Os partidos na oposição (e da oposição que o MPLA ainda permite que existe em Angola) dizem-se abertos a uma coligação de partidos, visando a quimera de protagonizarem uma alternância do poder nas eleições gerais de 2022, considerando que a “vontade da mudança e da consolidação da verdadeira democracia no país são enormes”.
A vontade de mudança existe e é crescente. O MPLA sabe disso. Aliás, o MPLA sabe tudo há 45 anos. Sabe como domesticar (legal ou ilegalmente) os principais adversários, tal como sabe que é fácil comprar a simpatia de todos aqueles que estão a aprender a viver sem comer. Entre as macro-estratégias (tipo 27 de Maio de 1977 ou 22 de Fevereiro de 2002) e as micro (tipo sacos de arroz), tudo está ao alcance do MPLA. Isto já para não falar do botão vermelho da CNE (Comissão Nacional Eleitoral) que, quando activado, converte os votos da oposição em votos do MPLA.
“Penso que a ideia é boa, nas democracias as coligações também fazem crescer a democracia e depois também o nosso modelo vai exigir que os partidos na oposição se unam e que tenham um projecto comum nesta questão das eleições”, afirmou hoje à Lusa o presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Lucas Ngonda.
Isto, é claro, se uma eventual coligação conseguisse satisfazer os egos dos diferentes protagonistas. Mas essa é, por falta de tachos para todos, uma missão impossível. Veja-se o exemplo da CASA-CE.
Abel Chivukuvuku manifestou-se, na sexta-feira, disponível para, nas próximas eleições gerais de Angola, presume-se que possam acontecer em 2022, participar numa possível coligação dos partidos da oposição, tema defendido por uma corrente política e da sociedade civil.
Abel Chivukuvuku, que luta pela legalização do seu novo projecto político, denominado PRA-JA Servir Angola, sublinhou que o assunto “ainda está um discurso e um debate muito incipiente” e “não aprofundado”.
“Vão surgindo vozes e, obviamente, vai havendo posturas diferenciadas, até porque os próprios partidos também têm forças várias dentro das forças políticas em função do espaço democrático e de complementaridade que existe, mas considero que é bom já que em Angola surja esse debate, que deve ser alimentado, mas de forma estruturada, aprofundada, bem pensada, por que não?”.
Hoje, o presidente da FNLA (organização política e social residual) disse concordar com a ideia de Chivukuvuku, afirmando que só com um projecto comum se poderá “fazer face à situação” de “uma ditadura parlamentar imposta pelo MPLA”.
Para Lucas Ngonda, o MPLA deverá sempre continuar com as maiorias qualificadas, “conseguidas por diversas fraudes por nós contestadas”, e isso deve prevalecer porque o sistema angolano que “não é viável e nem democrático”.
“É uma democracia de partido único que abriu as portas para os outros partidos e esse é o modelo angolano, não é democracia pluralista que exige alternância, e, da forma que o sistema está, se não fizermos nada, com certeza, teremos problemas na consolidação da democracia angolana”, notou.
A necessidade de uma coligação de partidos na oposição para as eleições gerais de (talvez) 2022 é também defendida pelo Partido de Renovação Social (PRS), cujo sucesso passa pela “independência” do Tribunal Constitucional (TC) e da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Segundo o presidente do PRS, Benedito Daniel, a coligação de partidos são “ideias inovadoras”, mas o “grande problema de Angola” está nas instituições que validam as eleições, nomeadamente o TC e a CNE “fundamentais para a lisura do processo”.
“Os partidos poderiam juntar-se, mas enquanto não for mudada a CNE e o Constitucional não for independente a situação vai ser a mesma”, afirmou o responsável, acrescentando que os eleitores votam mas “nos escritórios” vão “apresentar dados contrários, e é aí onde reside o problema”.
Já a UNITA, maior partido na tal oposição que o MPLA ainda permute, que disse estar a liderar um “amplo movimento de mudança”, considerou que “ainda é cedo” para a abordagem sobre coligação de partidos, apontando as autárquicas como meta inicial. Quando as houver. Se as houver.
O secretário-geral da UNITA, Álvaro Chicuamanga, afirmou que o seu partido ainda não tem uma posição oficial sobre a perspectiva de uma coligação de partidos na oposição, visando as eleições de 2022, referindo, no entanto, que o “debate deve ser desencadeado”.
“Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”, dizia Jonas Savimbi. E tinha razão. Hoje, se por cá andasse, diria o mesmo. Talvez acrescentasse que os dirigentes da UNITA nunca mais aceitarão trocar a lagosta pela mandioca, continuando a pensar que é melhor serem escravos com a barriga cheia do que livres com ela vazia.
“A vontade da mudança é enorme, agora falar em coligações de partidos acho que ainda é cedo, há questões candentes que ainda devem ser resolvidas, fundamentalmente que têm a ver com as eleições autárquicas, que foram praticamente relegadas ao segundo plano sem uma explicação pública do Governo”, salientou.
Em declarações à Lusa, o político da UNITA considerou normal que o debate surja, mas frisou: “Ainda precisamos nesse momento trazer à mesa a questão das autarquias, esta é prioritária e depois disso vamos evoluir para as eleições gerais”.
“Acho que se formos trabalhar para as eleições gerais sem olharmos para as autarquias estaremos a queimar uma etapa muito importante”, concluiu.
Enquanto isso, o MPLA vai cantando e rindo. Haverá eleições (autárquicas e outras) apenas quando o MPLA quiser, mesmo que o país pense de outra forma. Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou não haver, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia.
Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses?
Melhor mesmo seria fazer umas eleições autárquicas em que apenas votassem os deputados do reino.
“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de fato, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.
E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a comprarem mais casas no estrangeiro.
A UNITA, o PRS e a CASA-CE entendem, entretanto, que “os primeiros sinais” que revelaram o desinteresse do MPLA na realização do escrutínio, em 2020, foram dados com a não aprovação do pacote eleitoral autárquico e com o facto de o actual Orçamento Geral do Estado não contemplar qualquer verba para as eleições autárquicas.
Álvaro Chikuamanga afirma que “estes foram sinais mais que evidentes de que o MPLA tinha alguma coisa que não ia ao seu agrado”. A UNITA não pode “espingardar” muito. Lá vai dando uns tiros de pólvora seca, mas sabe muito bem que – respeitando a separação de poderes – o Presidente do MPLA pode ordenar a um qualquer tribunal que faça à UNITA o mesmo que fez ao PRA-JA. Aliás, poderá acontecer aos dirigentes da UNITA o mesmo que aconteceu a Jonas Savimbi.
O vice-presidente da CASA-CE, Manuel Fernandes, também entende que “a pandemia não poder ser responsável pela não aprovação do pacote autárquico, nem pela não realização das eleições”.
Por seu lado, para o secretário-geral do PRS, Rui Malopa, o MPLA demonstrou, com esta atitude, que receava perder para outros partidos se as eleições autárquicas tivessem lugar em 2020.
“Teria sido sensato concluir o pacote legislativo e só depois avaliarmos se há ou não condições sanitárias”, sublinha Malopa.
Repare-se, contudo, que quem defende a tese do MPLA é o próprio líder da FNLA, Lucas Ngonda, que considera que as eleições autárquicas podem esperar, alegando que “a vida tem de estar em primeiro lugar, as eleições nós teremos para todo o sempre”.
No dia 10 de Janeiro, o MPLA disse que “não tem medo” das eleições autárquicas, afirmando ser “o mais interessado”, enquanto a UNITA admite vontade política para as autarquias, defendendo “respeito de opiniões contrárias”.
Hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições… ficando estas adiadas “sine die”.
“Nas eleições de 2017, dos 164 municípios do país o MPLA ganhou 156, isto é para ter medo? O MPLA é um partido de consenso, é uma máquina que trabalha, prepara muito bem, não tem medo”, afirmou em Janeiro o presidente do grupo parlamentar do MPLA, Américo Cuononoca.
Ora aí está. E nos 164 municípios só não ganhou 180 porque não quis. 180 se só existiam 164? Perguntarão os nossos leitores. Pois é. Mas se o MPLA já nos habituou a ter em determinados círculos eleitorais mais votos do que eleitores inscritos, se consegue até que os mortos votem no MPLA, nada é impossível para quem é dono, entre outros organismos, da CNE.
Segundo o líder parlamentar do partido dirigido pelo “querido líder” João Lourenço, “é uma falsa expectativa” pensar-se que o seu partido tenha medo das eleições autárquicas porque “quem está mais interessado para que estas eleições se realizem é o MPLA”. Mentira, é claro. Por alguma razão o MPLA tem adiado sucessivamente essas eleições. Agora agarra-se com unhas e dentes à Covid-19 para engavetar a democracia.
“Não há outro partido mais interessado em realizar eleições autárquicas que são uma promessa eleitoral. Prometemos realizar eleições autárquicas neste mandato, de tal sorte que o MPLA ter medo? Pelo contrário”, notou.
Pois é. E promessas são coisas que não faltam ao MPLA. Já em 1975 Agostinho Neto prometeu resolver os problemas do Povo e o resultado (20 milhões de pobres, por exemplo) está à vista. Aliás, o querido presidente de Américo Cuononoca conseguiu – reconheça-se – resolver o problema dos milhares e milhares (cerca de 80 mil) de angolanos que mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977…
Para o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, as autarquias “são um compromisso do Estado que deverá ser assumido”, referindo que “existe tempo e vontade política para as pessoas consertarem”.
“Independentemente dos interesses de grupos e partidários há um interesse nacional a salvaguardar, a defesa da democracia e realização da dignidade da pessoa. Acho que há sim esta abertura, o ambiente de trabalho e pelo que senti hoje há sim esta vontade”, disse.
Folha 8 com Lusa