Na sanita do esquecimento

No Bairro Povoado, formado por aqueles que foram expulsos da Praia da Areia Branca, por superiores instruções e interesses do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e sua excelsa filha, empreendedora e engenheira de referência a nível mundial, vi um comentário de um digno cidadão angolano, expresso numa reportagem televisiva da SIC, a viver em condições humilhantes e indignas, referindo que os habitantes de tal bairro estavam na “Sanita do Esquecimento”.

Por Carlos Pinho

Pois é, digno cidadão angolano, que vives em situação indigna e que foste indignamente tratado pelas empresas da mui indigna engenheira, filha do não menos indigno engenheiro e ex-presidente, estes sim a viver em condições demasiado dignas para o seu merecimento.

É que tu, digno cidadão angolano, fazes parte da ralé de pretos descalços que pululam na anteriormente bela cidade de Luanda e conspurcas a paisagem que os indignos, pretos calçados, que te governam a ti e aos teus compatriotas, têm à sua disposição, lá do alto dos seus palacetes. Esses indignos, que vivem em condições que nem tu nem os teus dignos parceiros do Bairro Povoado sequer imaginam que existam, receberam o poder de outros indignos, estes brancos de moral duvidosa e membros rapaces.

Gente branca esta, provinda da grande meretriz, a Lavandaria Lusitana, que não tem pejo nem vergonha de ter virado as costas, quer aos seus irmãos de cor, quer a todo o arco-íris de angolanos, igualmente irmãos de raça, a que se diz sábia duplamente (sapiens, sapiens), e que fazendo funcionar a sociedade civil à data de Abril de 1974, foram todos eles, descartados para a sanita dos imprestáveis.

Bem-vindo, por isso, caro digno angolano miserável, preto descalço, bem-vindo à categoria dos descartáveis, da categoria de lixo humano que empesta os horizontes dos governantes, generais, banqueiros, engenheiros, e restantes filhos de uma cadela, todos cidadãos acima de quaisquer suspeitas, empreendedores, facilitadores esclarecidos, até o dia em que um intitulado pirata informático mostrou que o rei ia nu e que não passava de um reles ladrão. Ladrão, assim como os seus compinchas de aquém e além-mar.

Foram mais de quatro décadas de roubalheira e pilhagem descontrolada. Todo o mundo sabia, mas ninguém queria saber. Era só assobiar para o lado. Na Lavandaria Lusitana, falava-se de razões de estado, ou de irritantes. Simples eufemismos para a pouca vergonha e desonestidade política da geração que presidiu aos destinos, públicos e privados, de Portugal nas últimas quatro décadas.

Em Angola, terra de pilhagem institucionalizada, igualmente se assobiava para o lado e se cantavam hossanas aos líderes. O partido reinante identifica-se com o povo pois que o povo e o partido são uma e mesma entidade. Mas então, caro digno cidadão angolano, que vives em condições indignas, no Bairro Povoado e que foste expulso, junto com os teus vizinhos de bairro, da Areia Branca? Onde entras tu nesta dicotomia MPLA-povo? Ou será que a dicotomia é só para pretos calçados e brancos convenientes?

Pois meu caro, não tenhas ilusões, nem tu nem os restantes dignos cidadãos do Bairro Povoado. E as crianças, que mal fizeram elas para semelhante desdita? É lógico, a reportagem da SIC é bem evidente, estão todas descalças e como tal, condenadas à miséria perene. Que arranjem, sapatos, talvez assim possam chegar longe.

Mas o Bairro Povoado é apenas um exemplo, Luanda está cheia de Bairros Povoado, assim como os bancos angolanos em Portugal estão cheios de esquemas e milhões. E vão continuar assim, os Bairros Povoado de Luanda e os bancos angolanos em Portugal.

E a indignidade dos governantes dos dois países também irá manter rota segura. Não queremos irritantes que perturbem o nosso sono.

Ainda não percebi porque raio deixaram a SIC passar aquela gaita de reportagem. A gente precisa lá de ver aquilo. Só nos estraga o sono, caramba. Há mesmo gente que não tem jeito. Devem se sócios de alguma farmacêutica especializada em soporíferos.

E quem está na sanita do esquecimento que se deixe lá ficar.

Estás feito digno cidadão angolano do Bairro Povoado em Luanda. Há gente na sanita do esquecimento há mais de quatro décadas. Bem-vindo ao clube.

O chato é que há vários graus de Sanita do Esquecimento e desconfio que aquele em que tu estás é o pior.

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