Não será preciso votar.
O MPLA votará por nós!

O MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, disse hoje que “não tem medo” das eleições autárquicas, previstas para 2020, afirmando ser “o mais interessado”, enquanto a UNITA admite vontade política para as autarquias, defendendo “respeito de opiniões contrárias”. Claro que não tem medo. Nesta altura talvez até já pudesse divulgar os resultados eleitorais…

“Nas eleições de 2017, dos 164 municípios do país o MPLA ganhou 156, isto é para ter medo? O MPLA é um partido de consenso, é uma máquina que trabalha, prepara muito bem, não tem medo”, afirmou hoje o presidente do grupo parlamentar do MPLA, Américo Cuononoca.

Ora aí está. E nos 164 municípios só não ganhou 180 porque não quis. 180 se só existiam 164? Perguntarão os nossos leitores. Pois é. Mas se o MPLA já nos habituou a ter em determinados círculos eleitorais mais votos do que eleitores inscritos, se consegue até que os mortos votem no MPLA, nada é impossível para quem é patrão, entre outros organismos, da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).

Segundo o líder parlamentar do partido dirigido pelo “querido líder” João Lourenço, “é uma falsa expectativa” pensar-se que o seu partido tenha medo das eleições autárquicas porque “quem está mais interessado para que estas eleições se realizem é o MPLA”. Mentira, é claro. Por alguma razão o MPLA tem adiado sucessivamente essas eleições.

“Não há outro partido mais interessado em realizar eleições autárquicas que são uma promessa eleitoral. Prometemos realizar eleições autárquicas neste mandato, de tal sorte que o MPLA ter medo? Pelo contrário”, notou.

Pois é. E promessas são coisas que não faltam ao MPLA. Já em 1975 Agostinho Neto prometeu resolver os problemas do Povo e o resultado (20 milhões de pobres, por exemplo) está à vista. Aliás, o querido presidente de Américo Cuononoca conseguiu – reconheça-se – resolver o problema dos milhares e milhares (cerca de 80 mil) de angolanos que mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977.

Américo Cuononoca, que falava em Luanda, no final da conferência dos líderes parlamentares que agendou para 23 de Janeiro a primeira reunião plenária ordinária de 2020, realçou que “ainda há muito tempo para se trabalhar no processo autárquico”.

As leis orgânicas sobre as Eleições Autárquicas e a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais e a Lei da Tutela Administrativa das Autarquias Locais são, até agora, os três diplomas já aprovados pelo parlamento angolano dos 10 que compõem o pacote legislativo autárquico.

As eleições autárquicas estão previstas (atente-se: previstas) para 2020 e, nas discussões, o Governo defende gradualismo no processo, enquanto a oposição quer autarquias em simultâneo nos 164 municípios angolanos, como é normal apenas nos países que são aquilo que Angola não é – um Estado de Direito.

Para o presidente do grupo parlamentar da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite que exista, Liberty Chiyaka, as autarquias “são um compromisso do Estado que deverá ser assumido”, referindo que “existe tempo e vontade política para as pessoas consertarem”.

“Independentemente dos interesses de grupos e partidários há um interesse nacional a salvaguardar, a defesa da democracia e realização da dignidade da pessoa. Acho que há sim esta abertura, o ambiente de trabalho e pelo que senti hoje há sim esta vontade”, disse.

Por seu lado, o líder parlamentar da CASA-CE, Alexandre Sebastião André, manifestou crença que as eleições autárquicas decorram em 2020, porque o país “precisa de uma democracia real e não apenas nominal”.

Já o presidente e deputado do PRS, Benedito Daniel, disse que o seu partido já trabalha com vista às primeiras eleições autárquicas do país por ser “um ponto assente” que elas se realizam no decurso de 2020. “Em nenhum momento as eleições autárquicas foram anuladas”, atirou.

Por uma questão de verdade e… memória

Ainda como Presidente da UNITA, Isaías Samakuva colocou o dedo na ferida ao afirmar que “nos círculos do poder, a euforia à volta das autarquias abrandou de tal forma que os angolanos começaram a duvidar da vontade política do Estado de implementar as autarquias em 2020”.

O processo de preparação para a prometida concretização de autarquias locais em Angola está em curso e poderá estar concluído até 2021, anunciava em 15 de Novembro de 2016, em Luanda, o então vice-Presidente de Angola.

Manuel Vicente discursava na abertura do IV Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, uma organização do Ministério da Administração do Território, subordinado ao tema “Finanças Locais como Instrumento de Desenvolvimento Económico”.

Angola ainda não realizou as primeiras eleições autárquicas no país, perante as críticas da oposição, face à demora e ausência datas concretas. É claro que, também nesta matéria, a Oposição em “lato sensu” julga que Angola é aquilo que não é: um Estado de Direito Democrático.

Sobre o assunto, Manuel Vicente afirmou então que o executivo aprovou o Plano Nacional Estratégico da Administração do Território (PLANEAT), que previa o apoio à implementação das autarquias locais no país, através da criação de instrumentos técnicos de apoio, que incluem meios técnicos, humanos e financeiros e a institucionalização das autarquias locais.

Segundo Manuel Vicente, esse programa previa ainda o enquadramento das autoridades tradicionais no quadro da governação local.

“Deste modo, penso que o financiamento do poder local é uma pedra angular para o verdadeiro poder local autónomo do Estado ou do Governo central”, disse Manuel Vicente, sublinhando que o futuro do desenvolvimento de Angola passava também por aquilo que for feito em matéria local, nos domínios económico, social e cultural.

“Na realidade, a descentralização e desconcentração administrativas deverão constituir o elemento fundamental da nossa acção política e administrativa, a fim de conseguirmos atingir os patamares do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional”, afirmou.

O então vice-Presidente angolano sublinhou que desde a independência a administração centralizada e hierarquizada tem vindo paulatinamente a ser alterada para “uma administração descentralizada e heterogenia”.

Paulatinamente, disse muito bem Manuel Vicente. E a esta velocidade paulatina, é provável que daqui a mais uns 30 anos o regime consiga dar aos angolanos o que era esperado ter dado há dezenas de anos. Só por curiosidade recorde-se que, em Setembro de 2016, Cabo Verde realizou as sétimas eleições autárquicas desde 1991.

“Este processo exige que sejam adoptadas medidas de transparência e harmonização de competências, poderes, responsabilidades e recursos do Governo central para as entidades locais, que representam os interesses específicos das populações”, frisou Manuel Vicente como se tivesse descoberto a pólvora.

Acrescentou que o processo de descentralização constitui um aprofundamento da democracia, permitindo que determinadas necessidades colectivas sejam resolvidas de forma mais próxima das populações.

Manuel Vicente admitiu que era necessário os municípios serem dotados “de vida, na verdadeira acepção da palavra”, para a solução dos seus problemas e satisfação das necessidades das populações.

“Nesse sentido, temos de alocar recursos adequados e proporcionais aos mesmos, para que os órgãos locais desempenhem com propriedade as suas competências”, disse Manuel Vicente.

Promessas para matumbos

Retrocedamos a Junho de 2015. A realização das primeiras eleições autárquicas em Angola vai ser antecedida, já este ano (2015), pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial. Esta informação constava da resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as eleições gerais, em 2017, e as primeiras autárquicas.

No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias às autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”.

No segundo semestre de 2015 seria realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”, lê-se na referida resolução, aprovada – recorde-se – no Parlamento por unanimidade e publicada a 17 de Junho de 2015.

Neste último processo seriam definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.

Igualmente nesse segundo semestre (2015), o Governo deveria avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.

A última das tarefas definida nessa resolução previa a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluiu pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.

Autárquicas quando o MPLA quiser

A 15 de Outubro de 2014, no seu habitual discurso anual sobre o estado da nação, o então Presidente de Angola excluiu a realização das primeiras eleições autárquicas no país antes de 2017, advertindo que “é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”.

“Penso que devemos trabalhar de forma mais unida e coerente para a concretização deste grande desejo dos angolanos, ao invés de transformarmos este assunto em tema de controvérsia e de retórica político-partidária”, apontou José Eduardo dos Santos.

Nessa intervenção, o chefe de Estado alertou que “são várias as questões” que os órgãos de soberania “têm que tratar até que sejam reunidas as condições necessárias para a criação das autarquias”.

“Penso que todos queremos dar passos firmes em frente para aprofundarmos o nosso processo democrático, mas é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”, afirmou, desafiando a Assembleia Nacional a clarificar um calendário para “depois passar à acção”.

Já em 2014 a Oposição insistia que havia condições para que as eleições autárquicas fossem realizadas antes de 2017 e rejeitava os argumentos do presidente José Eduardo dos Santos que disse que provavelmente só em 2017 haveria condições para tal.

A UNITA, por exemplo, pensava que se houvesse vontade por parte do Presidente da República as autarquias poderiam ser uma realidade em 2015.

Com efeito, o então líder da bancada parlamentar do partido do Galo Negro, Raúl Danda, considerava que as razões avançadas por Eduardo dos Santos, como obstáculos, para a implementação das autarquias no país não faziam qualquer sentido.

“Como é que há dinheiro para se dar ao Banco Espírito Santo de Angola, 5.7 bilhões de dólares, do erário publico para generais que envergonham o país ao irem gastar lá fora, compram casas lá fora, onde encontram milhões de euros dentro de casa, milhões de euros e dólares para irem jogar batota lá fora, para se praticar tráfico de seres humanos e prostituição internacional e não há dinheiro para se realizar as autarquias? Só pode ser brincadeira”, disse.

Num dos seus discursos na Assembleia Nacional, o presidente Eduardo dos Santos indicou que mesmo em 2017 poderia ainda não haver condições para as eleições autárquicas.

Raúl Danda dizia ser difícil acreditar nas palavras do presidente angolano: “O presidente José Eduardo dos Santos num momento diz uma coisa, noutro momento depois de ter dormido acordou e pensou bem e diz outra coisa. Isso é sinal que daqui a dois meses pode chegar à conclusão que este país não precisa de autarquias”.

“Com vontade política em 2015 nós podemos ter eleições autárquicas, porque não?”, concluía o então chefe da bancada parlamentar da UNITA.

Folha 8 com Lusa

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