Na linha de fogo

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa comemora-se, isto é como quem diz, hoje, 3 de Maio. Em Angola não há Dia Mundial que nos valha. E não há porque aos jornalistas (pensamos, queremos ainda pensar, que são eles que fazem a informação) restam duas opções: serem domados ou serem… domados. Mas há sempre quem resista.

É claro que no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), vemos toda a espécie de altos dignitários do regime, quiçá até mesmo o Presidente João Lourenço, a dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.

Se calhar, com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola (um exclusivo do MPLA há 45 anos), até veremos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.

Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa.

E se até agora o principal barómetro da liberdade de Imprensa era, no Mundo, o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria.

E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.

Os jornalistas que o são de facto (o que exclui os assalariados dos órgãos sustentados pelo erário público) tentaram, tentam e continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino, José Eduardo dos Santos ontem, João Lourenço hoje, o MPLA desde sempre. E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete (mesmo que seja de luxo) do Poder.

Angola é o país africano de língua portuguesa com pior classificação no índice de liberdade de imprensa da Freedom House, para quem nos 50 países e territórios da África Subsariana apenas seis por cento dos seus cidadãos vivem em países considerados livres, tanto quanto à liberdade de expressão como de imprensa.

Mais de metade, 54 por cento, vive em países parcialmente livres e 40 por cento em Estados ou territórios não-livres. Os investigadores exemplificam que em cada 100 africanos ao sul do Sahara, apenas um desfruta da liberdade de imprensa.

Um mero exemplo

No dia 19 de Março de 2015 o então Ministro da Justiça de Angola, Rui Jorge Carneiro Mangueira, afirmou perante o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas que o seu Governo considerava a liberdade de expressão como um direito fundamental desde que não viole a reputação do cidadão.

Angola tinha sido confrontada perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a liberdade de expressão, de manifestação e restrições a activistas.

Angola “considera que a liberdade de expressão é um direito fundamental (…) desde que esta não viole o respeito à honra, ao bom nome, à reputação, à imagem e à vida privada do cidadão”, disse Rui Mangueira.

De acordo com o então ministro, esta restrição pretende proteger os cidadãos lesados e não deve ser interpretada como uma limitação da liberdade de expressão.

“A limitação prevista na lei visa somente proteger o interesse dos cidadãos ofendidos (…) daí que não se pode interpretar como intenção do Governo violar ou restringir o direito à liberdade de expressão”, argumentou.

Em declarações à imprensa, o governante indicou que a liberdade de expressão e o direito de manifestação e de reunião são cumpridos no âmbito da legislação.

O ministro disse ainda que o recurso ao sistema judicial acontece quando situações ultrapassam as leis. “O sistema judicial é chamado a tratar de todas estas questões sempre que elas ultrapassam as leis (…) sempre serão tratadas pelo sistema judicial, que é um sistema independente e credível”.

Segundo Rui Mangueira, sempre que alguém é detido, há uma instrução preparatória e uma instrução contraditória. Caso se apure a responsabilidade do autor da ofensa, o caso é levado a tribunal.

“A calúnia e a difamação estão tipificadas na lei e os magistrados judiciais devem apenas obediência à lei e nós sujeitamos todas estas questões ao impulso das partes lesadas”, disse o então ministro de Justiça angolano sem dar mais pormenores.

O governante reafirmou ainda o compromisso do Governo na cooperação com os mecanismos Internacionais dos direitos humanos e indicou que Angola estava a analisar a parceria sobre a Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (EITI) e daria a conhecer aos membros das Nações Unidas a sua posição logo que esteja concluída.

Mais um exemplo

Nesse mesmo dia, 19 de Março de 2015, a Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem (FIDH) denunciou que activistas dos direitos humanos e jornalistas angolanos estavam a sofrer uma pressão crescente por parte do regime do Presidente José Eduardo dos Santos, “pai” do actual Presidente e “filho” do nosso maior genocida (mas também herói nacional), Agostinho Neto.

Visivelmente a FIDH não percebe nada da matéria e ainda não compreendeu que, afinal, o regime angolano (seja o de Eduardo dos Santos ou de João Lourenço) é uma das democracias mais avançadas do mundo, rivalizando essencialmente com a Coreia do Norte.

Aliás, todos sabemos – e não é um exclusivo do regime angolano – um bom jornalista é um jornalista… morto.

E então os dos órgão do regime? Com esses é diferente. Desde logo porque não são jornalistas mas, apenas isso, sipaios e mercenários ao serviço de tudo aquilo que os dólares compram. Ontem diziam que os jacarés eram vegetarianos, hoje garantem que não temos jacarés.

“Esta situação deve cessar e as autoridades angolanas devem aceitar as vozes dissidentes” declarou a FIDH que, com a associação angolana Justiça, Paz e Democracia (AJPD), publicou um relatório que acusava o regime angolano de assédio judicial e administrativo, intimidações e ameaças.

Nesta matéria, todos os que se atrevem a mostrar que pensam de forma diferente da formatada pelos cânones da educação patriótica sabem que – como manda a lei suprema do MPLA (que se sobrepõe à Constituição) – todos são culpados até prova em contrário. E mesmo que exista prova em contrário… continuarão a ser culpados.

Nessa altura de forma mais visível do que agora (veja-se a glorificação medalhada de Rafael Marques), afirmou-se que o regime estava travar a liberdade de expressão.

Mais uma vez estas ingénuas organizações cometem um erro basilar. Não é possível travar o que não existe. E liberdade de expressão – in loco – é algo que não existe. O regime anterior bem procurou travestir a propaganda em liberdade de expressão, mas só convence os angolanos pela força da repressão, pela barriga vazia. O actual regime voltou a travestir a questão, contratando para o efeito estilistas mais criativos.

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