O antigo director do GRECIMA, Manuel Rebelais, começa a ser julgado pelo Tribunal Supremo a partir do dia 9 de Dezembro 2020, por crime de peculato e está também é acusado pelo crime de violação das normas de execução orçamental do GRECIMA entre os anos de 2016 e 2017. Além do ex-ministro da Comunicação Social, está igualmente arrolado no processo, como arguido, Hilário Santos, então assistente-administrativo do GRECIMA.
A Procuradoria-Geral da República de Angola (do MPLA) deduziu em Setembro de 2019 acusação contra o general Hilário Santos e o antigo ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais, pelos crimes de peculato, violação das normas orçamentais, recebimento indevido de vantagens e branqueamento de capitais.
No despacho de acusação recebido na Secretaria Judicial da Câmara Criminal do Tribunal Supremo em Luanda em 28 de Agosto de 2019 (e que antes “circulou” por outros areópagos para as devidas correcções), Manuel Rabelais admite ter realizado transferências para empresas e aquisição de divisas, mas alega que o fez no interesse do Estado angolano e sob orientação do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos.
Os crimes terão sido cometidos quando Manuel Rabelais era director do GRECIMA (Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração), um órgão criado em 2012, para auxiliar o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, na “coordenação e implementação das linhas político-estratégicas relativas à comunicação e marketing” do Governo (do qual fazia parte essa anónima e impoluta figura de dimensão internacional conhecida por João Lourenço, como ministro da Defesa), a nível externo e interno.
Segundo a PGR, Manuel Rabelais, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, partido no poder desde 1975 e que agora é presidido por João Lourenço (essa ex-anónima mas sempre impoluta figura de dimensão internacional), foi constituído arguido por haver – na versão oficial – indícios de factos que constituem “actos de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto director do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e marketing (GRECIMA)”, entre 2012 e 2017.
O despacho de acusação refere que Manuel Rabelais terá usado os seus poderes enquanto director do GRECIMA, para adquirir junto do Banco Nacional de Angola (BNA) divisas que eram posteriormente canalizadas para o BCI (Banco de Comércio e Indústria) para efectivar operações cambiais de compra e transferência de divisas, alegando “compromissos do Estado angolano”.
O co-arguido, Hilário Santos, que era assistente administrativo do GRECIMA, terá ajudado a concretizar as operações, segundo a acusação.
A acusação salienta que Manuel Rabelais, auxiliado por Hilário Santos, “transformou o GRECIMA em autêntica casa de câmbios, angariando empresas e pessoas singulares para depositarem kwanzas em troca de moeda estrangeira”, indicando quatro empresas que depositaram valores na conta do GRECIMA, bem como pessoas singulares, das quais apenas sete foram já identificadas. Foram também feitos depósitos nas contas do GRECIMA domiciliadas noutros bancos comerciais (BIC, BPC, BAI e SOL).
“De realçar que à medida que eram adquiridas as divisas no BNA e aprovisionadas nas contas do GRECIMA nos bancos comerciais, com os depósitos de empresas e pessoas singulares”, Manuel Rabelais ia ordenando a Hilário Santos que efectivasse “um plano de levantamento, compra e venda ou transferência das mesmas”, lê-se no documento.
O despacho refere igualmente que os arguidos transferiram para fora do país, através do banco BCI, um total superior a 16 milhões de euros para 11 empresas.
Manuel Rabelais era, segundo a acusação, beneficiário efectivo de três destas empresas (Radwan Limited, Bencland Holdings Limited e Zilfor Lda.), através das quais recebia os valores, que por sua vez movimentava “para outras contas pessoais e de seus parentes”, totalizando cerca de 2,8 milhões de euros.
Em sede de contraditório, o antigo governante alegou relativamente à transferência destes valores que o fez “no interesse e protecção do Estado angolano, pois não podia usar o nome do Estado em operações de natureza secreta e tudo foi feito por orientação e conhecimento do Presidente da República”.
Alegou ainda, quanto à aquisição de divisas, “ter sido um expediente utilizado pelo GRECIMA e outros órgãos do Estado (…)” para obter receitas que lhes permitissem satisfazer as suas despesas, também com conhecimento do Presidente da República.
Os arguidos fizeram também transferências da conta do GRECIMA no BPC, no valor de quase 13 milhões de kwanzas (32,5 mil euros) para um beneficiário desconhecido, enquanto no BIC consta uma transferência de mais 8 milhões de kwanzas (20,2 mil euros) a favor da Euronews. No total, são cerca de 21 milhões de kwanzas (53 mil euros), “despesas efectuadas sem qualquer documento de suporte”.
Além das transferências, os arguidos fizeram directamente, através da conta do GRECIMA, compra de divisas e levantamentos no valor superior a 16 mil milhões de kwanzas (40,3 milhões de euros).
O total dos movimentos bancários feitos na conta do GRECIMA, incluindo compra e transferência de divisas, bem como levantamento, totaliza mais de 19 mil milhões de kwanzas (47,9 milhões de euros).
O documento acrescenta que o GRECIMA “beneficiou de 4,5 mil milhões de kwanzas (11,2 milhões de euros), valores de que foram beneficiárias” as empresas Vitalopen, Achieve, Semba Comunicação, Goldex, Consulcom, JGK & Filhos, Oakloade Investments, bem como o Instituto Nacional de Segurança Social e o próprio GRECIMA, não havendo provas de que tenham prestado algum serviço ao Estado.
No requerimento de instrução contraditória (uma fase ainda investigatória do processo), a PGR pedia a audição de José Eduardo dos Santos para determinar “se terá autorizado o arguido Manuel Rabelais a realizar todas as operações bancárias a ele imputadas”.
O ex-Presidente da República poderá, contrariando os conselhos dos seus mais próximos conselheiros políticos e jurídicos, aceitar ser ouvido sobre o assunto. Curiosamente, tantos estes conselheiros que lhe são fiéis como os que estão agora do outro lado da barricada ao lado de João Lourenço, não querem que José Eduardo dos Santos diga o que pensa sobre este e, sobretudo, outros assuntos.
Uns porque entendem que José Eduardo dos Santos vai correr riscos desnecessários, outros porque temem que ele possa abrir o “dossier” 54 na página 348 onde, diz-se, começa o vastíssimo capítulo dedicado ao seu sucessor, João Manuel Gonçalves Lourenço…