Parlatório de… pólvora seca

O ministro do Interior de Angola, Eugénio Laborinho, destacou hoje o novo capítulo que se abre (diz ele) na história do Serviço Penitenciário angolano, com a inauguração do primeiro parlatório virtual, “ferramenta moderna para garantir a efectivação de direitos humanos dos reclusos”.

Eugénio Laborinho falava na cerimónia de inauguração do primeiro de vários parlatórios virtuais previstos para cadeias do país, projecto desenvolvido pela Universidade Católica de Angola e financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O titular da pasta do Interior frisou que o parlatório virtual apresenta-se como uma solução tecnológica, que surge para mitigar barreiras de comunicação entre os reclusos, seus familiares, parentes, amigos, advogados, magistrados e outros especialistas forenses, agora agravada em tempo de pandemia de Covid-19.

O governante angolano realçou que, por força das imposições estabelecidas pelas autoridades sanitárias, desde Março deste ano, que lutam contra a Covid-19, os reclusos estão há vários meses privados da visita dos seus entes queridos.

“Hoje abre-se um novo capítulo na história do Serviço Penitenciário, porquanto, tem à sua disposição uma ferramenta moderna, para garantir a efectivação de direitos humanos dos reclusos e a melhoria das condições de trabalho do efectivo, que terá a missão de implementar e fiscalizar os parlatórios virtuais”, referiu.

Eugénio Laborinho salientou que além de muitas vantagens para o serviço penitenciário, a solução tecnológica vai permitir que a administração da justiça possa processar-se sem que o recluso saia da cadeia, poupando logística e algumas situações como as fugas.

“Irá permitir, de igual modo, que os reclusos contactem, durante a visita virtual, os filhos menores, que actualmente não são permitidos aceder aos estabelecimentos penitenciários nas visitas físicas”, disse o ministro.

Para os reclusos estrangeiros, prosseguiu Eugénio Laborinho, será possível as mesmas oportunidades, podendo interagir com os familiares e amigos, que estejam em Angola, no seu país de origem e em outras partes do mundo.

Nesta primeira fase, estão ainda em construção 10 parlatórios, dos quais oito na província de Luanda, capital de Angola, os restantes no Bengo e no Namibe.

Na segunda fase, está prevista a construção de mais 31 parlatórios para outros estabelecimentos penitenciários do país, equipados com 10 computadores, para um atendimento de cerca de 70 reclusos por hora e 350 por dia.

Para a entrada em funcionamento dos primeiros parlatórios foram formados 71 efectivos do Serviço Penitenciário pelo Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Católica de Angola, em matéria das tecnologias de informação, direitos humanos, ética e segurança, com vista a garantir o normal funcionamento dos mesmos.

Em Junho, a ministra da Justiça de Portugal, a angolana Francisca Van Dunem, afirmou que 42 dos 49 estabelecimentos prisionais do país já estavam preparados para retomar as visitas aos reclusos, em “condições de segurança sanitária”, o que implicou “um trabalho enorme de adaptação dos espaços”.

Francisca Van Dunem falava aos jornalistas no final de uma visita ao Estabelecimento Prisional (EP), da Carregueira, em Sintra, numa iniciativa que pretendeu assinalar a retoma das visitas nos EP e nos centros educativos.

Na Carregueira a Ministra visitou os parlatórios que tiveram que ser recriados com materiais que, além da segurança sanitária, asseguram um “melhor contacto visual e auditivo” entre reclusos e familiares e amigos.

Francisca Van Dunem referiu também que o processo de retoma das visitas aos reclusos foi iniciado na perspectiva de que haveria uma melhoria da situação quanto à pandemia de Covid e que também foi sopesada a “dimensão humana” e a importância que as visitas têm para os reclusos, os quais “estavam há bastante tempo” sem verem os familiares e amigos.

A Ministra disse também que “se em algum momento se chegar à conclusão de que há um aumento do risco em função das visitas aos reclusos”, a situação “será reponderada”.

Francisca Van Dunem afirmou ainda que o sistema prisional de reinserção “está de parabéns” uma vez que não tinham,na altura, um único caso de Covid-19. Esclareceu ainda que os 21 casos detectados eram de funcionários civis, guardas prisionais e também reclusos que contraíram a doença no exterior mas que foram diagnosticados no regresso ao EP, ficando de quarentena.

O Parlatório era, no tempo da ditadura portuguesa, o espaço da Prisão política onde os presos recebiam as visitas dos familiares e amigos. A visita decorria sob enorme tensão e podia ser interrompida sob qualquer pretexto dos guardas.

A vigilância sobre presos e familiares era não só rigorosa, como intimidatória, pois a configuração do espaço impedia qualquer contacto físico entre os presos e os familiares. Presos e visitas eram obrigados a falar muito alto para que todas as conversas fossem perceptíveis pelos guardas. Atrás de cada preso havia um guarda sempre pronto a intrometer-se nas conversas.

Quando um guarda interrompia a visita, significava que o preso seria castigado. A punição podia ser suspensão das visitas, a proibição de recreio ou o envio para o “Segredo”, a temível cela de castigo no Fortim Redondo.

Em declarações a DW África, Wilson de Almeida, director do Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Católica de Angola (UCAN), explicou no passado dia 22 de Novembro que o projecto “Um sorriso, um abraço virtual – parlatório virtual”, visa assegurar a criação de salas de vídeo-conferência nos estabelecimentos prisionais.

Além disso, vai “facilitar o contacto dos reclusos com os seus familiares no contexto em que medidas adoptadas nos decretos de Estado de emergência e calamidade restringem o contacto entre os reclusos com pessoas de fora, inclusive seus familiares e advogados”.

Com a criação das salas multimédia nos estabelecimentos prisionais, os familiares e advogados poderão solicitar o agendamento de uma visita virtual aos serviços penitenciários para que haja este contacto. O Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Católica de Angola espera por três resultados nesta primeira fase.

O primeiro é assegurar o direito fundamental para contacto dos reclusos com familiares e outras pessoas. Em segundo lugar, disse, “pretendemos dar um passo na integração digital do sistema penitenciário, e assegurar o uso das novas tecnologias”.

O terceiro passo é que os advogados e procuradores, por exemplo, não precisem se deslocar até o estabelecimento penitenciário para falar com os reclusos.

Outro aspecto é que estas salas também servirão para consultas jurídicas e participação nos processos judiciais, conclui Wilson de Almeida.

Em tempos de pandemia, muitas organizações cívicas queixam-se de violação de direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, dentro e fora das cadeias.

Wilson de Almeida diz que, no campo dos direitos económicos, sociais e culturais a situação é “quase critica”, devido ao que chama de “aumento substancial da pobreza”.

O também professor universitário acrescenta que no capítulo dos direitos políticos, registava-se grandes melhorias, “sobretudo, na participação dos cidadãos em actos públicos e liberdade de imprensa”.

No entanto, “temos estado a constatar alguma regressão, sobretudo em aspectos na relação entre os cidadãos e os agentes da autoridade – especialmente quando se trata de assegurar o direito à manifestação”, explicou.

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