Crescer para… baixo

O presidente do Banco Mundial, David Malpass, defendeu um aumento da transparência sobre a dívida pública a nível mundial e deu como (mau) exemplo (só podia!) Angola, um país onde aferir a totalidade dos compromissos financeiros “é um grande desafio”.

“P recisamos que os credores e os devedores evitem violações da cláusula de não compromisso nas nossas relações; por exemplo em Angola estamos a aliviar as hipotecas, libertar colateral e reparar a fissura aberta na cláusula de não compromisso relativa ao Banco Mundial [impossibilidade de contrair nova dívida que diminua a capacidade para pagar a actual]”, disse David Malpass durante uma intervenção feita numa reunião de alto nível sobre a dívida.

Nessa reunião, na qual participaram vários ministros das Finanças do G20 e também interveio a ministra das Finanças de Angola, Vera Daves, o presidente do Banco Mundial apontou, ainda sobre Angola, que “um dos grandes desafios para a nossa equipa técnica de assistência é a divulgação de todos os compromissos financeiros do Governo, incluindo o volume de dívida pública e com garantias estatais, quer implícita, quer explícita, incluindo as vulnerabilidades das empresas públicas”.

No discurso que fez na Conferência Ministerial de Alto Nível, Malpass argumentou que “a transparência vai tornar a dívida e o investimento mais produtivos, ajudar a responsabilização e apoiar as recuperações económicas que são vitais para a redução da pobreza” e acrescentou que “a médio prazo, pode levar mais investimento nos países em desenvolvimento, com mais e melhores técnicas de financiamento, o que é um grande passo em frente rumo ao nosso objectivo de atingir bons resultados no desenvolvimento, em que todos os rendimentos sobem, e não apenas os rendimentos das elites”.

O presidente do Banco Mundial vincou que “as condições financeiras não melhoraram durante o último ano” e apontou que “com a pandemia e o confinamento económico, o stress financeiro piorou significativamente nos últimos meses, através de recessões, saídas de capital sem precedentes e declínios nas exportações e nas remessas dos emigrantes”.

Para o líder da maior instituição financeira multilateral, está a haver progresso na abrangência do alívio da dívida aos países mais frágeis, mas é preciso fazer mais, a começar pela extensão da moratória até final de 2021 para dar tempo às economias para recuperarem da crise económica originada pela pandemia de Covid-19.

“Penso que devemos estender a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) durante 2021 dada a severidade e natureza de longo prazo da crise”, argumentou, afirmando que “já há muitos países com dívida extremamente problemática, e muitos mais terão dívida problemática antes da crise acabar”.

Por isso, continuou, “nestas circunstâncias adiar o pagamento da dívida só vai ’empurrar o problema com a barriga’ e, nestes casos, precisamos de não apenas reduzir o serviço da dívida hoje, mas reduzir o serviço da dívida amanhã e permanentemente, o que vai criar luz ao fundo do túnel da dívida”.

Uma “redução sistemática do volume de dívida soberana é a única maneira de recomeçar o crescimento, tornar os novos investimentos possíveis e lucrativos, e evitar uma armadilha da dívida ainda mais longa”, argumentou o banqueiro.

Entre o ‘caderno de encargos’ deixado na reunião de 8 de Julho, que serve de lançamento para a reunião que os ministros das Finanças e banqueiros centrais do G20 vão ter este fim-de-semana, David Malpass apontou ainda a necessidade de aumentar a abrangência das acções de alívio da dívida e a participação de todos neste esforço.

“Todos os credores oficiais bilaterais, incluindo os bancos públicos, precisam de participar na suspensão da dívida, e devemos resistir aos esforços para limitar o âmbito da dívida coberta pelo DSSI, devia cobrir toda a dívida pública externa de longo prazo e a dívida garantida pelo Estado, e não apenas a dívida pública e a explicitamente garantida pelo Estado”, apontou.

Por outro lado, acrescentou, “é preciso mais clareza na classificação e na divulgação de todos os instrumentos de dívida, incluindo as linhas de trocas bilaterais de longo prazo, que são muitas vezes usadas como fontes de financiamento com compromissos plurianuais, como vimos na Mongólia, e que minam a estabilidade macroeconómica”.

Por último, defendeu, “os credores comerciais precisam de dar um tratamento comparável, descontinuar os pagamentos de dívida dos países mais pobres, particularmente daqueles que dependem das doações ao abrigo do Associação Internacional para o Desenvolvimento”.

Uma estratégia sem estratégia

A elaboração da Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo “Angola 2050” vai, supostamente, basear-se nos princípios da transparência na execução, coerência económico-financeira e no privilégio à accionabilidade, afirmou em Abril de 2019 o secretário de Estado para o Planeamento, Manuel Neto da Costa. As palavras voam, os escritos são eternos. “Arquivemos” na memória mais um capítulo da enciclopédia de promessas do MPLA.

A Estratégia de Desenvolvimento de Longo Prazo “Angola 2050” é um documento que orienta as acções dos governos desde o ano 2000.

Segundo Manuel Neto da Costa, que falava no seminário de divulgação do processo de revisão e extensão da estratégia de desenvolvimento “Angola 2050”, o documento deverá ter ligação entre os elementos macro da estratégia, iniciativas específicas, indicadores e com pressupostos macroeconómicos e financeiros transversais.

Além daqueles elementos, a estratégia deverá ter também uma ligação directa aos módulos sectoriais que permitam assegurar o realismo dos compromissos assumidos pelo Estado.

O secretário de Estado para o Planeamento sublinhou que a transparência sobre a execução do plano permitirá assegurar os necessários equilíbrios e coordenação entre os vários sectores e intervenientes e adaptação ágil às alterações (positivas ou negativas) na envolvente do país.

Por outro lado, na mesma altura, o ministro da Economia e Planeamento, Pedro Luís da Fonseca, disse que o Recenseamento Geral da População e Habitação de 2014 vai facilitar, consideravelmente, as abordagens referentes ao desenvolvimento territorial e definição de eixos territoriais de desenvolvimento.

Na sua visão, com as informações do Censo nada mais vai ser deixado ao acaso ou às metodologias de interpolação como foi o caso da estratégia 2025.

Referiu também que a estratégia 2025 foi concebida na sua componente dos efeitos sociais do intenso crescimento, e propunha cerca de 9 por cento ao ano de variação real do Produto Interno Bruto, assumindo os compromissos espelhados nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, cujo cumprimento ficou, talvez na maior parte dos casos, abaixo dos 50%.

Avançou que a estratégia 2025 foi pensada e escrita sem se poder dispor de informações básicas sobre “quantos somos, como somos e onde estamos”.

Pedro Luís da Fonseca entende que a especialização da população é determinante para se definirem estratégias e políticas de unidade nacional, de defesa do território e de redução de assimetrias.

Para si, a nova estratégia deverá acentuar o capital humano, tendo em conta os resultados do estudo sobre dividendo demográfico, gizando aproximações que aumentem substancialmente o Índice de Capital Humano, ainda muito baixo em Angola.

O ministro afirmou ser pretensão o envolvimento, em amplas discussões, de quatro actores sociais para a nova visão, nomeadamente, empresários, trabalhadores, famílias e universidades, para se reencontrar novas perspectivas mais ajustadas à realidade.

A elaboração da estratégia deve-se ao desfasamento dos resultados alcançados das previsões por factores internos e externos, alteração do contexto/pressupostos, por exemplo, níveis de preço e produção do petróleo, e algum optimismo no plano anterior.

Alinhamento com compromissos internacionais, dos quais Angola é signatária, nomeadamente a Agenda 2030 das Nações Unidas e a Agenda 2063 da União Africana, bem como o horizonte temporal, na medida em que o actual ciclo quinquenal de planeamento (2018-2022) é o último enquadrável na actual Estratégia de Longo Prazo (2025).

A estratégia deverá ter projectos emblemáticos de curto-prazo com metas e iniciativas muito concretas e com impacto tangível a 5 anos para o País.

Já a médio e longo-prazo, deverá ter uma aspiração clara para os próximos 30 anos, narrativa de crescimento suportada em factos, devendo definir as principais prioridades sectoriais, bem como permitir a identificação dos principais motores de crescimento e equilíbrio macro-económico.

O objectivo é ter um país de Capital Humano Elevado, equidade na distribuição de rendimentos e eficiência no aproveitamento de recursos económicos, credibilidade do rumo a seguir, assegurando a confiança da sociedade civil, actores económicos e instituições internacionais.

Pretende-se igualmente que a estratégia a ser elaborada possa ter enquadramento no contexto global, regional e nacional, reflectindo o ambiente macroeconómico e principais “mega tendências” mundiais, bem como um alinhamento da visão com as principais metodologias e instrumentos de planeamento nacionais, regionais e internacionais.

O plano de trabalho para a estratégia deverá durar 18 meses, sendo dois meses para diagnóstico, 15 meses para a visão estratégica Angola 2025 e 2050 para Planeamento da implementação.

Para se chegar a esse desiderato deverão ser desenvolvidos seminários junto da população, entrevistas e inquéritos, workshops prospectivos sectoriais e provinciais, debates na TV e na rádio, criação de site “Angola 2050” para update do programa e recepção de sugestões e grandes eventos públicos.

Para a execução da estratégia serão envolvidas todas as partes, com auscultação dos principais “stakeholders” (partes interessadas) com vista ao alinhamento total por parte de toda a sociedade civil e responsabilização pelas metas traçadas e o consenso e comprometimento com estratégia definida assegurando que se mantém válidos além dos ciclos políticos.

Folha 8 com Lusa

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