Ao mesmo tempo em que procura silenciar as vozes dissonantes, o Governo angolano aprovou o Regime Jurídico de Autofacturação, que pretende “reduzir os níveis e segmentos de informalidade”, que representa cerca de 40 por cento da economia do país. É uma tentativa, mais uma, de apesar da crise aumentar o número de pobres. Pelos vistos os actuais 20 milhões não chegam para a saciar o MPLA.
Segundo o comunicado do Conselho de Ministros, que se reuniu sob coordenação do Presidente João Lourenço, foi aprovado o Regime Jurídico da Autofacturação, que visa “reduzir os níveis e segmentos de informalidade, integrando no segmento formal da economia sectores económicos e sociais cruciais”.
Além disso, este diploma quer, em teoria sólida de todos quantos têm, pelo menos, três (boas) refeições por dia, “facilitar a comprovação dos custos que os operadores económicos suportam nas transacções comerciais dos respectivos bens e serviços, assegurando, deste modo, a inclusão de novos contribuintes no sistema tributário”.
O novo regime é aplicável, segundo a nota do Conselho de Ministros, às entidades “com residência fiscal em Angola, que possuam contabilidade e que no exercício das suas actividades económicas adquiram, no território nacional, produtos dos sectores da agricultura, silvicultura, aquicultura, apicultura, avicultura pescas, pecuária e outros, bem como na aquisição de qualquer serviço, nos casos em que a transmissão seja efectuada por pessoas singulares sem capacidade para emitir facturas ou documentos equivalentes”.
Neste âmbito, o Conselho de Ministros apreciou a proposta de lei que aprova o Orçamento Geral do Estado revisto para este ano, “medida essencial para ajustar as decisões de despesa e projecções de receita às condicionantes impostas pelo actual contexto económico mundial e nacional, caracterizado pelo forte impacto negativo da pandemia causada pela Covid-19”, que exacerbou outras crises bem mais antigas, caso da criminosa dependência do petróleo e da não menos criminosa incompetência para diversificar a economia.
A análise de Nuno Álvaro Dala
Vejamos a paradigmática análise “O delírio de «o mais importante é resolver os problemas do povo»”, de Nuno Álvaro Dala:
«Durante 45 anos, o MPLA, no poder desde à fundação de Angola como Estado, tem dito, em sede de palavra de ordem, que «o mais importante é resolver os problemas do Povo».
A frase, atribuída a António Agostinho Neto (1922-1979), é, porém, um delírio político. Demonstrá-lo-emos com recurso aos seguintes critérios de análise.
1 – BALANÇO HISTÓRICO: a 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto leu o seguinte aos Angolanos e Angolanas que assistiam e testemunhavam à cerimónia de proclamação da Independência e Fundação do Estado angolano:
«Longo caminho teremos de percorrer. Teremos de pôr a funcionar em pleno a máquina económica e administrativa, combater o parasitismo de todo o tipo, acabar progressivamente com as distorções entre os sectores da economia, entre as regiões do País, edificar um Estado de Justiça Social. A economia será planificada para servir o homem angolano e nunca o imperialismo devorador. Ela será permanentemente orientada para uma economia autocentrada, isto, é, realmente angolana.»
Transcorrido um «longo caminho» de 45 anos, o balanço do desempenho do MPLA-estado é revelador.
1-1 «A MÁQUINA ECONÓMICA E ADMINISTRATIVA»: naquele ano, isto é, até 1975, Angola tinha tido uma economia liberal próspera, quer devido à existência de exportações consideráveis de produtos agrícolas (café, algodão, açúcar, sisal e outros provenientes de plantações; milho proveniente de explorações tradicionais) e minerais (diamantes, ferro e petróleo) e mesmo de serviços (particularmente através de trânsito para o Shaba, antigo Catanga, pelo caminho de ferro de Benguela), quer devido ao início de um processo de industrialização iniciado décadas antes. Todavia, o MPLA adoptou e estabeleceu uma economia planificada, cuja estrutura administrativa de níveis burocráticos paralisantes, de inspiração marxista-leninista, deixou rapidamente de estar à altura das demandas e, mais do que isto, promoveu o atraso tecnológico-industrial. Os anteriores níveis da agro-indústria decaíram. A economia continuou distorcida, não diversificada e sua petrodependência a tornou vulnerável, facto que se verifica actualmente, numa altura em que, 45 anos depois, a economia angolana passa por uma grave crise que já dura 6 anos, com um cenário quase-apocalíptico em que a dívida pública é de 107% sobre o PIB. Por outro lado, a administração pública angolana é uma tragédia.
1-2 COMBATE AO «PARASITISMO DE TODO O TIPO»: um dos factores estruturais que tornaram a administração pública angolana extremamente burocrática e ineficiente prende-se com o parasitismo. Os titulares de cargos públicos e os funcionários públicos em geral usaram o Estado para enriquecer, de tal sorte que, passados 45 anos, Angola possui mais de 320 multimilionários, e nenhum deles fez a respectiva fortuna com trabalho próprio, isto é, honesto. E são todos do MPLA. Na verdade, mais de 90% da riqueza nacional é detida por cerca de meros 3% da população. Todos os multimilionários de Angola construíram as suas fortunas através do parasitismo. A tremenda mamata levada a cabo durante mais de 4 décadas levou Angola à bancarrota.
1-3 ASSIMETRIAS REGIONAIS: as províncias que se localizam na faixa litoral do País, a saber, Cabinda, Zaire, Bengo, Luanda, Kwanza Sul, Benguela e Namibe, apresentam-se avantajadas tanto em matéria de privilégio e prioridade de investimento público e privado, como em matéria de produção económico-industrial. Em 45 anos, as assimetrias regionais foram agravadas ao extremo.
1-4 «ESTADO DE JUSTIÇA SOCIAL»: além de cerca de 20 000 000 de Angolanos e Angolanas estarem a arfar na pobreza agreste e na miséria, há, em 2020, cerca de 2 500 000 de crianças (8,3% da população) sem acesso à escola (educação). No que diz respeito aos outros serviços sociais básicos (saúde e saneamento básico, água potável, electricidade etc.), Angola, em 2020, ocupa os piores lugares dos rankings de desenvolvimento e qualidade de vida, sendo que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Angola é baixo. O Estado Social é uma ficção.
2- O MODELO DE DESENVOLVIMENTO: no acto fundador do Estado angolano, Agostinho Neto, proclamou:
«Os índices tradicionalmente usados para definir o subdesenvolvimento são plenamente confirmados em Angola. Eles dão a imagem da profunda miséria do Povo angolano. Mas dizer que o nosso Pais é subdesenvolvido não basta, é necessário acrescentar imediatamente que Angola é um País explorado pelo imperialismo; que gravita na órbita do imperialismo.»
2-1 A POBREZA GENERALIZADA E PERSISTENTE: Angola possuía então, em 1975, uma população pobre e com um longo passado de exclusão na sua própria terra. A prosperidade económica colonial beneficiava a população de origem portuguesa e uma pequena fracção de assimilados, que representavam cerca de 10% da população total, segundo o censo de 1970. Havia, pois, a necessidade de um governo que tirasse o Povo angolano daquele estado de tragédia social marcado, por exemplo, pelo analfabetismo de cerca de 95% da população. O Povo tinha muitos problemas. Todavia, para «resolver os problemas do Povo», o primeiro governo da Angola soberana optou pelo marxismo-leninismo.
2-2 UM MODELO FALHADO: a implementação do modelo marxista-leninista de desenvolvimento económico-social para Angola falhou, pois, como ficou demonstrado em todos os países comunistas do século XX, a produção de riqueza baseada da economia planificada é incompatível com as necessidades de crescimento e desenvolvimento de uma sociedade. A edificação e a consolidação de uma economia diversificada e funcional não aconteceram. Depois de 45 anos, não só Angola tem dependido das grandes potências imperialistas para a venda do seu petróleo como, mais do que isto, o País está endividado a níveis críticos, e um dos seus maiores credores é a comunista República Popular da China, que está a projectar a sua Nova Rota da Seda.
3 – «RESOLVER OS PROBLEMAS DO POVO»: a sentença «o mais importante é resolver os problemas do Povo» reflecte o problema acima descrito, do modelo errado de desenvolvimento económico-social. Não é possível a uma população alcançar o bem-estar social quando a mesma não tem a liberdade de participar na construção da economia nem de participar directa e indirectamente na gestão política do Estado. A secular frase-slogan do MPLA reflecte igualmente o paternalismo do Partido-estado. Em países como Noruega, Suécia, Dinamarca, Islândia, Finlândia, Suíça, França, Alemanha, Itália, Canadá, Nova Zelândia, Japão, Austrália, Israel, Ilhas Maurícias, Namíbia e muitos outros, a população alcançou o bem-estar generalizado porque o Estado criou as condições estruturais para que os próprios cidadãos participassem no processo de construção da sua economia e acesso à riqueza. Foi o contrário em Angola.
Em Angola, de 1975 a 1991, os sucessivos governos paternalistas do Partido-estado usaram o modelo errado. À data da assinatura do Acordo de Bicesse (31 de Maio de 1991), o cenário continuava a ser, usando as palavras do Texto da Proclamação da Independência, de uma «imagem da profunda miséria do Povo angolano». Todavia, a democratização do acesso à riqueza e ao poder político foi prejudicada pela continuação da guerra por mais 10 anos.
O período 2002-2014, foi marcado pelo fim da guerra, pelo crescimento fabuloso da economia (sobretudo por conta do elevado preço do barril de petróleo), pela reabilitação e construção de infra-estruturas, pelo aumento do PIB per capita etc. Infelizmente, por falta de um Projecto de Reconstrução Nacional, o País continuou a ser gerido de forma paliativa, de improviso. Entrementes, foi no período em referência que Angola sofreu os maiores saques da sua história. Os mais 320 milionários existentes actualmente forjaram-se entre 2002 e 2014 (e mesmo um pouco depois, aliás).
A elevadíssima quantidade de dinheiro que Angola arrecadou – só com o petróleo – no período em referência, foi de cerca de 300 000 000 000 00 $ (trezentos mil milhões de dólares). Este valor gigantesco não foi usado para a edificação de uma verdadeira economia de mercado e diversificada. Foi mantido um modelo de pseudo-economia de mercado, configurada para beneficiar os membros do grupo hegemónico, os detentores do poder político e seus familiares, amigos, amantes e sogras. Isto foi em si um crime contra o Povo, que tem estado «cheio de paz e cheio de pobreza e fome». Eles, os do grupo hegemónico, resolveram os seus problemas, mas não os do Povo.
O Angolano era concebido com fome, nascia com fome, vivia com fome e morria com fome em 1975.
O Angolano é concebido com fome, nasce com fome, vive com fome e morre com fome em 2020.
Sim, os problemas do Povo não só não foram resolvidos como o regime do MPLA não lhe deu as ferramentas para participar na resolução dos seus próprios problemas.
O MPLA não é a solução aos problemas do Povo angolano. O MPLA é o maior problema do Povo angolano.
O mais importante não é o MPLA resolver os problemas do Povo, porque, 45 anos depois, não os resolveu, nem mesmo os básicos (água, saúde, electricidade, educação…).
O mais importante é o Povo angolano resolver o problema chamado MPLA, removendo-o do poder e extinguindo-o. E, se não for pelas eleições (que em Angola são fraudulentas), será, ou melhor, deverá ser através de outros meios, e um deles é a desobediência civil generalizada ou a não-cooperação.»
Com o governo do MPLA
O povo angolano vive o seu inferno.