Em Cabinda falam as armas

A Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) reivindicou a morte de três militares das Forças Armadas Angolanas (FAA), em confrontos naquele enclave, que provocaram ainda a morte de um dos seus militares e de dois civis.

Em “comunicado de guerra”, tornado público hoje, a FLEC descreve que os confrontos aconteceram na manhã desta quinta-feira, 4 de Junho, na aldeia de Tando-Limbo, no eixo rodoviário entre Inhuca e Massabi.

De acordo com a mesma informação, os confrontos decorreram na sequência de uma posição das Forças Armadas Cabindesas (FAC) ter sido atacada por uma patrulha das FAA “em violação total ao apelo de cessar-fogo lançado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres”.

“Um militar das FAC perdeu a vida durante a agressão das Forças Armadas Angolanas, que perderam três homens. Durante os combates duas mulheres da aldeia vizinha foram abatidas pelo fogo dos militares angolanos”, lê-se no comunicado.

No documento, assinado pelo general António do Rosário Luciano, porta-voz do Estado-Maior-General das FAC, a FLEC afirma que “não cede às incessantes provocações sanguinárias das FAA”, referindo que “mantém o cessar-fogo em respeito ao apelo de António Guterres”.

A FLEC denuncia também alegadas mentiras propaladas pelas FAA, que “invadem os territórios da República do Congo e da RD Congo violando a soberania desses países, alegando perseguirem militares das FAC”.

“A FLEC-FAC opera exclusivamente no interior do território de Cabinda e recusa ser o álibi dos projectos expansionistas angolanos na República do Congo e República Democrática do Congo”, acrescentou.

Na quarta-feira, a FLEC anunciou a morte de 12 pessoas, entre militares e civis, também por confrontos naquele enclave angolano.

A FLEC, através do seu “braço armado”, as FAC, luta pela independência no território alegando que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

Criada em 1963, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes facções, efémeras, com a FLEC/FAC a manter-se como o único movimento que alega manter uma “resistência armada” contra a administração de Luanda.

No caso de Cabinda, o ordenamento constitucional português, que durou até 1976, nunca impediu a afirmação reiterada da identidade específica de Cabinda, nem a especificidade do título que uniu Cabinda à coroa de Portugal, o anualmente e solenemente festejado Tratado de Simulambuco, em relação também, com expressão única, com o facto de os bustos dos reis portugueses em exercício por vezes assinalarem as sepulturas dos líderes políticos locais que faleciam.

A decisão de cada povo, com sentimento de identidade, convergir para espaços políticos mais vastos, optando por limitações de soberania, por grupos de soberanias cooperativas ou por autonomias regionalizadas, faz parte da liberdade com que organiza a preservação da sua identidade, não pode ser uma imposição exógena, que contrarie os princípios e valores a que a Carta da ONU vinculou a defesa da paz e da dignidade dos povos e dos homens.

É finalmente certo que o petróleo, como as antigas especiarias, tende para fazer esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro de Vasco da Gama, e que Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela percepção actual da África útil.

A resposta firme tem de adoptar a advertência do PNUD (2004): «São necessárias políticas multiculturais que reconheçam diferenças, defendam a diversidade e promovam liberdades culturais, para que todas as pessoas possam optar por falar a sua língua, praticar a sua religião e participar na formação da sua cultura, para que todas as pessoas possam optar por ser quem são. Os cabindas não exigem mais, e não se lhes pode pedir que exijam menos: “Optar por ser quem são”.»

Nenhuma solução será encontrada para Cabinda se o Governo e o MPLA (são uma e a mesma coisa), porque nem todo o Povo angolano pensa assim, continuarem a sofrer da psicose da ponte sobre-o rio Zaire. Esta unir-se-á com a RDC e não com Cabinda, se o cabinda não for poder em Cabinda.

É um contra-senso que alguém que tenha lutado contra o colonialismo teime, desde 1975, que um outro povo não viva a sua liberdade plena (mestre do seu destino colectivamente consentido e das suas riquezas) e que todos os dias lhe recordam que não é livre.

No que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há mais de um século. E, tanto quanto parece, mesmo os assinados ontem já estarão hoje fora de validade.

Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.

Folha 8 com Lusa

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