Acelerador a fundo… mas em ponto morto

O Presidente de Angola, João Lourenço, destacou hoje a importância de se avançar no processo de integração económica do continente africano, considerando que o actual nível de trocas comerciais está longe do possível e do desejável. Foi descoberta a pólvora… mas com máscara.

“Angola considera importante avançar com este processo de integração económica ao nível do continente, tendo em conta as oportunidades que o mesmo proporciona para a integração da classe empresarial angolana nas mais diversas fileiras produtivas do continente e, desta forma, usar esta plataforma como um polo de atracção de investimentos, tanto directos como em bolsa”, afirmou o chefe de Estado angolano na sua intervenção na Cimeira Africana dedicada à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), que hoje decorreu.

Segundo João Lourenço, no âmbito do acordo que criou a Zona de Comércio Livre Continental Africana, Angola está “a desenvolver o processo interno de elaboração da proposta de desmantelamento tarifário nacional, com base nas modalidades negociais adoptadas para o comércio de mercadorias, devendo em seguida estabelecer-se o roteiro para o comércio de serviços”.

“Sem prejuízo dos nossos compromissos de integração igualmente assumidos na comunidade económica regional em que estamos inseridos a SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral], temos a previsão de que a nossa oferta para o comércio de mercadorias esteja pronta para a revisão da Comissão da União Africana e dos nossos parceiros no continente dentro dos prazos acordados”, adiantou.

Conforme revelou, a proposta tarifária angolana “está assente na posição assumida no quadro da SADC, em consonância com o estabelecido nas modalidades negociais que prevêem a apresentação de ofertas baseadas nos progressos alcançados ao nível das comunidades económicas regionais”.

“Reconhecemos a urgência da apresentação de uma lista de compromissos específicos para o comércio de serviços nos cinco sectores prioritários, nomeadamente dos serviços financeiros, dos transportes, das telecomunicações, do turismo e serviços profissionais, essenciais para os esforços de criação de economias de escala e comércio transfronteiriço, tanto de mercadorias como de serviços”, salientou o Presidente da República angolano.

Segundo João Lourenço, “a facilitação do comércio, feita a partir do estabelecimento de procedimentos aduaneiros rápidos e eficientes e da adopção de um sistema eficiente de certificação das mercadorias, é de importância primordial para apoiar a conexão do sector empresarial às cadeias de valor regionais”.

Convencido de que “este processo de integração criará oportunidades adicionais às micro, pequenas e médias empresas de Angola, que passarão a integrar mercados mais competitivos, mais eficientes e melhor preparados para responder às necessidades dos consumidores africanos”, o chefe de Estado admitiu: “O nível de trocas comerciais intra-continentais permanece longe do que podemos e pretendemos alcançar”.

Na sua intervenção na Cimeira Africana, João Lourenço afirmou ainda que “as políticas para atrair mais investimentos são uma prioridade” no âmbito das reformas que o executivo angolano está a introduzir e que visam uma economia angolana “cada vez mais aberta ao mundo, buscando neste espaço as complementaridades necessárias para garantir o progresso social e o bem-estar dos angolanos”.

“Estamos a desenvolver um sério programa de melhoria do ambiente de negócios em Angola, em parceria com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, de modo a que a posição de Angola no ‘ranking’ mundial do ‘doing business’ melhore nos próximos anos”, afirmou, acrescentando que o país está “igualmente a melhorar o ambiente macroeconómico, consolidando as finanças públicas e melhorando as contas internas e externas”.

De acordo com o Presidente João Lourenço, o programa de estabilização macroeconómica que desde Dezembro de 2018 o país tem vindo a desenvolver com o Fundo Monetário Internacional “tem decorrido com sucesso”: “Todas as avaliações têm sido positivas, o que constitui um factor de confiança da comunidade financeira internacional relativamente às reformas que estamos a desenvolver”, sustentou.

Defendendo que “quanto maior for o desenvolvimento do sector produtivo de Angola, maior será o nível da sua integração nas cadeias de valor do continente” africano, João Lourenço afirmou-se “bastante empenhado na transformação da actual estrutura da economia angolana, ainda muito dependente das receitas do sector petrolífero”.

“Com o desenvolvimento da agricultura, da agro-indústria, da indústria transformadora, das pescas, do turismo e de outros sectores da economia não petrolífera, maior será a participação de Angola no comércio intra-continental, com vantagens para Angola e para o nosso continente”, referiu.

“Por essa, gostaríamos de declarar o nosso pleno engajamento no processo de industrialização do continente africano, ponto crucial para a dinamização da transformação estrutural de África, de um mercado baseado na exportação de matérias-primas de base, para um estágio de desenvolvimento industrial que confira maior valor acrescentado aos nossos produtos, assegurando maior arrecadação de divisas e oferta de postos de trabalho”, acrescentou.

Téte António também já falou sobre o assunto…

O ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, defendeu no dia 28 de Abril, em Luanda, que o processo de criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, como outros no mundo, deverá ser reconfigurado devido à pandemia da Covid-19 que, como se vê, serve de desculpa e de cobertura para todos os falhanços e com efeitos retroactivos…

Téte António fez a observação na Assembleia Nacional de Angola, que viabilizou por unanimidade o Projecto de Resolução que aprova, para ratificação, o Acordo que cria a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).

O acordo, que criou, a 21 de Março de… 2018, em Kigali, Ruanda, a ZCLCA, já assinado e autenticado por Angola, tem como objectivo a criação de um mercado continental, com vista à circulação de pessoas, bens e serviços cruciais para o aprofundamento da integração económica.

Na sua intervenção, o chefe da diplomacia angolana frisou que a Comissão Económica das Nações Unidas para África previa para o continente um crescimento de 3,8% este ano, mas devido à Covid-19, estimava penas 1,8%.

“Significa que será preciso medidas de mitigação, para podermos continuar com este processo da criação da Zona de Comércio Livre Continental”, disse (numa verdadeira descoberta da pólvora) Téte António.

Relativamente ao impacto para Angola deste acordo, o governante disse que se pretende que “o desmantelamento tarifário ocorra dentro do prazo de dez anos, para as linhas tarifárias menos vulneráveis”.

“[Quanto aos] produtos sensíveis, deveremos fazê-lo num período de três anos, podendo manter as tarifas actuais nos próximos cinco anos e iniciando uma liberalização nos oito anos subsequentes”, referiu Téte António, acrescentando que se trata de “um processo progressivo, daí estas cautelas que foram negociadas pelos técnicos dos diferentes ramos, sobretudo do Ministério do Comércio”.

O ministro sublinhou que África é um mercado que representa 1,27 mil milhões de habitantes – 16,2% da população mundial -, com um potencial de Produto Interno Bruto combinado avaliado em 3,4 triliões de dólares (3,1 biliões de euros).

Segundo Téte António, com a entrada em vigor da zona registar-se-á um aumento das trocas comerciais intercontinentais, que deverão passar dos actuais 16% para 53%, prevendo-se igualmente a eliminação de direitos aduaneiros em 90% dos bens trocados e elevar as trocas comerciais dos países africanos em 23% até 2023.

Téte António admitiu que as infra-estruturas são “um dos grandes problemas do continente africano” (provavelmente porque os governos destes países, embora independentes há dezenas de anos, ainda não tiveram tempo para começar a governar), que pode ser ultrapassado através de um processo de dinâmicas internas.

“Vamos observar o que se passa nas nossas fronteiras, nelas há uma pressão dos nossos povos a comercializarem entre si, até que ponto estamos a acompanhar estes processos, enquanto Estado? Penso que esta é uma das respostas que devemos dar quanto à integração económica, o que é que os líderes fizeram”, frisou.

O chefe da diplomacia angolana considerou que o processo de integração económica africana não pode mais ser visto “com o mesmo olhar pessimista, que muitas vezes existiu”, porque “a integração económica avançou bastante”.

O titular da pasta das Relações Exteriores de Angola recordou (mais uma vez mostrando a sua superior formação para dizer o óbvio) que alguns factores desaceleraram a integração económica, nomeadamente os conflitos, sendo que “muitas comunidades económicas consagraram muito esforço na resolução de conflitos e não necessariamente nas organizações económicas”.

Para o chefe da diplomacia angolana, é preciso também uma mudança de paradigma, referindo-se à relação vertical, que existiu durante séculos, entre o sector extractivo e o de transformação, em que as matérias-primas saíam do continente para o ocidente para transformação.

“Depois passámos por uma fase em que a mesma relação vertical continuou, do continente para os países emergentes, e, portanto, é preciso corrigir este paradoxo para termos uma relação horizontal entre o sector extractivo e o sector de transformação”, disse.

Desejosos de executar a decisão da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, tomada durante a sua 18ª sessão ordinária realizada em Adis Abeba, Etiópia, nos dias 29 e 30 de Janeiro de 2012, relativa ao quadro, roteiro e arquitectura para acelerar a criação da Zona de Comércio Livre Continental Africana e ao Plano de Acção para Promoção do Comércio Intra-Africano;

Cientes do lançamento das negociações para a criação da Zona de Comércio Livre Continental visando integrar os mercados de África, em conformidade com os objectivos e princípios enunciados no Tratado de Abuja durante a 25ª sessão ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana realizada em Joanesburgo, África do Sul, nos dias 14 e 15 de Junho de 2015, e dizendo-se determinados a reforçar as relações económicas com base nos respectivos direitos e obrigações decorrentes do Acto Constitutivo da União Africana de 2000, o Tratado de Abuja e, se for o caso, o Acordo de Marraquexe que cria a Organização Mundial do Comércio de 1994 e tendo em conta as aspirações da Agenda 2063 visando a criação de um mercado continental com a livre circulação de pessoas, capitais, mercadorias e serviços, cruciais para o aprofundamento da integração económica, a promoção do desenvolvimento agrícola, a segurança alimentar, a industrialização e as transformações económicas estruturais os signatários prometeram continuar a prometer até que, um dia, alguém troque o verbo prometer por executar.

Isso não os impediu de dizerem que estavam conscientes da necessidade de criar um mercado alargado e seguro para mercadorias e serviços dos Estados Partes através de uma infra-estrutura adequada e da redução ou eliminação progressiva das barreiras tarifárias e eliminação das barreiras não tarifárias ao comércio e ao investimento.

Ou, ainda, da necessidade de estabelecer regras claras, transparentes, previsíveis e mutuamente vantajosas para reger o comércio de mercadorias e serviços, a política de concorrência, o investimento e a propriedade intelectual entre os Estados Partes, resolvendo os desafios relativos aos regimes comerciais múltiplos e que se sobrepõem com vista a alcançar a coerência das políticas, particularmente nas relações com terceiros.

Do mesmo modo, formalmente afirmaram reconhecer a importância da segurança internacional, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de géneros e do Estado de Direito para o desenvolvimento do comércio internacional e da cooperação económica, tal como reafirmaram o direito de regulamentar que os Estados Partes dispõem nos seus respectivos territórios e a sua flexibilidade para prosseguir os objectivos políticos legítimos, em áreas que incluam a saúde pública, a segurança, o ambiente, a moral pública, a promoção e a protecção da diversidade cultural.

Os objectivos gerais da ZCLCA eram, são, serão:

– Criar um mercado único de mercadorias e serviços, facilitado pela circulação de pessoas, a fim de aprofundar a integração económica do continente africano e de acordo com a Visão Pan-Africana de “uma África Pacífica, Próspera e Integrada” na Agenda 2063;

– Criar um mercado liberalizado de mercadorias e serviços, mediante sucessivas rondas de negociações;

– Contribuir para a circulação de capitais e de pessoas singulares, facilitando os investimentos com base nas iniciativas e desenvolvimentos nos Estados Partes e nas CER (Comunidades Económicas Regionais);

– Estabelecer as bases para a criação de uma união aduaneira continental numa fase posterior;

– Promover e alcançar um desenvolvimento socioeconómico sustentável e inclusivo, igualdade do género e a transformação estrutural dos Estados Partes;

– Reforçar a competitividade das economias dos Estados Partes no mercado continental e mundial;

– Promover o desenvolvimento industrial através da diversificação e o desenvolvimento das cadeias de valor regionais, o desenvolvimento da agricultura e a segurança alimentar;

– Resolver os desafios relacionados com a adesão múltipla e a sobreposição dos membros, bem como acelerar os processos de integração regional e continental.

Folha 8 com Lusa

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