Angola continua a ignorar o apelo de cessar-fogo da Organização das Nações Unidas (ONU); há registo de confrontos entre a FLEC-FAC e as Forças Armadas Angolanas (FAA) e que estas já retomaram as habituais incursões armadas nos territórios da República do Congo Brazzaville (RCB) e República Democrática do Congo (RDC) no encalço dos guerrilheiros de Cabinda. A situação preocupa os países da região, em especial a RDC.
Por José Marcos Mavungo (*)
Desde o anúncio da lista de 16 organizações armadas de pendor libertário/nacionalista de várias partes do mundo, apresentadas num comunicado oficial da ONU como tendo aderido a um apelo do Secretário-Geral das Nações Unidas (SGNU), António Guterres, no sentido de um cessar-fogo tendente a favorecer os esforços para debelar a pandemia do Covid-19, não se passa um dia sem que não se registem confrontos armados entre a FLEC-FAC e as FAA.
Já se murmura em meios oficiais, dentro e fora do Palácio Presidencial, que os confrontos se têm revelado trabalhosos para as tropas do governo de Angola. No entendimento do regime, a culpa é dos dois Congos que têm prestado apoios discretos à resistência armada cabindense e albergado refugiados civis de Cabinda, considerados base de refúgio para guerrilha.
Em todo o caso, porém, as ações subversivas da FLEC-FAC têm sido facilitadas, sobretudo, por uma forte base de apoio/recrutamento junto das populações exacerbadas na sua identidade cultural pelo sentimento nacionalista e desiludidas com a governação destes últimos 45 anos, tendo por corolário deficientes condições de vida num território com enormes recursos. Também, a natureza do território de Cabinda (vegetação muito densa da mata do Maiombe) tem tido um impacto determinante nas acções de guerrilha.
Assim, enquanto se vão registando escaramuças aqui e acolá em Cabinda, militares de forças especiais de defesa e segurança angolanos têm sido destacados em territórios dos dois países da região – RDC e RCB – em perseguição dos independentistas cabindenses da FLEC-FAC.
Desde o início do mês de Junho, na localidade de Kimongo, no Congo Brazzaville, os moradores queixam-se constantemente das incursões do exército angolano, cujos elementos devastam tudo à medida que passam, tendo inclusive erguido a bandeira angolana em solo congolês durante algum tempo de ocupação da localidade. Consta que, em princípios de Junho, uma coluna das Forças Armadas Congolesas (FAC) tentando combatê-los foi capturada e feita prisioneira.
No domingo, 7 de Junho, às 17 horas, as FAA e a Polícia Angolana (PN) levaram a cabo uma outra incursão na aldeia de Koulombo, no Distrito de Tchiamba-Nzassi na República do Congo Brazaville, junto à fronteira com Cabinda. Durante a operação, mataram a tiro o chefe da aldeia, Daniel Makosso, e seu secretário.
E, recentemente, o Vice-Primeiro-Ministro, Ministro do Interior, Segurança e de Questões Costumeiras, Gilbert Kankonde Malamba, anunciou a “incursão de tropas angolanas em território congolês, via Lukula, no encalço de independentistas cabindenses da FLEC. O anúncio foi feito na sexta-feira, 19 de Junho, na 36ª reunião do Conselho de Ministros do Governo da República Democrática do Congo.
Segundo aquele governante congolês, “recomenda-se que esta violação seja reportada aos órgãos sub-regionais, sem prejuízo das discussões com Angola sobre este assunto”. E, por sua vez, o Ministro congolês da Defesa, Aimé Ngoy Mukena garantiu que o sistema de segurança foi reforçado no Kongo-Central após as incursões do Exército angolano no encalço dos elementos independentistas da FLEC.
As autoridades da RDC já não conservam em relação a Angola a mesma atitude venerabunda do passado; Angola perdeu parte da relevância que tinha no plano regional e africano, devido à crise, e por via disso a sua capacidade de influência.
O dossiê de Cabinda apresenta-se mais uma vez como um barril de pólvora regional. Os países da região – RD Congo e República do Congo Brazzaville – tendem a desobrigar-se progressivamente de compromissos com Angola no âmbito do Acordo-Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação regional, pelo qual as FAA têm vindo a utilizar os seus territórios em ações de perseguição ou aniquilamento de insurgentes da FLEC-FAC.
A comunicação do Professor Philipe Biyoya Makatu, na Conferência da Sociedade Civil da Bacia do Congo, organizada em Julho de 2007, em Kinshasa, está a tocar de maneira «fascinante» a opinião pública dos países da Bacia do Congo, quando afirma: «Enquanto não for encontrada a solução para a delicada “Questão de Cabinda”, não haverá estabilidade dentro das nossas fronteiras nem funcionamento normal das instituições democráticas dos estados da região».
A situação cria embaraços no regime. Embaraço, sobretudo pelo alargamento à FLEC da iniciativa de cessar-fogo do Secretário-Geral da ONU, o que para o regime equivale a uma espécie de reconhecimento formal da FLEC-FAC como sujeito de direito internacional. Segundo a África Monitor (AM1253), o incómodo a que tal entendimento deu azo é agravado pelo facto de a ONU e a antiga OUA haver, no passado, considerado Cabinda um território autónomo de Angola, com identidade política e jurídica próprias”.
Assim, a necessidade de se impor neste novo cenário, tendo em conta a posição geoestratégica de Cabinda em Angola, levou o Presidente da República de Angola a mobilizar o seu dispositivo militar e militarizado (este, as Tropas Guarda Fronteiras, TGF) avaliado em cerca de 8.000 homens, quase na sua totalidade constituído por efectivos oriundos de outras partes do país (ovimbundo em especial) estacionado em Cabinda.
Para João Lourenço, esta mobilização, que se enquadra nas acções punitivas com a guerrilha independentista cabindense, FLEC, constitui a fórmula por excelência de manter os líderes dos países regionais reféns da sua ideologia e política sobre Cabinda e, por conseguinte, asfixiar a resistência armada cabindense.
Porém, a intensificação de incursões militares nos dois congos, as imposições do regime de Luanda aos governos dos países da região e a acumulação de dúvidas sobre a sua boa vontade na resolução pacífica do conflito estão a provocar “efeitos contraproducentes” na opinião pública e académica da região, tendo em conta os contornos da Questão de Cabinda e as debilidades e inconsistências da estratégia angolana na gestão destes contornos.
Observe-se, a estratégia habitual de gestão do dossiê de Cabinda nestes últimos 45 anos consiste em: dividir e enfraquecer a FLEC-FAC, por via de “cover actions” de aliciamento ou de coacção dos seus dirigentes e comandantes”, ao mesmo tempo que menospreza a sua representatividade, enquanto tal e no plano da sua ação armada; levar a Comunidade Internacional a ignorá-la; e, no caso dos países vizinhos, apostar em estratégias político-militares de desestabilização, em vista a persuadi-los a não permitir a existência de bases de refúgio para os guerrilheiros independentistas, bem como a não dar guarida a refugiados civis de Cabinda.
Agora, João Lourenço – continuando a ignorar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Povos e a incarnar um terrorismo de Estado – na Bacia do Congo, e, em particular, no território que lhe foi graciosamente outorgado por uma descolonização desastrosa, deixa os seus e cospe no farto prato que o mantém vivo, destruindo e enlameando o chão pátrio que os antepassados dos povos da região cimentaram, regando-o até com o seu próprio sangue.
Hoje, o chefe de Estado angolano está a ordenar mais incursões das suas forças especiais de defesa e segurança em territórios de países irmãos, para impor a «pax romana» na região.
Com esta mais uma leva de incursões armadas nos dois congos sob as ordens de João Lourenço, outras de certeza se seguirão, se não houver reação enérgica para conter a máquina de guerra angolana. E estas, talvez de modo a criar mais indevidos prejuízos ao funcionamento normal das instituições democráticas dos dois congos; pois que João Lourenço continua com a política externa agressiva e a forma como o seu predecessor lidava com países como a RCB e a RDC (1997-1998), onde exerceu violência sobre o funcionamento normal das instituições democráticas, e colocou ao poder governantes dóceis/submissos.
Será que João Lourenço pode impor a «pax romana» na região? Talvez possa, mas não devia…
Só o impacto das incursões armadas angolanas nos países vizinhos nestes últimos 45 anos devia fazer mudar de ideias o sr. João Lourenço, tendo em conta o prosseguimento do conflito em Cabinda e o incremento da pobreza em Angola depois de anos de dispêndio de enormes recursos.
João Lourenço mergulha, portanto, no dilema dos seus predecessores (António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos), fruto do belicismo cultural em contexto de capitalismo selvagem, onde quem mais sofre são os mais desfavorecidos.
Pelo que está no interesse da Comunidade Internacional, sobretudo para a garantia da paz e funcionamento normal das instituições democráticas dos países da região, que o problema de Cabinda tenha uma solução justa, sob pena de os países da Bacia do Congo se tornarem um novo “cemitério”.
Será agora o momento em que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pelos canais próprios, deve ter contactos com os países da Bacia do Congo para elaborar uma forma de conferir a paz na região, olhando para Cabinda, a RDC e a RCB com os mesmos olhos que olha para o conflito israelo-palestiniano.
A paz duradoira para Cabinda, os direitos humanos e o desenvolvimento dos países da Bacia do Congo devem ser uma prioridade.
É altura de agir com eficácia e de forma enérgica relativamente a esta situação, antes que se verifiquem um total descontrolo regional, pelo qual as principais vítimas seriam as populações indefesas.
(*) Activista dos direitos humanos
Angola sabe lá respeitar alguma coisa! Não sabe porque não entende. Cabeças de Vento Inuteis!