Nem o Diabo, nem Maquiavel, lhe chegam aos calcanhares

O MPLA demarcou-se hoje da colocação de cartazes nas ruas de Luanda com fotografias do actual e do ex-líder do partido (Agostinho Neto), na qual é omitida a imagem de José Eduardo dos Santos. Demarcou-se? Até como anedota é de mau gosto. Como se alguém acreditasse que o MPLA não soubesse tudo o que se passa no seu reino, como se alguém se atrevesse  a fazer “isto” sem autorização do… patrão.

A posição é expressa no comunicado final da 3.ª reunião do Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), realizada hoje em Luanda, sob orientação do líder do partido, João Lourenço.

O documento refere que o Bureau Político tomou conhecimento que, no âmbito da comemoração dos 45 anos da independência nacional foram afixadas nas vias públicas de alguns bairros de Luanda pósteres contendo fotografias dos chefes de Estado de Angola, em que se omite a imagem do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

“Neste contexto, o Bureau Político demarca-se de tais iniciativas por contrariarem os princípios políticos e democráticos vigentes no MPLA”, lê-se no comunicado.

O Bureau Político do partido no poder “relembra que o engenheiro José Eduardo dos Santos, Presidente Emérito do MPLA, ocupa um lugar privilegiado na história de Angola e do MPLA”.

“O Bureau Político do MPLA condena veementemente todas as iniciativas que tendem a dividir os militantes, simpatizantes e amigos do partido”, termina a nota.

Quando tomou posse, João Lourenço disse sobre o seu mentor: “Pretendo endereçar uma saudação especial ao Presidente José Eduardo dos Santos, que cessa hoje a função de Presidente da República. Esta saudação ficaria incompleta se não mencionasse o longo e vitorioso caminho trilhado por Angola ao longo dos últimos 38 anos. O povo angolano agradece a dedicação e o empenho do Presidente José Eduardo dos Santos.”

Tempos depois disse dele o que não lembraria ao Diabo, mostrando assim que tanto o Diabo como Maquiavel são ao pé de João Lourenço meros e simplórios aprendizes de feiticeiro.

Recorde-se que no dia 4 de Abril de 2018, o Bureau Político do MPLA, partido no poder desde 1975, enalteceu a importância de José Eduardo dos Santos no alcance da paz em Angola.

“Honra seja dada ao arquitecto da paz, camarada José Eduardo dos Santos, presidente do MPLA, que, nos momentos mais adversos da história recente de Angola, soube manter a serenidade, impondo a vitória do bem sobre o mal e, desta forma, propiciar, com o seu alto sentido patriótico e aglutinador, uma genuína reconciliação entre irmãos, outrora desavindos”, lê-se na mensagem do partido, a propósito da comemoração do 4 de Abril.

No dia 12 de Junho de 2018, o secretariado do Bureau Político do MPLA apreciou a proposta de homenagem a José Eduardo dos Santos, um “merecido reconhecimento” pelos seus feitos.

A informação consta do comunicado final da 10.ª reunião ordinária do secretariado do Bureau político do MPLA, orientada pelo então ainda vice-presidente do partido e Presidente da República, João Lourenço, que serviu para analisar vários assuntos ao país e a vida interna da formação política que, para além de estar no Poder desde 1975 e lá querer ficar até 2075.

A homenagem a José Eduardo dos Santos tinha ainda, segundo o MPLA, como propósito reconhecer “a forma abnegada e patriótica como dirigiu o país e o partido, destacando-se o facto de ter praticado, com dignidade e distinção, feitos humanitários, de solidariedade e concórdia memoráveis, na busca da paz definitiva, que culminou com a reconciliação entre os angolanos”.

O Presidente da República, também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, desafiou, numa entrevista ao jornal português Expresso, o seu ex-patrono e mentor, José Eduardo dos Santos, a denunciar os corruptos. Para João Lourenço, são esses os traidores da pátria.

É claro que João Lourenço é, também no contexto angolano mas sobretudo do MPLA, uma figura impoluta, íntegra e honorável que nada tem a ver com traidores ou corruptos. Desde logo porque é um general e um político que chegou a Angola há meia dúzia de dias.

Daí para cá a história deste impoluto, íntegro e honorável general é bem mais conhecida. Importa, contudo, reter a comprovação factual de que João Lourenço nunca ouvira falar de corrupção, mesmo sendo ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos desde 2014 e vice-presidente do MPLA.

Está, por isso, acima de qualquer suspeita. Na verdade, como é que alguém que aos 20 anos de idade (1974) entrou para o MPLA e fez toda a sua vida nas fileiras do partido poderia ter notado, constatado, verificado ou comprovado que existia corrupção no seio do MPLA e do Governo? Não podia…

João Lourenço diz esperar que a impunidade “tenha os dias contados” em Angola. Insiste na “moralização” da sociedade angolana. Estará a ser ingénuo, imprudente, suicida, estratega ou traidor? Se calhar, fazendo a simbiose de tudo isto, está apenas a gozar com a nossa chipala e fazer de todos nós… matumbos.

O Presidente diz ser necessária a “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público” para garantir que a impunidade “tenha os dias contados”.

É verdade. Mas é verdade há muitos anos e a responsabilidade é do MPLA, partido no qual João Lourenço “nasceu”, cresceu, foi e é dirigente. Então, durante todos esses anos (45), o que fez João Lourenço para combater as práticas que “lesam o interesse público”?

“No quadro da necessidade de moralização da nossa sociedade, importa que levemos a cabo um combate sério contra certas práticas, levadas a cabo quer por gestores quer por funcionários públicos. Práticas que, em princípio, lesam o interesse público, o interesse do Estado, o interesse dos cidadãos que recorrem aos serviços públicos”, disse João Lourenço.

Sendo uma verdade de La Palice, como tantas outras que constituem o ADN do partido do qual é presidente, é caso para perguntar se só agora é que João Lourenço descobriu a pólvora?

Ou será que só agora é que João Lourenço descobriu que Angola é um dos países mais corruptos do mundo? Que é um dos líderes mundiais da mortalidade infantil? Que tem 20 milhões de pobres?

“Esperamos que a tão falada impunidade nos serviços públicos tenha os dias contados. Não é num dia, naturalmente, que vamos pôr fim a essa mesma impunidade, mas contem com a ajuda de todos e acreditamos que, paulatinamente, vamos, passo a passo, caminhar para a redução e posteriormente a eliminação da chamada impunidade”, diz João Lourenço.

Desde que tomou posse, a 26 de Setembro de 2017, na sequência das “eleições” de 23 de Agosto, João Lourenço exonerou diversas administrações de empresas estatais, dos sectores de diamantes, minerais, petróleos, comunicação social, banca comercial pública e Banco Nacional de Angola, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.

Quando João Lourenço, garantiu em Luanda que o MPLA iria lutar contra a corrupção, má gestão do erário público e o tráfico de influências… poucos acreditaram. Hoje há mais gente a acreditar? Há, é verdade. Mas as dúvidas continuam a ser mais do que as certezas.

João Lourenço discursava – recorde-se – no acto de apresentação pública do Programa de Governo 2017-2022 do MPLA e do seu Manifesto Eleitoral, mostrando a convicção de que – mais uma vez – os angolanos iriam votar com a barriga (vazia) e que havendo 20 milhões de pobres… a vitória seria certa. E foi. E continuará a ser.

“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, referiu João Lourenço, efusivamente aplaudido pelos militantes presentes formatados e pagos para aplaudir seja o que for que o soba João Lourenço diga, tal como acontecia com Eduardo dos Santos.

Ainda de acordo com João Lourenço o MPLA iria “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.

“Vamos contar com aqueles que estão verdadeiramente dispostos a melhorar o que está bem e a corrigir o que está mal”, disse João Lourenço.

João Lourenço admite que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de 45 anos de poder, 18 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 55 anos no poder.

“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço.

Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.

Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importância fundamental nos processos de transformação política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvimento”.

Sobre a consolidação da democracia angolana, destacou a realização de eleições autárquicas (um dia), a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentralização administrativa”.

“Com a instauração das autarquias, a administração estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidades e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora?

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