A nossa identidade

Uma das componentes da doutrina colonial, para além da ocupação militar, a pilhagem da terra e dos homens, o colonialismo tinha também a missão de “civilizar os indígenas” e transformá-los em gente “bem educada”, dócil, obediente e assimilada, capaz de comportar-se como o próprio colono, capaz de falar bem a língua do colono, vestir-se como o colono com a gravata como símbolo da “civilização ocidental”, comer com a ajuda de garfo e faca, abandonar os usos, costumes, língua tradições autóctones.

Por Lukamba Gato

Fomos todos, uns mais do que os outros, vítimas daquela política que visava desenraizar todo um povo encontrado na sua própria terra, com identidade cultural própria.

Apesar de quase cinco séculos de ocupação do nosso país pelos colonos portugueses, graças às mais diversas formas de resistência dos nossos antanhos, muitos dos povos de Angola conseguiram conservar intactos os valores da sua identidade cultural.

Infelizmente, depois de batido o colonialismo, em 1974/5, as lideranças dos nossos Movimentos de Libertação engajaram-se em agendas divisionistas e anti patrióticas ao serviço dos contendores da guerra-fria, fazendo opções completamente alheias aos interesses mais profundos dos angolanos, o que levou o país a mergulhar num longo conflito armado fratricida que adiou sine die o reencontro entre angolanos, tão necessário ao resgate dos nossos valores culturais violentamente cilindrados durante a longa noite colonial.

É verdade que somos hoje um país independente, graças ao esforço consentido pelos valorosos combatentes pela liberdade do nosso país, temos um Presidente angolano, uma nova Bandeira, um Hino, a nossa moeda, as nossas Forças Armadas.

Todavia, é igualmente verdade reconhecer que do ponto de vista cultural as elites do nosso país que assumiram as rédeas do país em 1975 ficaram aquém da expectativa gerada pela ascensão do país à sua independência e nos nossos dias é ainda notória a tendência cada vez maior de acentuar a descontinuidade com os valores que conformam a identidade dos povos de Africa, contrariamente à postura assumida pelas elites da grande maioria dos países do nosso continente e da Região Austral em particular.

É só vermos os acesos debates tipo chacota, nas redes sociais à volta, por exemplo, da dicção de algumas individualidades da nossa praça em língua portuguesa, como se em Angola fosse obrigatória a pronúncia lisboeta da língua de Camões. É que muitos de nós aprendemos a falar a língua portuguesa na escola a partir dos 6 anos de idade e não em casa, o que faz com que nos sintamos muito à vontade em matéria de sintaxe e menos na fonética. Não deviam por isso julgar-nos com tanto rigor assim, nessa matéria.

Neste dia dedicado ao nosso continente, queria relançar a tão propalada mas nunca equacionada e muito menos implementada questão da necessidade e urgência do RESGATE DOS VALORES DA NOSSA IDIOSSINCRASIA, o que passa pela criação de uma comissão nacional constituída por personalidades de prestígio reconhecido e especialistas nas várias áreas das ciências sociais.

É preciso um trabalho aturado de pesquisa ao nível de todos os grupos que constituem o nosso vasto mosaico sociocultural para rebuscar os nossos valores e adequá-los à realidade actual de Angola, como grandes referentes em matéria de expressão cultural.

É preciso agir rápido. Não podemos continuar na actual situação de verdadeira deriva cultural.

Em 1995/6 no Bailundo, o maliano Alioune Blondin Beye, na altura Representante Especial do Secretário-Geral da ONU em Angola disse-me: “É impressionante como o colonialismo vos marcou. Mesmo os povos do interior como os Ovimbundu não usam roupa tradicional? Nós no Mali temos a nossa roupa tradicional mas também usamos roupa Ocidental.”

Neste dia e porque no nosso país ainda não tivemos tempo para definimos qualquer tipo de indumentária condizente com a nossa condição de angolanos na sua ampla diversidade, a minha mulher e eu decidimos homenagear alguns dos povos da nossa região, a SADC, que a pesar do longo convívio com culturas de outras latitudes, conseguiram conservar e valorizar as suas tradições, para o orgulho de muitos de nós.

Assim, os nossos amigos na Africa do Sul de Nelson Mandela, Botswana de Sir Seretse Khama, e Swatini de Sobhuza II, Tanzania de Mwalimu Julius Nyerere, Kenya de Jomo Kenyatta e Ethiopia de Haile Selassie, poderão rever-se de uma ou de outra forma na maneira como nos vestimos para a ocasião.

Num dia como o de hoje não podemos esquecer os nossos maiores que deram também uma grande contribuição para a libertação total da África.

Falo de Jonas Malheiro Savimbi, Agostinho Neto e Álvaro Holden Roberto,

Viva a África!

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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One Thought to “A nossa identidade”

  1. José

    Em 1975 nenhum dos movimentos de libertação venceu alguma coisa, apenas recebeu o mpla o país admnistrivamente, de Portugal.
    Analisemos o que o povo angolano ganhou com esta transicaio para a independencia. Depois de entregue, unilateralmente ao mpla, seguiram-se anos de uma guerra fratricida, o povo angolano continua na maior das misérias, sem qualquer apoio do estado. Meia dúzia vivem milionária ente… Isto é que é o marxism-leninismo? Só tretas

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