FLEC decreta cessar-fogo

A Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) decretou “um cessar-fogo em todo o território” do enclave no norte de Angola, respondendo “positivamente” a um apelo do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, neste sentido.

A direcção política do movimento independentista de Cabinda anuncia num comunicado datado de hoje que “acolheu positivamente o apelo de um cessar-fogo mundial, lançado em 2 de Outubro de 2020 pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, a fim de permitir um combate eficaz contra um inimigo mundial comum, a pandemia da Covid-19”.

“Em resposta” ao apelo do secretário-geral da ONU, a FLEC-FAC anuncia que decreta, “pela segunda vez”, a “aplicação de um cessar-fogo em todo o território de Cabinda, reservando o direito da legítima defesa sempre que for alvo de ataques, ou a população de Cabinda, pelas Forças Armadas Angolanas (FAA)”.

O movimento diz ainda que espera “obter um reconhecimento público do secretário-geral da ONU do esforço e boa vontade sempre demonstrada pela FLEC-FAC” e “solicita” a António Guterres o reforço da sua mensagem junto da presidência e Governo angolanos, por forma a que as Forças Armadas Angolanas “cumpram efectivamente o cessar-fogo em Cabinda”.

O movimento diz-se disposto a cooperar com “todas as iniciativas sérias que criem os pilares para a paz em Cabinda” e, neste sentido, reforça junto do secretário-geral da ONU a sua “disponibilidade total para dialogar com a presidência e Governo angolanos na busca de uma resolução definitiva do conflito em Cabinda”.

“A direcção político militar da FLEC-FAC declara que o cessar-fogo tem efeito imediato em todo território de Cabinda, e ordena a todos os seus militares que mantenham uma posição apenas defensiva”, conclui o comunicado.

Depois de mais de quatro décadas de luta, foi reconhecida formalmente a existência da FLEC como grupo armado ou rebelde em Cabinda. Como resposta, Angola intensificou a pressão sobre a resistência armada. O reconhecimento do conflito está a animar debates sobre a dinâmica coerente para uma resolução pacífica do diferendo entre Cabinda e Luanda.

O reconhecimento foi tornado público, no dia 1 de Maio, pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres. De acordo com ABC News, 16 grupos armados responderam positivamente ao apelo do chefe da ONU por um cessar-fogo global para combater a pandemia de coronavírus.

Ao desenvolver o “lead” da notícia, aquela divisão de jornalismo da “American Broadcasting Company” destacou a localização dos grupos armados mencionados por António Guterres: Iémen, Mianmar, Ucrânia, Filipinas, Colômbia, Angola, Líbia, Senegal, Sudão, Síria , Indonésia e Nagorno-Karabakh. E o grupo armado ou rebelde em Angola vem identificado no documento tornado público pelo Secretário-Geral da ONU como Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC).

O reconhecimento do conflito em Cabinda surgiu na sequência do apelo de António Guterres a um “cessar-fogo global imediato” em todos os conflitos para preservar a vida de civis perante a “fúria” da pandemia da Covid-19. Enfatizando o seu apelo, António Guterres dira: “Baixem as armas, silenciem as armas, acabem com os ataques aéreos. Vamos pôr fim ao flagelo da guerra e lutar contra a doença que assola o mundo. Isso começa com o fim dos combates. Em toda a parte. Em todos os lugares. Imediatamente.”

O apelo foi lançado a 23 de Março e a 13 de Abril a FLEC respondeu de forma positiva ao apelo com um cessar-fogo.

Porém, a declaração de António Guterres sobre a existência do conflito em Cabinda é o que o Presidente de Angola João Lourenço nunca quis ouvir da ONU, estando habituado a tapar o sol com a peneira. Assim, sempre habituado a correr de um lado para o outro para convencer de que já não existe conflito em Cabinda, mobilizou o seu arsenal militar para desferir mais um golpe na resistência armada.

As diligências sobre o dossiê de Cabinda na ONU remontam aos anos 60, quando, a 6 de Outubro de 1960, do alto da Tribuna da Assembleia-Geral das Nações Unidas, Stéphane Tshitshele, Vice-Presidente e Ministro dos Negócios Estrangeiros do Congo-Brazzaville apresentou o problema de Cabinda à Comunidade Internacional.

O discurso de Stéphane Tshitsele na ONU censurava Portugal por integrar administrativamente Cabinda em Angola, contra a letra e o espírito dos tratados – o de Chinfuma, aos 29 de Setembro de 1883; o de Chicamba, aos 26 de Dezembro de 1884; e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885; tratados esses aceites na Conferência de Berlim, que elaborou a obra jurídica daquilo que é chamado “Carta Colonial”, quadro jurídico de referência no processo de descolonização, no qual Angola e Cabinda são tomados como duas entidades distintas.

E, na sequência de várias outras diligências, a ONU através da Resolução 1542 (XV) de 15/12/1960 considera Cabinda “um território autónomo” com direito a autodeterminação; Quaison Sakey, o primeiro grande diplomata que a África Negra deu às Nações Unidas, apresentou a “Questão de Cabinda” no Conselho de Segurança das Nações Unidas, entre 1962 e 1963;e a OUA, actual União Africana (UA), na sua XII Cimeira em 1966, numerou as colónias africanas atribuindo a Cabinda o número 39 Estado a descolonizar e a Angola o 35.

O território de Cabinda, onde se concentram a maior parte das reservas petrolíferas exploradas por Angola, não é contígua ao restante território e, desde há muitos anos que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.

A FLEC, através do seu “braço armado”, as FAC, luta pela independência daquela província, alegando que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

Cabinda é delimitada a norte pela República do Congo, a leste e a sul pela República Democrática do Congo e a oeste pelo Oceano Atlântico.

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