Ajudar Maputo e bajular Luanda

O PSD (partido português dirigido por Rui Rio e que é o maior da oposição) pediu ao Governo socialista de António Costa que sensibilize a União Europeia para a necessidade de encontrar, com urgência, uma “solução internacional” que permita a Moçambique “enfrentar os ataques terroristas em Cabo Delgado”, bem como envio de ajuda humanitária.

Num projecto de resolução (sem força de lei) hoje entregue na Assembleia da República, os sociais-democratas salientam que, em meados de Abril, a União Europeia referiu que “segue com apreensão o agravamento da situação humanitária em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, com uma crescente insegurança das populações locais e a rápida multiplicação do número de deslocados internos”.

“Ora, não basta seguir apenas com apreensão o agravamento da situação humanitária no norte de Moçambique. A comunidade internacional não pode alhear-se desta tragédia humanitária. A pandemia não pode ser desculpa para a União Europeia ou Portugal se desinteressarem da sorte de toda esta população do norte de Moçambique”, defendem os deputados do PSD.

O PSD considera que “os moçambicanos precisam dos portugueses, dos europeus, da comunidade internacional” e apontam que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, referiu, em meados de Junho, que “Portugal está disponível para a construção de uma solução internacional que permita a Moçambique enfrentar os ataques terroristas no norte do país”.

Assim, o PSD recomenda ao Governo que “encete, com carácter de urgência, uma acção de sensibilização junto da União Europeia, no sentido de ser encontrada uma solução internacional que permita a Moçambique enfrentar os ataques terroristas em Cabo Delgado, tendo sempre em consideração o profundo respeito pela soberania daquele país”.

Por outro lado, os sociais-democratas pedem ao executivo que exorte a União Europeia, através do Serviço Europeu para a Acção Externa, no sentido de serem preparadas, com urgência, “missões de ajuda humanitária, com o objectivo de promover a paz através de apoio político e económico e de garantir a segurança participando, deste modo, na construção de uma solução de apoio internacional a Moçambique para defesa das suas populações, para defesa da sua integridade territorial, para defesa da sua soberania”.

“Importa relembrar que a Política Comum de Segurança e Defesa é um instrumento da União Europeia destinado a enfrentar os desafios decorrentes de conflitos armados, instabilidade política, terrorismo, criminalidade organizada”, apontam os deputados do PSD, considerando que a UE pode destacar missões “para preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas, apoiando iniciativas e actividades de luta contra o terrorismo no continente africano”.

O número de deslocados internos devido à violência no norte de Moçambique duplicou desde Março e já ascende a 250.00pessoas, segundo a mais recente informação do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, sigla inglesa).

A violência armada em Cabo Delgado intensificou-se desde Março, mas já dura desde 2017, provocando a morte de, pelo menos, 700 pessoas, num movimento cuja origem continua em debate e ao qual o grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico se associou desde há um ano, reivindicando diversas incursões.

As Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas estão no terreno, mas a informação sobre a sua actividade é escassa, referindo-se pontualmente a algumas acções – no final de Maio anunciaram um contra-ataque que somado a outros terá resultado no abate de 150 rebeldes e alguns cabecilhas.

Um rio de bajulação afluente do Kwanza

No dia 28 de Junho de 2018, o presidente do PSD, Rui Rio, disse em Luanda, que as relações entre Angola e Portugal tinham uma “estrada aberta” pela frente, destacando o “simbolismo” de ter sido recebido pelo chefe de Estado angolano (também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), João Lourenço. Nada de novo, portanto. A bajulação continua firme.

Rui Rio falava aos jornalistas, no Palácio Presidencial, em Luanda, depois de uma audiência, pouco habitual (mas estratégica para o MPLA) enquanto dirigente partidário, de cerca de 30 minutos, com o Presidente angolano.

Na altura, à saída, Rui Rio admitiu que as dificuldades provocadas pelo processo judicial em Lisboa, contra o presidente da Sonangol à altura dos factos e depois vice-presidente da República, Manuel Vicente, estão ultrapassadas entre os dois países e o relacionamento entra numa nova fase de cooperação.

“Penso que isso é aquilo que todos nós desejamos. Estão criadas, neste momento, as condições, está uma estrada aberta para essa cooperação que tem já muitos anos, como todos sabemos. Pronto, tem os seus acidentes de percurso, teve um acidente de percurso como todos sabemos e não vale a pena naturalmente escondê-lo, mas uma vez ultrapassado temos é que trabalhar e estreitar ainda mais os laços”, disse Rui Rio, questionado pelos jornalistas.

O líder do PSD, que também foi recebido nessa altura pelo ainda presidente do MPLA, e ex-chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, insistiu que Portugal não pode deixar de olhar para os parceiros históricos, em detrimento das alianças na Europa.

“Como eu costumo dizer, na Europa temos aliados e temos amigos. Mas aqui [Angola], é mais do que amigos, aqui até família temos”, sublinhou.

“Portugal é um país, como todos sabemos, desde 1986, muito virado à Europa, integrado na Europa, mas há 600 anos que está virado para o Atlântico. As nossas relações com os países atlânticos são absolutamente fundamentais. E, portanto, esta aproximação cada vez maior entre Portugal e Angola é muito importante e naquilo que possa ser o meu contributo para que isso possa acontecer a disponibilidade é total e foi isso que eu também tive oportunidade de referir ao senhor Presidente da República”, disse ainda.

Com o processo judicial em torno das suspeitas sobre Manuel Vicente, que durante meses ameaçou as relações políticas entre os dois países, transferido para suposto julgamento em Luanda, e numa altura em que a prevista visita a Luanda do primeiro-ministro português António Costa ainda não estava confirmada, Rui Rio apontoi a importância de ter sido recebido pelo Presidente angolano na retoma dos níveis de relacionamento: “O próprio acto de me receber é já um acto simbólico nesse sentido. Acho que é extraordinariamente positivo para ambos os países”.

Da economia, à educação ou à saúde, e também “naquilo que, de parte a parte, possa ser interessante”, o líder do PSD destacou que Portugal tem várias “complementaridades” com Angola.

“E há muitos aspectos onde nós nos podemos complementar. E acho que isso é bom, é bom para ambos os países”, sublinhou.

Recorde-se que sobre a decisão judicial portuguesa de enviar o processo de Manuel Vicente para o arquivo morto do MPLA, politicamente correcta na óptica de Luanda e Lisboa, Rui Rio considerou que se tratou, “ obviamente, uma boa notícia para as relações entre Portugal e Angola”, mascarando a bajulação com a tese de que “temos que ter consciência, ao longo de todo este processo, que há uma real separação de poderes em Portugal e, portanto, o poder político não podia fazer nada, nem devia fazer nada, relativamente a isto”.

Rui Rio afirmou também que, “a partir do momento em que o caso ficou sempre na esfera do poder judicial, e o poder judicial resolveu da forma como resolveu, do lado do poder político é muito positivo”. Claro. Do lado do poder político foi a cereja no topo do bolo. Isto porque, desse mesmo lado, o envio do processo para Angola levou em conta que as relações de Portugal com Angola “são vitais para o desenvolvimento de ambos”.

“Nem vejo agora razão nenhuma para não se normalizarem as relações e é muito importante para Portugal ter, para lá da sua relação com a Europa, uma boa relação com o Atlântico e com os países de expressão portuguesa, no âmbito dos quais Angola tem um papel absolutamente preponderante”.

Segundo Rui Rio, “era muito mau, quer para Angola, quer para Portugal, arrastar-se a situação que se vinha vindo a arrastar”, pelo que – afirmou – “é preciso compreender que se trata de uma matéria do foro judicial, na qual o poder político não tem responsabilidade”. Como se alguém, cá e em Lisboa, acreditasse nisso.

Relembramos a Rui Rio (a João Lourenço não vale a pena) que:

– Todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia. 70% da população passa fome;

– 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos;

– No “ranking” que analisa a corrupção Angola está nos lugares de liderança;

– A dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975;

– A corrupção política e económica é, hoje como ontem, utilizada contra todos os que querem ser livres, que 76% da população vive em 27% do território, que mais de 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Folha 8 com Lusa

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