A sociedade que comprou Angola

Durante a reunião do Comité Central do MPLA que decorreu em Novembro de 2009, em Luanda, o Presidente José Eduardo dos Santos resumiu os desafios actuais do partido em três questões fundamentais, a fiscalização do governo, a irresponsabilidade dos governantes e o combate à corrupção, com a instauração de uma política de tolerância zero. Nesta investigação, abordo a transferência de património do Estado para a iniciativa privada do MPLA, através da GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras, e os efeitos dessa ocupação mercantilista.

Por Rafael Marques de Morais (*)

Para uma maior compreensão da opinião pública, sobre os discursos públicos da liderança do país e a realidade das suas acções, contextualizo a prática empresarial do MPLA. Analiso, antes e de forma breve, as três principais questões levantadas pelo Presidente da República e do MPLA, no seu discurso de abertura da reunião do Comité Central do seu partido, a 29 de Novembro de 2009. No referido discurso Dos Santos falou da falta de fiscalização dos actos do governo, da irresponsabilidade e má-fé de dirigentes, e anunciou a política de tolerância zero contra a corrupção.

Fiscalização, irresponsabilidade e tolerância zero

Primeiro, José Eduardo dos Santos, acusou o seu partido de inépcia “na fiscalização dos actos de gestão do Governo, quer através da Assembleia Nacional, quer pela via do Tribunal de Contas”. Essa afirmação é contraditória. O presidente do MPLA é o chefe do governo há 30 anos. O poder do presidente, tanto no governo como no seu partido, é omnipotente. Assim, a responsabilidade primária pelo desempenho do MPLA, na Assembleia Nacional, recai sobre José Eduardo dos Santos.

A nova constituição, aprovada a 21 de Janeiro de 2010, limita ainda mais a possibilidade de fiscalização dos actos de governo pelo figurino de eleição do presidente da República. Ao invés da eleição por sufrágio universal directo ou da eleição indirecta, pelo parlamento, a nova constituição determina que o cabeça de lista do partido vencedor das eleições legislativas seja indicado Presidente da República (Artigo 109). Esse modelo, inventado pelo MPLA, não permite a separação de poderes nem a prestação transparente de contas por parte do chefe do governo, mas a concentração excessiva de poderes na figura do Presidente da República ou do presidente do partido. Na eventualidade dos dois cargos não serem ocupados pela mesma pessoa, os poderes estarão concentrados nas mãos do presidente do partido, mesmo que este não seja deputado. Em última instância, é o presidente do partido quem determina a escolha do cabeça de lista e dos candidatos a deputados da sua formação. O MPLA detém a maioria absoluta na Assembleia Nacional, com 191 dos 220 deputados.

Em relação ao Tribunal de Contas, a opinião pública ignorou uma admissão grave do presidente. Ele afirmou, no discurso de 29 de Novembro de 2009, que o MPLA não tem cumprido com o seu papel de fiscalização através do Tribunal de Contas.1 A Lei Constitucional garante a separação de poderes entre o legislativo, executivo e o judicial e, desse modo, a independência dos tribunais. Não cabe ao MPLA fiscalizar a gestão do executivo através do Tribunal de Contas. Se o MPLA age através do tribunal é no sentido contrário, a de neutralizar a sua capacidade de acção ou a de esvaziar a sua independência. Exemplo disso é o facto do Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, ter ignorado, em 2005, a condenação do então embaixador de Angola na África do Sul, Isaac dos Anjos, por desvio de fundos na gestão do Fundo de Pensões. O condenado foi promovido a governador da Huíla com maiores responsabilidades na gestão de fundos e de património do Estado. Segundo, no mesmo discurso, o presidente denunciou o aproveitamento da inércia do MPLA “por pessoas irresponsáveis e por gente de má-fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de actos de gestão ilícitos e mesmo danosos ou fraudulentos”.

As pessoas por si acusadas são membros da sua administração. Esse tipo de discurso presidencial é recorrente sempre que José Eduardo dos Santos sente necessidade de reafirmar a sua liderança, quando o descontentamento público se multiplica na sociedade.

Dos Santos acusa os seus subordinados de forma indiscriminada e apresenta-se como inocente. Em 2007, na reunião extraordinária do Comité Central do MPLA, o presidente denunciou a promiscuidade praticada por membros do governo e responsáveis da administração pública no uso da função pública para a realização de actividades empresariais privadas.

Em 2001, o presidente assegurou que a democracia possibilitaria ao cidadão maior participação no combate à corrupção e à ineficiência do governo. Na abertura do IV Congresso do MPLA, em 1998, Dos Santos declarou que “a corrupção é um problema preocupante que deve ser atalhado com medidas de carácter político, jurídico e de polícia sob pena de perdermos o seu controlo”.

Numa reunião do Comité Central do MPLA, a 16 de Fevereiro de 1996, o presidente manifestou-se contra “o capitalismo selvagem que de há três anos a esta parte se tem estado a instaurar no país (…)”. Dos Santos afirmou que tal prática, no seio da elite dominante, afastava o MPLA dos seus objectivos fundamentais: “ a distribuição equitativa da riqueza e do rendimento nacional, a solidariedade e a justiça social”.

Durante a crise económica de 1996, numa mensagem à Nação, o presidente prometeu transparência na acção do governo e medidas de prevenção contra a corrupção e o tráfico de influências, ao nível do governo e da administração do Estado. No referido discurso, o chefe de Estado e do Governo garantiu que iria “pôr definitivamente cobro à elevada criminalidade, ao roubo organizado e à dilapidação do património do Estado”.

No entanto, a corrupção continua a determinar a acção do governo, sem que o presidente e chefe do Governo tome medidas sérias e adequadas para estancar o saque do património do Estado. A responsabilidade primária por actos de natureza criminal, cometida por dirigentes, deve ser assacada, em primeira instância, ao chefe do Governo, a quem cabe a responsabilidade exclusiva de nomear e demitir os membros do governo, assim como orientar, supervisionar e disciplinar os seus actos.

Terceiro, o líder do MPLA e chefe do Governo reiterou, em Dezembro passado, o seu compromisso com a imposição de uma política de tolerância zero contra a corrupção. Até ao momento, passados dois meses, o presidente, ou o seu governo, não apresentou qualquer plano ou programa de combate à corrupção. Ficou-se apenas pela retórica.

Todavia, a ideia deve ser interpretada como um convite à nação para a denúncia pública dos actos de corrupção no seio do governo e da administração pública, do saque do património do Estado e do enriquecimento injustificável da elite dominante.

A denúncia deve ser um passo fundamental para a reflexão nacional sobre a necessidade de mudança de mentalidades, sobretudo, e de reformas legais, político-administrativa, sócio-económicas e ética da sociedade angolana. Assim aconselhava a Comissão Multidisciplinar de Estudo do Fenómeno da Corrupção na Sociedade Angolana, coordenada pelo saudoso Lázaro Dias, então ministro da Justiça, e criada por despacho presidencial n° 22/90 de 15 de Setembro.

O comércio do MPLA

A 21 Setembro de 1992, uma semana antes das primeiras eleições gerais multipartidárias, na história de Angola, ilustres figuras do MPLA deram corpo à criação formal e legalizada do conglomerado de negócios do partido no poder, a GEFI – Sociedade de Gestão e Participações Financeiras. Para o acto subscreveram, em nome do MPLA, os seguintes dirigentes:

Francisco Magalhães Paiva, então ministro do Interior, actualmente deputado e, desde então, membro do Bureau Político do MPLA;
José Mateus Adelino Peixoto, então chefe da Casa Civil do Presidente da República, actual secretário-geral dos Serviços de Apoio ao Presidente da República e membro do Comité Central do MPLA;
António de Campos Van-Dúnem, então assessor jurídico do Presidente da República;
Augusto Lopes Teixeira, na altura membro do Bureau Político e presidente do Conselho de Administração da Angola-Telecom, Empresa Pública;
Carlos Alberto Ferreira Pinto, é deputado e membro do Bureau Político do MPLA;
Fundação Sagrada Esperança, braço social e comercial do partido.

A actual carteira de negócios da GEFI S.A inclui a sua participação em 64 empresas que operam no domínio da hotelaria, indústria, banca, pescas, comunicação social, construção, imobiliária, etc. Dada a extensão dos seus negócios, o presente texto apresenta apenas um resumo das suas actividades, com base na disponibilidade de documentos oficiais. A investigação realça, em particular, o modo como o governo tem alienado, de forma obscura, património do Estado a favor da GEFI para benefício financeiro e patrimonial do MPLA.

Aviação

Em Abril passado, as autoridades angolanas concederam permissão à companhia aérea Fly540 Angola para iniciar as suas operações no país. De acordo com declarações públicas da multinacional Lonrho, sócia-gestora da empresa, os voos da Fly540, com dois aviões do tipo ATR72, cobrirão inicialmente seis das 18 províncias do país Cabinda, Luanda, Zaire (Soyo), Benguela, Huambo e Malanje.

O capital maioritário da Fly540 é detido pela GEFI S.A (51%), por via da sua empresa de aviação a Planar, enquanto o investidor externo, a Lonrho, fica com 49% da sociedade e com direito a 60% dos lucros, de acordo com o comunicado de imprensa da Lonrho de 9 de Outubro de 2007. A Planar contribui, para o consórcio, com os seus activos que incluem licença de serviço aéreo, um hangar de 1,000 m², alienado pelo Estado no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, e escritórios.

À luz do direito angolano, a constituição da Fly540 Angola apresenta um sério problema. O actual secretário do Conselho de Ministros, Joaquim António Carlos dos Reis Júnior, na sua qualidade de gestor de negócios do MPLA e, por conseguinte, da GEFI, é formalmente, o maior accionista da Planar, com 20% das quotas. Ou seja, o secretário do Conselho de Ministros é o testa-de-ferro da GEFI no negócio da aviação. Quatro outros indivíduos ligados ao MPLA representam, em nome da GEFI, 60% do capital da Planar e repartem entre si, de forma equitativa, os restantes 20% como accionistas individuais. Assim, a GEFI é, de facto, detentora de 80% do capital da Planar. O seu modelo de gestão e de participação em negócios funciona de acordo com uma lógica de suposta lealdade partidária dos seus membros, na representação dos seus negócios. Isso cria uma grande confusão na hora de distinguir os negócios partidários, do Estado e privados dos dirigentes do MPLA e do Governo.

Todavia, do ponto de vista legal, a responsabilidade primária recai a quem subscreve directamente as quotas e no caso da Planar, o maior subscritor é o secretário do Conselho de Ministros. Desse modo, Joaquim António Carlos dos Reis Júnior está abrangido pelo Artigo 10° (2) da Lei 21/90, conhecida como a Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade, que proíbe a participação económica em negócio, por parte dos detentores de cargos públicos. A Fly540 Angola, para operar, teve de obter autorização do governo, na pessoa do ministro dos Transportes, Augusto Tomás. Este, por sua vez, depende da autoridade do secretário do Conselho de Ministros para submeter qualquer proposta a este órgão. A relação institucional entre Augusto Tomás e Joaquim António Carlos dos Reis Júnior propicia uma situação de tráfico de influência, conforme definição similar constante nas convenções da União Africana (Artigo 4°, 1, f) e das Nações Unidas contra a Corrupção (Artigo 18°, a, b), assim como o Protocolo da SADC contra a Corrupção (Artigo 3°, 1, f), como acto de corrupção. Esses tratados foram incorporados no direito angolano e se lhes é aplicada moldura penal através do Artigo 321° do Código Penal angolano, com agravação especial prevista no Artigo 4° (1) da Lei dos Crimes Cometidos pelos Titulares de Cargos de Responsabilidade.

Por sua vez, a acção da Lonrho, em associar-se à Planar, na qual o accionista maioritário é um dirigente, Joaquim António Carlos dos Reis Júnior, com capacidade de influência nas suas relações com o Estado, gera uma situação passível de corrupção activa segundo definições similares do Protocolo da SADC contra a Corrupção (Artigo 3, 1, b), da Convenção da União Africana contra a Corrupção (Artigo 4, 1, b) da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Artigo 15, a). A Lonrho é uma companhia listada nas bolsas de valores de Joanesburgo, Johannesburg Stock Exchange (JSE), e de Londres, London Stock Exchange (AIM).

Hotelaria

Em Luanda, a GEFI é proprietária do Hotel Tivoli, detém participações no Hotel Presidente Le Meridien (20%), e beneficiou da cedência de 20% das quotas da Serafim L. Andrade, a empresa proprietária do Hotel Trópico, através do Despacho n° 55/00 de 10 de Março do ministro da Indústria. A construtora portuguesa Teixeira Duarte, a investidora, detém 80% das quotas.

Na capital, no âmbito do processo de privatizações, a GEFI beneficiou da alienação integral do Farol Velho à Ilha de Luanda, cujo edifício foi destruído para dar lugar a um novo empreendimento. No Hotel Turismo, que em 1992 albergou parte da direcção da UNITA e, como consequência, foi destruído durante o conflito pós-eleitoral, a GEFI detém 25% das acções. Por sua vez, a Sogec, como subsidiária da GEFI, titula igual número de acções. Está prevista a construção do Novo Hotel Turismo no local.

A 20 de Maio de 2009, o Estado procedeu à venda integral do Hotel Zimbo, em Luanda, à GEFI, por uma quantia simbólica, equivalente a US$ 527,000. No mesmo dia, o Estado procedeu à liquidação de uma segunda unidade hoteleira em Luanda, a favor da GEFI, ao preço equivalente a US$ 260,000.

O Estado alienou, também, a favor do grupo do MPLA, o controlo da maior unidade hoteleira de Cabinda, o Hotel Mayombe (51%), do Hotel Central (80%) e do Hotel Grão Tosco (100%) em Benguela.

Cervejeira

A 16 de Setembro de 2005, o Conselho de Ministros aprovou a privatização da cervejeira Cuca através da resolução 65/05, tendo o Estado transferido, de forma obscura, 51% das suas acções à Soba, uma sociedade mista entre a holding do MPLA, a GEFI, e a Brasseries Internationales Holding (BIH), do grupo francês Castel. Esta última, na qualidade de investidor estrangeiro singular, ficou com 13% das acções da Cuca. A empresa francesa detém 75% do capital da Soba e à GEFI cabe 25% da sociedade.

Para além ser uma empresa do MPLA, não são do conhecimento público os investimentos ou contribuições de activos que a GEFI terá feito na sociedade com a BIH, em comparação, por exemplo, com a sua comparticipação na Fly540 acima referida. Todavia, o que importa analisar aqui é o processo de gestão do governo. O Conselho de Ministros é chefiado pelo presidente José Eduardo dos Santos que, ao aprovar a alienação da Cuca, estava claramente a beneficiar o aumento da carteira de negócios do seu partido, da entourage presidencial, como é o caso do secretário-geral da Presidência da República, Adelino Peixoto, e outros dirigentes privilegiados do regime.2

Como principal líder do MPLA, a aprovação de projectos que envolvam a GEFI, em sede do Conselho de Ministros, por si dirigido, coloca o Presidente da República numa grave situação de conflito de interesses e numa posição embaraçosa sobre os destinos dados aos lucros da GEFI, informação desconhecida até por vários membros do seu Bureau Político. A questão dos lucros da GEFI merecerá a devida atenção no capítulo referente às conclusões.

Comunicação social, propaganda e telecomunicações

No domínio da comunicação social, o MPLA foi o maior beneficiário do projecto governamental de criação das primeiras quatro rádios comerciais, em FM, no pós-independência. Criadas integralmente com fundos e património do Estado, em 1992, a propriedade das quatro rádios foi transferida, sobretudo, para a holding MPLA, a GEFI. Esta controla, através da sua subsidiária A Foto, a Luanda Antena Comercial – LAC (60%), enquanto os jornalistas José Rodrigues, Luísa Fançony e Mateus Gonçalves detém 40% das quotas. Em Benguela, a GEFI, através da sua subsidiária Sopol, é proprietária da Rádio Morena (80%), cabendo ao cidadão António Mendes Filipe as restantes acções. Na Huíla, a Pontual S.A, subsidiária da GEFI, controla a Rádio 2000 (75.50%), enquanto os jornalistas Horácio Reis e Carlos Andrade mantêm 25% da sociedade. Em Cabinda, a Rádio Comercial de Cabinda é pertença da subsidiária da GEFI, a Orion (60%) e dos gestores locais André Filipe Luemba (20%) e Pedro Simba (20%).

Por sua vez, a Orion é um caso interessante na demarcação de fronteiras entre o Estado e o partido no poder. A Orion é uma sociedade entre a GEFI (70%), o anterior ministro da Comunicação Social (1992-2005) e actual embaixador no Egipto, Hendrick Vaal Neto, que detém 11% das acções, a ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço (5%), e outras figuras do MPLA subscrevem os restantes 14% da sociedade.

Desde 1992, a Orion tem sido o pivô da propaganda oficial do governo e do MPLA. Esta empresa serve de fronte, providencia as instalações e assistência à empresa brasileira M’Link, de Sérgio Guerra, que concebe, produz e cuida da divulgação da propaganda do governo e do MPLA, com destaque, para a comunicação social.

Nos últimos 10 anos, o Ministério da Comunicação Social tem pago anualmente cerca de 24 milhões de dólares à M’Link, pelos serviços de propaganda prestados ao governo e ao MPLA, sem distinção das encomendas. Esse acordo foi assinado por Hendrick Vaal Neto que, assim, passou a ser também um beneficiário directo dos lucros da empreitada, em contravenção à Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos Públicos, que proíbe o governante de beneficiar das funções e contratos com o Estado, para proveito próprio.

Por sua vez, a M’Link tem como sócio-gerente o jornalista e deputado Luís Domingos, do MPLA, que reparte 10% das quotas com Francisca Pacavira. Durante vários anos, o jornalista apresentou, na TPA, o programa de propaganda semanal “Angola em Movimento”, produzido pela referida empresa, em nome da Orion. A Lei Constitucional (Artigo 82°, 1, c) determina, como incompatível o mandato de deputado com o exercício do cargo de sócio-gerente de sociedades privadas. O deputado não declarou incompatibilidade e continua a exercer ambas as funções com o beneplácito da direcção do MPLA.

Na Pontual, uma empresa de serigrafia, alienada pelo Estado, a estrutura accionista comporta a GEFI (70%), o secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo “Dino Matross” (5%), o presidente do Conselho de Administração da GEFI e membro do Bureau Político, Mário António de Sequeira e Carvalho (5%) e os restantes 20% distribuídos entre antigos gestores da empresa e militantes do partido. Outras empresas estatais do sector alienadas a favor da GEFI, como accionista maioritária, são A Foto (73%), as gráficas Impresso (41%), em Benguela, e Edigráfica (27%).

Banca e finanças

No sector bancário, de acordo com o último relatório e contas do Banco Sol, a GEFI é a accionista maioritária desta instituição bancária, 55% das quotas, e fá-lo através da sua subsidiária Sansul. Nesta, a GEFI detém 99% do capital e quatro militantes repartem simbolicamente o porcento remanescente. A primeira-dama Ana Paula dos Santos, o vice-presidente da Assembleia Nacional e membro do Bureau Político do MPLA, João Lourenço, e o antigo ministro das Finanças e actual deputado do MPLA, Júlio Bessa, são accionistas directos, cada um com 5% das quotas do banco.

Em relação ao Banco Comercial Angolano (BCA), controlado pelo ABSA/Barclays (50%) como investidor, a GEFI detém apenas 1.8% das quotas. Ilustres membros do regime, como o secretário-geral do MPLA, Julião Mateus Paulo, os ministros dos Transportes e das Pescas, Augusto Tomás e Salomão Xirimbimbi, assim como o governador da Huíla, Isaac dos Anjos, e os deputados Fernando França Van-Dúnem e Dumilde Rangel, entre outros, constituem o quadro de accionistas.

A GEFI também diversifica os seus investimentos através de duas empresas offshore, a Faierden, onde detém 100% do capital, e a Invest, na qual tem 20% das acções. Essas empresas estão registadas no Panamá, não havendo informação disponível sobre o tipo de aplicações financeiras que fazem ou outros negócios em que se envolvam.

Indústria

No sector industrial, a participação da holding do MPLA é curiosa, em contraste com a dos dirigentes do partido no poder. O governo tem transferido, sem concurso público, a titularidade das principais moageiras do país à GEFI, enquanto as principais figuras do regime partilham entre si, para enriquecimento pessoal, consideráveis acções nos blocos de petróleo e nas concessões diamantíferas. Todavia, o negócio das moageiras tem grande importância política, económica e social pois significa, em parte, o controlo do principal alimento básico no país, o pão, assim como da farinha de milho, que serve de prático básico no sul de Angola.

A 14 de Julho de 2008, o ministro da Indústria e o então secretário de Estado para o Sector Empresarial Público, Joaquim David e Augusto Tomás, exararam o Decreto Executivo Conjunto n° 91/08, referente à privatização total e por ajuste directo dos activos móveis e imóveis da Moagem Cimor, na Matala, província da Huíla. Fizeram-no a favor da Seipo (50%), uma subsidiária da GEFI, do empresário local Fernando Borges (35%) e de outros pequenos subscritores, incluindo trabalhadores e quadros locais (15%). Por sua vez, na Seipo, o MPLA representa 55% das acções da GEFI, enquanto os seus deputados João Marcelino Typinge e Alfredo Berner, assim como o ministro da Defesa, Kundy Paihama, beneficiam de 14% das quotas, cabendo as restantes a outras figuras do MPLA.

Do ponto de vista legal, a transferência de quotas do Estado para a Seipo está sujeita ao tráfico de influência. A Lei 21/90 (Artigo 10°, 2) proíbe os membros do governo, como é o caso do ministro da Defesa, de participação económica em negócio que envolva o Estado.

Até Maio de 2008, a Cimor produzia diariamente 300 toneladas de farinha de milho. Segundo informações prestadas ao Jornal de Angola pelo seu gestor, Edgar Macedo, a moageira previa triplicar a sua produção diária para melhoria do abastecimento à região sul.

O referido decreto justificou a privatização “no âmbito da estratégia de desenvolvimento da indústria alimentar a reabilitação e ampliação das capacidades produtivas das indústrias de moagem de milho (…)” assim como “para fazer participar o sector privado no desenvolvimento das referidas indústrias”.

Dez anos antes, a 31 de Julho de 1998, os ministros da Indústria e das Finanças na altura, Manuel Duque e Alcântara Monteiro, exararam o Decreto Executivo Conjunto n° 39/98, para a privatização total e por ajuste directo da Moagem Heróis de Kangamba, em Viana, Luanda, a favor da GEFI (60%) e da sua subsidiária Sengoservice (40%). Conforme justificação ministerial, a privatização enquadrou-se “no âmbito da estratégia de desenvolvimento da indústria alimentar e do Programa do Pão (…)” assim como “para fazer participar o sector privado no desenvolvimento das referidas indústrias”. Após a privatização a empresa, que é a maior do país no sector, foi re-baptizada Moagem Kwaba. Por sua vez, a GEFI atraiu um investidor estrangeiro, a empresa americana Seabord, com quem negociou a transferência de 45% das suas acções. No entanto, desde 2006, a Moagem Kwaba se encontra paralisada devido a problemas de gestão e de investimento.

Como parte da aludida estratégia, e como figurino institucional do processo de privatizações, todas as moageiras deveriam ter sido submetidas a concurso público, salvaguardas as quotas para trabalhadores e pequenos subscritores locais.

Formalmente, os ministros da Indústria e das Finanças anunciaram o concurso público para a privatização de 60% das acções das moageiras Saidy Mingas e Aliança no Lubango, província da Huíla. Outro exemplo de concurso público, no sector, foi a privatização dos activos da Empresa Industrial de Produtos Alimentares (EMPAL) situada no Lobito, em Benguela, a favor do Fundo Lwini, da primeira-dama Ana Paula dos Santos. No Decreto Executivo Conjunto n° 31/00 de 21 de Abril de 2000, os então ministros das Finanças e Indústria, Joaquim David e Albina Assis, consideraram que “não houve participação de entidades singulares ou colectivas, no concurso público oportunamente aberto para a alienação da referida unidade” e, por conseguinte, transferiram, por ajuste directo a titularidade da empresa para o Fundo da primeira-dama. Apesar desta transacção revelar um quadro de tráfico de influência a favor da esposa do Presidente José Eduardo dos Santos, o expediente de submeter a empresa a concurso público é prova bastante do cumprimento conveniente da lei e das regras de transparência por parte dos dirigentes do MPLA.

A GEFI, através da sua subsidiária Sogepang, beneficiou ainda de 20% das acções da Cerangola, a segunda maior fábrica de transformação de cereais no país, localizada em Benguela. Nesse projecto a americana Seabord também foi convidada a intervir com o seu know-how. O gosto do MPLA pelo negócio do pão estende-se ainda à Sociedade dos Industriais de Panificação de Luanda (Sopão), onde a GEFI detém 20% das acções e é o segundo maior accionista, depois da Martal com 35% do capital.

Apesar das privatizações, o Estado continua a intervir no sector e por via de mecanismos que levantam mais dúvidas. Como parte do relançamento da indústria de transformação alimentar, o governo anunciou, em Maio passado, na Conferência sobre o Relançamento da Indústria Transformadora 2009-2012, um investimento de 100 milhões de dólares na construção de duas moageiras de trigo, com capacidade de produção de mil toneladas diárias. O JP Morgan e os bancos locais serão os credores das fábricas a serem construídas nas províncias do Bengo e do Kwanza-Sul.

O director de Estudos e Planeamento do Ministério da Indústria, José Gonçalves, revelou, na referida conferência, a reabilitação, para breve, das moageiras Kwaba, Cerangola e Saydi Mingas, está última localizada na Huíla, com um custo total de 33 milhões de dólares a ser financiados por bancos comerciais.

A fronteira entre o investimento público e o privado, em projectos como os anunciados na conferência, tem sido bastante difusa. O governo tem feito avultados investimentos na indústria e noutros sectores para, depois, transferir, praticamente como “oferta”, a titularidade de todos os activos móveis e imóveis para empresas pertencentes a dirigentes. Todavia, esse assunto é uma outra maka a ser abordada em tempo oportuno.

Negócio Automóvel

Um exemplo mais apurado do uso do poder do Estado, para benefício dos negócios particulares do MPLA e das famílias reinantes, é o caso da linha de montagem de viaturas Volkswagen e Skoda em Angola. A 23 de Dezembro de 2004, o Conselho de Ministros aprovou a Resolução n° 39/04 autorizando a Agência Nacional de Investimentos Privados (ANIP) a celebrar um contrato de investimentos com a empresa americana Ancar Worldwide Investments Holding, avaliado em 48 milhões de dólares. A 26 de Janeiro de 2005, a ANIP rubricou o contrato para a montagem de 160 viaturas por dia das referidas marcas, no Pólo Industrial de Viana, em Luanda.

Esse contrato foi assinado após a ANCAR se ter comprometido a ceder 49% das quotas da sua filial em Angola a cinco entidades nacionais, a saber:
Acapir Lda., empresa da filha do Presidente da República, Welwitchia dos Santos, vulgo Tchizé dos Santos.
Mbakassi & Filhos, representante oficial da Volkswagen em Angola;
GEFI, empresa do MPLA;
Suninvest, braço de investimentos da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), instituição privada do Presidente da República;
Tchany Perdigão Abrantes, prima de Tchizé dos Santos, filha do Presidente da República.

Três dias após a assinatura do contrato, o presidente da FESA, Ismael Diogo, convocou, para uma reunião na sede da FESA, um representante da Ancar, Carlos Garcia, o proprietário da Mbakassi & Filhos, António Mosquito, e, como testemunha, o então administrador da FESA e presidente da Suninvest, António Maurício.

Ismael Diogo expediu a convocatória, conforme a acta do encontro, “na qualidade de mandatário de Sua Excia, o Presidente da República Eng. José Eduardo dos Santos, para esclarecimento das circunstâncias e veracidade de que a participação na sociedade ‘Ancar – Automóveis de Angola’ da ACAPIR Lda. se devia ao facto de uma sócia ser filha do Chefe de Estado para a obtenção de favores deste para aprovação do projecto de investimento da Ancar Worldwide Investments Holding (…)”

A Mbakassy & Filhos sentiu-se lesada ao lhe ter sido retirados 16% da quota a si destinada para acomodação da filha do presidente, então nomeada vice-presidente do Conselho de Administração da Ancar – Automóveis de Angola. Segundo a acta “Em momento nenhum a Ancar Worldwide Investments Holding justificou a oferta de 16% a ACAPIR Lda. ao facto de dela ir beneficiar de favores de Sua Excia. o Presidente da República na aprovação do projecto”. A decisão final na aprovação do projecto da Ancar, em Conselho de Ministros, coube ao Presidente Dos Santos, como chefe do Governo.

A importância da nota sobre a Ancar reveste-se no facto de ter havido uma disputa de interesses comerciais ao nível do regime e não sobre a legalidade e transparência do negócio. José Eduardo dos Santos esteve enredado num acto de claro tráfico de influência a favor da sua fundação, da sua filha, e da GEFI, empresa do seu partido, a quem cabe 12% das quotas do projecto.

O caso, a nível interno, mereceu outra reunião para melhor redistribuição das quotas entre os interesses da família presidencial, a participação comercial do MPLA e do empresário Mosquito, um privilegiado das políticas exclusivas de distribuição de riqueza do MPLA.

Todavia, segundo informações veiculadas pela imprensa alemã, em Julho de 2005, o presidente da Volkswagen, Bernd Pischetsrieder, adiou os planos de instalação da linha de montagem de viaturas, em Angola, devido a alegações de corrupção de gestores seus ligados ao projecto.

Na indústria auto, a GEFI foi beneficiária da privatização, por ajuste directo, da fábrica de pneus Mabor. Para o efeito, a GEFI ficou com 60% das quotas da empresa proprietária da referida unidade fabril, de grande porte. A mesma encontra-se paralisada.

Outros negócios

No comércio a retalho, a GEFI beneficiou da privatização do maior hipermercado do país, o Jumbo, situado em Luanda. Esta empresa estabeleceu uma parceria com a terceira maior empresa francesa do ramo, o Grupo Auchan , tendo ficado com 51% das quotas enquanto os franceses detém, desde 1996, 30% do capital da sociedade Jumbo, SARL. Outros sócios, incluindo o actual secretário do Conselho de Ministros, Joaquim Reis Júnior, e outros elementos ligados ao regime repartem 19% das quotas.

No domínio da construção, o sector que mais tem crescido no país nos últimos anos, a GEFI capitalizou 20% das quotas da empresa portuguesa Martifer, em Angola, na fábrica de estruturas metálicas localizada em Viana, Luanda. Esta, por sua vez, é uma subsidiária da construtora portuguesa Mota-Engil, que se encontra numa fase de expansão dos seus negócios em Angola, através do estabelecimento de parcerias com figuras influentes do regime. Este é o padrão de investimento seguido pelas empresas portuguesas e dos demais países que prosperam no mercado angolano.

Todavia, quando incapaz de atrair um investidor e gestor estrangeiro, o quotidiano da capacidade empreendedora da empresa do MPLA arrepia. Como gestora da Feira Popular de Luanda, a Sengoservice, subsidiária da GEFI, há pouco mais de cinco anos transformou o maior parque de diversões do país num mercado ambulatório de venda de roupas e quinquilharias. A acumulação particular de propriedades, pelo MPLA, através da privatização do património do Estado, também inclui todos as activos móveis e imóveis da antiga fábrica de botões, que se mantém paralisada, e livrarias, na cidade de Luanda. A GEFI também fatura a vender milhares de cabazes de Natal a instituições do Estado e entidades privadas, através da sua subsidiária Dilog, de cuja gestão está confiada a um cidadão estrangeiro de nome Amin Herji.

No quadro das privatizações, a GEFI tem negociado, com o Ministério das Pescas, a gestão da fábrica de transformação de peixe, Kapiandalo, localizado em Benguela, assim como a transferência de 60% do capital da sociedade para a sua propriedade, sem concurso público ou critério de transparência para benefício do Estado. A empresa do MPLA , no ramo das pescas, é co-proprietária da Epata Fishing, possui licença para pescar em águas namibianas. Como accionista, a GEFI intervém noutras empresas de pesca.

É de referir, também, a incursão dos negócios privados do MPLA no domínio da segurança privada. A GEFI é a proprietária exclusiva da empresa Socorro, que garante protecção à sede e outras instalações do seu partido, assim como às residências dos seus líderes. A Sambiente, é a segunda empresa do grupo, vocacionada para a segurança industrial apesar do seu mau funcionamento actual.

A 16 de Março de 2006, a GEFI associou-se às empresas estatais Sonangol, Endiama, Porto de Luanda, Fundo de Desenvolvimento Económico e Social, Grupo Ensa e a mais 18 entidades privadas na constituição como sócios fundadores, sob forma de sociedade anónima, da Bolsa de Valores e Derivativos de Angola, cuja entrada em funcionamento está prevista para breve.

Conclusões

Das várias abordagens feitas junto de figuras ligadas ao poder, sobre os negócios do MPLA, há convergência sobre a falta de informação, mesmo no seio do Comité Central e do Bureau Político, sobre o património real acumulado pela GEFI, a sua gestão, os seus lucros anuais e o destino dado ao dinheiro.

Após o V Congresso desse partido, em 2003, o seu presidente, José Eduardo dos Santos, encarregou o membro do Comité Central e PCA da Sonangol, Manuel Vicente, para fiscalizar os negócios do MPLA, em particular a GEFI, para melhor gestão e maior retorno de lucros. Apesar dessa medida, o destino dos lucros dos negócios do MPLA permanece um mistério, assim como o seu modo de gestão. Como contraste, algumas figuras do MPLA referem ao modo exemplar como a Maboque, outra holding criada pelo partido no poder, tem prestado contas e contribuído sobremaneira para os seus cofres.

A Maboque é a empresa que cimentou a sua reputação na sociedade angolana, ao oferecer anualmente um prémio de jornalismo no valor de US$ 100,000. O deputado do MPLA e director da Revista África 21, João Melo venceu a última edição, de 2009.

Todavia, o modo como o MPLA emprega os fundos contribuídos pela Maboque levanta outras questões que merecem outra maka.

A transferência de património do Estado para a GEFI deve ser entendida no contexto institucional de divisão dos recursos do Estado entre certas figuras, famílias da elite dominante e seus associados nacionais e estrangeiros. Das pesquisas que tenho feito nos últimos três anos, aprendi sobre o modus operandi de um gabinete nos Serviços de Inteligência Externa (SIE) que se tem ocupado da distribuição de privilégios comerciais entre dirigentes, famílias, colaboradores e cooptados. Esse grupo chega a constituir sociedades comerciais, a escolher os seus sócios e a sugerir o património do Estado que deve ser transferido para a sua propriedade, assim como as parcerias com investidores estrangeiros. A decisão final, na distribuição de riqueza, por essa via, cabe sempre ao Presidente da República.

Em 1980, durante o seu congresso extraordinário, o MPLA assumiu, como a sua maior decisão, “a subordinação do Estado e de toda a actividade económica e social” à sua liderança. A liberalização da economia tem sido usada, pelo regime, para a realização de um sistema mais perverso do que o criado pela decisão tomada pelo MPLA há trinta anos. Actualmente, o Estado, toda a actividade económica e social do país, assim como as próprias estruturas do MPLA, estão submetidas ao controlo absoluto e privado dos interesses comerciais que animam as famílias reinantes.

A respeito da reafirmação do MPLA, no seu VI Congresso, decorrido em Dezembro de 2009, como um partido de esquerda preocupado com a situação dos mais desfavorecidos, a realidade é diferente e a ideologia irrelevante. O conceito de solidariedade social e de igualdade de oportunidades é exclusiva aos membros selectos da elite dominante atarefada com o saque do país.

Em 2001, o Presidente da República investiu o então deputado do MPLA, Julião António, para um mandato de três anos como Juiz Presidente do Tribunal de Contas. A 28 de Dezembro de 2008, o juiz conselheiro do Tribunal de Contas, José Magalhães, denunciou, em carta publicada no Semanário Angolense, que Julião António se encontra em funções ilegais desde 2004, data em que terminou o seu mandato. Desde então, o referido juiz não mais foi nomeado nem tomou posse conforme o estabelecido pela legislação em vigor que, por sua vez, estabelece um limite de dois mandatos. O Juiz Magalhães revela que os actos correntes administrativos e forenses assinados por Julião António estão feridos de nulidade.

(*) Artigo publicado em 4 de Fevereiro de 2010

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