quando tentavam dispersar um grupo de comerciantes num mercado irregular, caso semelhantes a outros registados nas províncias de Luanda, Benguela e Lunda Norte.

A UNITA considerou que a “horrenda morte de George Floyd deve merecer uma unânime condenação de todos os africanos”, salientando que o “relativo atraso tecnológico não pode calar e tornar os angolanos subservientes aos aliados em qualquer parte do mundo, ante os episódios como o que vitimou George Floyd, justamente no dia 25 de Maio, o Dia de África”.

Mais uma vez a UNITA mostrou que o Galo Negro não passar de garnisé quando, sem rasgo nem coragem, fala de “unânime condenação de todos os africanos” em vez de unânime condenação de todos as pessoas, sejam da Europa, de África, da América, da Ásia, da Oceânia e Antárctida.

“A UNITA vem acompanhando com preocupação esta situação e, tal como já o fez saber aquando das manifestações de racismo ocorridas em Abril último na República Popular da China, repudia e condena veementemente o acto que vitimou George Floyd, um cidadão que nada fez para merecer tão cruel destino em pleno século XXI, naquela que é considerada uma das maiores democracias do mundo”, lê-se na nota.

A UNITA disse esperar que as autoridades americanas, em particular, e as Nações Unidas, em geral, “tomem uma posição que salvaguarde a integridade física, as liberdades e garantias de todos os cidadãos, sem olhar para o tom de pele, origem, credo ou religião, que sejam desencorajados actos de género e sejam, exemplarmente, responsabilizados civil e criminalmente, os seus autores”.

Apesar dos “progressos na luta contra o racismo” dos últimos 50 anos, “a discriminação racial ainda representa um perigo claro para pessoas e comunidades” em todo o mundo, afirmou em 21 de Março de 2015 o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Numa mensagem a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, recordou que, “todos os dias, pessoas de todas as idades suportam ódios, injustiças e humilhação devido à sua cor de pele, origem nacional ou étnica”.

Intitulada “Aprender com as tragédias do passado para combater o racismo hoje”, a mensagem reafirma o “compromisso” das Nações Unidas “em construir um mundo de justiça e igualdade onde a xenofobia e a intolerância não existem”.

Ban Ki-moon apela a que se aprenda com os “erros históricos”, como é o caso do colonialismo ou de regimes segregacionista como o do apartheid, na África do Sul, para que se possa “erradicar o preconceito”.

No ano em que a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial celebrava meio século, ainda falta conquistar “a premissa de que todas as pessoas usufruem de direitos iguais e dignidade – independentemente da sua etnia”.

Para que isso aconteça, o secretário-geral da ONU apelou às nações que ratifiquem a convenção internacional e adoptem “leis e políticas fortes que acabem com todas as formas de discriminação”.

No dia 28 de Julho de 2007, na Faculdade de Economia do Porto realizou-se uma conferência sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual compareceram cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda.

Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistência à entrada do então Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectivamente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado.

Por deficiências sonoras, que nada preocuparam a assistência, pouco se percebeu do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, que abandonámos a sessão no início da intervenção do presidente da CNE.

E abandonámos a sessão porque descobrimos que, afinal, o nosso lugar não era ali. E descobrimos isso graças à oportuna explicação de gente ligada à organização, presumimos que do Consulado no Porto.

Explicamos. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos. Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuindo pela assistência um pequeno papel que tempos depois recolhiam. Presumimos que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores.

Reparamos então (talvez por deficiência profissional) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não cremos que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa.

Interpelámos então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntando-lhe se não tínhamos direito a um deles.

A resposta foi clara e inequívoca:

“- Isto é só para angolanos”.

A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”.

Assim sendo, e porque somos angolano… mas branco, não tivemos outro remédio que não fosse abandonar a sala. Tristes, é certo. Magoados, é claro. Mas como nada nos é possível fazer quanto ao local em que nascemos, ao país que amamos, e muito menos quanto à nossa cor, a solução foi ir embora.

Há cerca de dez anos, a tensão racial na África do Sul atingia níveis preocupantes, sobretudo porque os supostos discípulos de Nelson Mandela esqueceram os seus universais ensinamentos.

Nessa altura, dos seguidores do dirigente racista branco sul-africano Eugene Terreblanche nada havia a esperar. Nada de válido. O mesmo não se podia dizer de Julius Malema, então líder da juventude do ANC, partido no poder no país, que parecia cada vez mais um Eugene Terreblanche negro.

Julius Malema, entre muitas outras tentativas de lançar gasolina para a fogueira, continuava a insultar Nelson Mandela, esquecendo – por exemplo – que o ex-presidente sul-africano, pai da pátria e Nobel da Paz, que passou 27 anos nas cadeias sul-africanas por ousar resistir ao regime de minoria branca, afirmava que “está nas nossas mãos criar um mundo melhor para todos os que nele vivem”.

Julius Malema regressou às copas das árvores e resolveu insultar e ameaçar um jornalista da BBC durante uma conferência de imprensa.

O jornalista confrontou Malema com a vida de luxo por ele usufruída, ao mesmo tempo que condenava a riqueza dos brancos. O líder da juventude do ANC, mostrando o seu nanismo intelectual, não gostou e respondeu, visivelmente irritado.

“Não venhas para aqui com essas tendências brancas. Aqui não. Podes fazê-lo noutro lado. Aqui não! Se tens uma tendência para minar negros mesmo no teu trabalho, estás no local errado! Estás no local errado! E podes sair. Põe-te a andar!», disse o membro do ANC.

Perante a estupefacção dos presentes na conferência de imprensa, Malema partiu para o insulto mostrando que, de facto, estava mais perto de Robert Mugabe do que de Nelson Mandela.

“Lixo é o que tu tens nas calças! Isso é que é porcaria O que tens nas calças é que é porcaria. Ouviste? És um miúdo, não sabes fazer nada”, disse o líder da juventude do ANC, bem ao estilo de Eugene Terreblanche.

O jornalista começou a arrumar o material para se retirar e murmurou que não tinha ido ali “para ser insultado”.

“Fora daqui! Sacana!”, vociferou, por fim Julius Malema.

Entretanto, porque ao contrário de Julius Malema, o Congresso Nacional Africano tinha gente que pensa com a cabeça certa, condenou em tom enérgico a forma como o presidente da sua Liga Jovem, se dirigiu ao jornalista da BBC.

Em comunicado divulgado em Joanesburgo, o partido salientou que ”o comportamento agressivo e insultuoso em relação ao referido jornalista (Jonah Fisher), e que o levou a abandonar a conferência de Imprensa, não pode de forma alguma ser sancionado pelo partido”.

“O comportamento em questão, do presidente da Liga Jovem do ANC, não está de acordo com a cultura e tradições, bem com o código de conduta de um quadro e líder do ANC. Nenhum tipo de alegada provocação dirigida a Julius Malema poderia justificar tal resposta”, dizia o comunicado

Folha 8 com Lusa

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