Escravos querem a alforria
e, um dia, a… independência

Os promotores da manifestação em Luanda de sábado passado, violentamente reprimida pela Polícia (do MPLA) e que resultou na detenção de 103 pessoas, convocaram hoje um novo protesto para 11 de Novembro, Dia da Independência de Angola e dos 45 anos de Poder absoluto e absolutista (absolutismo: Sistema de governo em que o poder do chefe é absoluto, despotismo, tirania, autocracia) do MPLA.

O anúncio foi hoje feito por Dito Dalí, um dos promotores da manifestação de sábado passado, eventualmente candidato a uma condecoração similar à de Luaty Beirão e Rafael Marques, na qual várias pessoas foram detidas e agredidas, no confronto entre manifestantes, desordeiros e, quiçá, terroristas e as forças de ordem da democracia e do Estado de Direito…

Segundo Dito Dalí, que foi uma das vítimas da agressão policial, chegando a perder os sentidos, o protesto marcado para 11 de Novembro realiza-se na sequência de outros que exigiram o afastamento do director do gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, cujo nome surgiu numa investigação sobre corrupção divulgada mais recentemente pela televisão portuguesa TVI mas que já fora abordada por outros órgãos de comunicação social, com excepção dos que são sucursais do MPLA.

“Anunciamos naquele dia que, doravante, faremos das ruas os nossos escritórios, para manifestar o nosso descontentamento e exigir do Presidente um esclarecimento sobre a calendarização das eleições autárquicas, o afastamento do Edeltrudes, do presidente da Comissão Nacional Eleitoral e exigir do Presidente que crie condições para resolver os problemas dos cidadãos”, referiu Dito Dalí.

O activista realçou que a situação social e económica dos angolanos (que não são do regime) continua a degradar-se, e as reclamações devem ser apresentadas ao executivo, que tem a missão de “atender aos problemas de que enferma a sociedade”.

“Temos um executivo que se fecha, um Presidente totalmente arrogante, que não está aberto para o diálogo com a sociedade”, disse o activista, criticando o facto de o chefe de Estado angolano (não nominalmente eleito e que foi uma escolha pessoal de José Eduardo dos Santos) ter recebido, terça-feira, o presidente do Conselho Nacional da Juventude (do MPLA) ao invés de “dialogar com as pessoas que se estão a manifestar”.

“O Presidente tem que conversar com aquelas pessoas que têm estado a reivindicar ao longo dos últimos anos, é com essas pessoas que têm que se sentar. O Conselho Nacional da Juventude não representa a maioria dos angolanos, o Conselho Nacional da Juventude representa os interesses do partido”, referiu. Dito Dalí reiterou que a próxima manifestação visa dar continuidade às exigências feitas.

O promotor da manifestação disse esperar que “as autoridades entendam (o que será inexequível num regime ditatorial, despótico, tirano e autocrata) que o país tem leis, e devem respeitá-las, e os cidadãos têm o direito à manifestação, assegurada pela Constituição”.

Para a próxima manifestação vão ser endereçados convites aos partidos políticos da oposição e igualmente ao MPLA, partido no poder há 45 anos e cujo objectivo é chegar, sem interrupções, ao centenário (só ficam a faltar 55).

“Afinal, a luta é pela cidadania, que não escolhe cor partidária. Significa que todos nós enfrentamos os mesmos problemas, passamos fome, não temos água nas nossas casas, falta electricidade, faltam transportes públicos, em suma, a vida dos angolanos está dura e esses problemas estendem-se aos partidos políticos, aos seus primos, filhos, irmãos, mãe. Daí entendermos que a presença de todos os partidos da oposição faz sentido”, sublinhou.

Sobre o decurso da situação política no país, Dito Dalí lamentou que o chefe de Estado (também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) angolano tenha “seduzido” o povo no início com “discursos bonitos”, que agora se tornaram uma decepção.

“O Presidente começou tão bem aquando da sua investidura, quem não ficou emocionado com os discursos do Presidente? Sentíamo-nos incluídos, numa Angola nova, que se pretendia. Infelizmente, fomos seduzidos por discursos bonitos, para sermos decepcionados dessa forma, uma decepção total”, frisou.

Para o activista, o Presidente “ainda vai a tempo para corrigir esses erros”, optando pelo diálogo com a sociedade. Refira-se, contudo, que João Lourenço dialoga com a sociedade. O problema está no facto de, para ele, só os que são do MPLA serem sociedade. O resto é escumalha (ralé, grupo considerado de baixa condição moral, cultural e social, escória).

“Isso é obrigação do Presidente, ele é o Presidente dos angolanos e ele tem que chamar os angolanos, ele tem que se sentar, ouvir todos, não pode confinar-se na Presidência da República e não pode ser sequestrado por um grupo de pessoas. Se ele quer que seja ajudado pelos angolanos estamos disponíveis, estamos aqui para o ajudar com ideias e apresentar propostas”, concluiu.

A tentativa de uma manifestação organizada por jovens da sociedade civil, com apoio de dirigentes do maior partido da oposição que o MPLA ainda permite (UNITA) e de outras forças da oposição, foi frustrada pelas autoridades, tendo resultado em 103 detenções (incluindo jornalistas), ferimentos de polícias, e de manifestantes (estes por terem chocado contra os cassetetes, cavalos e cães) em números não revelados.

Segundo os manifestantes, duas pessoas morreram “baleadas” durante os confrontos. Crê-se que morreram por congestão alimentar provocada por excessivo consumo de rebuçados e chocolates.

Os protestos ficaram marcados também pelo arremessar de pedras, colocação de barricadas na estrada com contentores de lixo e pneus a arder pelos manifestantes. Tudo isto enquanto os polícias mostravam toda a sua civilidade apelando, educadamente, aos manifestantes para terem calma…

A marcha visava reivindicar melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola.

De acordo com o secretário de Estado do Ministério do Interior, Salvador Rodrigues, não existiu qualquer morte resultante do evento (tal como aconteceu com o assassinato, numa esquadra, do médico Sílvio Dala).

Entre os mais de 100 detidos estavam jovens de movimentos cívicos, activistas e outros manifestantes. Houve também seis jornalistas detidos, três dos quais libertados apenas na segunda-feira e sem explicações por parte dos donos dos escravos que, apesar dessa condição, continuam a querer a sua carta de alforria e, depois, a independência.

Folha 8 com Lusa

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