Vigilância reforçada aos pobres? Não. Esses esperam!

Um décimo dos projectos estatais de construção em curso em Angola vai ser sujeitos a vigilância reforçada devido ao seu impacto económico e social, anunciou hoje o Conselho Nacional de Obras Públicas (CNOP).

“N os sectores que são membros do conselho temos cerca de 790 projectos, mas identificamos apenas 83 que são relevantes e de impacto económico e social”, disse o director-executivo do CNOP, António Resende, após uma reunião do órgão de apoio e consultivo do Presidente João Lourenço.

Entre os projectos sob vigilância contam-se barragens, estradas, hospitais ou universidades, obras públicas de “grande complexidade técnica vão merecer a atenção especial” do conselho.

Orientada pelo ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social de Angola, Manuel Nunes Júnior, também coordenador do Conselho Nacional de Obras Públicas, a reunião de hoje deliberou e recomendou a “incorporação de mais projectos” para acompanhamento.

Com um orçamento de 398 milhões de kwanzas (1,12 milhões de euros) para o seu funcionamento e suporte logístico, entre outras acções, o CNOP, que deve supervisionar obras das 18 províncias de Angola, vai igualmente acompanhar projectos privados de grande impacto.

“Um dos objectivos deste conselho não é só o acompanhamento dos projectos públicos, mas também dos privados, desde que tenham impacto económico e social. Devem ser acompanhados pelo conselho com emissão de pareceres”, observou, António Resende.

Na sua breve intervenção na abertura dos trabalhos, Manuel Nunes Júnior recordou que o CNOP é um órgão novo, criado com a missão de “acompanhar, avaliar, aconselhar o Titular do Poder Executivo [que é o Presidente da República] sobre as grandes obras que se realizam no país”.

“A partir de agora, este órgão terá a responsabilidade de fazer a avaliação desses grandes projectos e apresentar as recomendações que forem consideradas mais pertinentes e adequadas ao titular do poder Executivo”, sublinhou.

A primeira reunião do CNOP, criado em Agosto de 2018 e compostos por 11 departamentos ministeriais, aprovou os regulamentos internos, quadro de pessoal, o orçamento e a lista de projectos dos sectores.

A Ordem dos Arquitectos e a dos Engenheiros de Angola também fazem parte do Conselho Nacional de Obras Públicas.

Um exemplo de uma obra… pública

O Governo angolano relançou no dia 20 de Agosto de 2018 a segunda fase de construção da zona sudeste da via Marginal de Luanda, troço Praia do Bispo/Corimba, que durará 18 meses e custará mais de 142 milhões de dólares (123 milhões de euros).

A obra da Direcção Nacional de Infra-estruturas Públicas (DNIP), a cargo de uma empreiteira chinesa, compreende uma extensão de 7,8 quilómetros e, a par da via Marginal sudeste, abrange igualmente a reabilitação das vias de acesso ao longo das valas de drenagem.

Após a conclusão da fase inicial, há cinco anos, e relançada pelo ministro da Construção e Obras Públicas de Angola, Manuel Tavares de Almeida, a obra conta também com a construção do viaduto na intersecção da via marginal sudoeste com a estrada da Samba e de uma passagem aérea de peões.

O valor global do contrato, que prevê igualmente o realojamento das famílias que se encontram ao longo do perímetro do projecto, é de 142.352.693,67 de dólares, em que parte do financiamento está já garantida, disse aos jornalistas o ministro da Construção e Obras Públicas.

“Para esta obra está assegurado o adiantamento. Estamos em fase de negociação para obtenção da linha de financiamento para esta obra. Se for assegurada, pensamos que os 18 meses serão cumpridos. Se não for assegurado o financiamento, teremos que ter paciência”, disse.

Para o governante, o relançamento da obra, que compreende na fase inicial a construção do viaduto na intersecção da via marginal sudoeste com a estrada da Samba, vai melhorar o escoamento do tráfego do centro da cidade para a zona sul de Luanda.

“Todos nós sabemos como é aqui a adjacente à conhecida Estrada da Samba, como é a [estrada] 21 de Janeiro. Já estão saturadas e é de extrema importância o relançamento da obra”, indicou.

Segundo Manuel Tavares de Almeida, estão criadas “todas as condições administrativas” para a efectivação da obra, que começa com o viaduto. “Já temos o visto do Tribunal de Contas, já foi feito o adiantamento ao empreiteiro. Estamos em condições normais para o início de uma empreitada”, afirmou.

Em relação ao realojamento das famílias que se encontram ao longo da orla onde vão decorrer as obras, Hélder Biala, da DNIP, órgão do Ministério da Construção e Obras Públicas, garantiu que o processo de cadastramento das famílias decorria nessa altura (Agosto do ano passado).

“Estamos a trabalhar com o Governo de Luanda no sentido de cadastrar todas aquelas famílias que têm os seus imóveis ao longo da plataforma de via para podermos dar uma solução inerente ao realojamento delas. Muitas vivem em condições precárias”, assegurou.

Segundo o técnico da DNIP, o viaduto terá uma extensão de aproximadamente 450 metros e vai elevar a estrada da Samba, criando assim uma “intersecção desnivelada”. “Vamos ter igualmente uma protecção marítima e esta a obra terá também a duração de 18 meses”, concluiu.

O projecto de Marginal da Corimba estava incluído no Programa de Investimentos Públicos e na proposta de lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2018.

O projecto da nova marginal de Luanda, a sul da capital angolana é uma das grandes obras públicas em perspectiva no país

A obra foi concessionada pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos, a 21 de Setembro de 2017, cinco dias antes de deixar o poder e publicado no dia seguinte à tomada de posse do novo chefe de Estado, João Lourenço.

No decreto presidencial, Eduardo dos Santos explicava a concessão, a favor da Sociedade de Desenvolvimento da Marginal da Corimba (SDMC), com a proposta apresentada pela empresa para o desenvolvimento urbano daquela área.

Megalomania é sinónimo de MPLA

Esta malta gosta mesmo de gozar com a nossa chipala. É verdade. Em Abril de 2017 o então Presidente da República e Titular do Poder Executivo (no qual pontificava o ministro João Lourenço) autorizou a emissão de 379 milhões de dólares em dívida pública, a reembolsar em sete anos, para pagar o resgate ordenado pelo Governo, do projecto de requalificação e reordenamento da marginal da baía de Luanda.

Segundo autorização de José Eduardo dos Santos, essa emissão, equivalente a 348,5 milhões de euros, seria feita em moeda estrangeira (dólares), para pagar à sociedade Baía de Luanda a “reversão ao Estado da componente pública” daquele projecto de requalificação.

O decreto presidencial estipulava que o prazo para o reembolso desta emissão de dívida pública seria de sete anos e que os juros, de 5% ao ano, seriam pagos semestralmente na moeda de emissão.

O então Governo da Província de Luanda assumiu a gestão da requalificação e reordenamento da marginal da baía, no âmbito do resgate ordenado pelo executivo para salvar o projecto.

Recorde-se que no dia 24 de Fevereiro de 2017 foi noticiado que o Estado angolano iria pagar cerca de 350 milhões de euros pelo resgate da Sociedade Baía de Luanda, responsável pela reabilitação e gestão da marginal da capital, devido à falta de viabilidade económica e financeira do projecto.

A decisão consta de um decreto presidencial em que é ordenada a reversão para o Estado, com “efeitos imediatos”, da componente pública do projecto de requalificação da marginal baía de Luanda, resgatando nomeadamente a totalidade dos direitos de concessão de 13 parques de estacionamento, num total de 2.740 lugares.

Em causa estavam espaços na marginal da capital “contratualmente atribuídos à Luanda Waterfront Corporation”, numa concessão feita por 30 anos através da Sociedade Baía de Luanda.

O projecto de requalificação daquela área, prevendo na altura um investimento global à volta de dois mil milhões de euros, foi uma iniciativa lançada em 2003 pelo consórcio Luanda Waterfront Corporation, do empresário português José Récio, há muitos anos radicado em Angola.

O decreto presidencial confirmava que o projecto – inaugurado em 2012, pelo Governo, pouco antes das eleições gerais – foi “totalmente financiado” pela Luanda Waterfront Corporation, sociedade comercial com sede nas Ilhas Caimão.

O resgate para o Estado deste projecto foi justificado no mesmo documento em face do “presente momento de crise económica”, que “conduziu a uma alteração das circunstâncias”: “O modelo económico então aprovado não se apresenta com viabilidade económica e financeira adequada à continuação do projecto nos moldes inicias”.

“Para compensação pelo resgate e dos futuros direitos de construção” em duas parcelas da baía, o Estado atribui ao investidor, através da Sociedade Baía de Luanda, “o montante que é fixado no valor único de 379 milhões de dólares”.

“Havendo necessidade de assegurar a requalificação da marginal de Luanda na mobilidade urbana e no cumprimento da política habitacional, o Estado e a Luanda Waterfront Corporation acordaram na revisão do projecto de investimento para a requalificação e reordenamento da marginal da Luanda”, lê-se ainda no decreto, que resulta de uma decisão do Conselho de Ministros (no qual continuava a pontificar João Lourenço), de 9 de Fevereiro de 2017.

Desta forma, a Sociedade Baía de Luanda “abdica integralmente dos direitos de exploração, construção e desenvolvimento” da parcela B, definida no projecto da reabilitação da marginal, com um total de 10.000 metros quadrados de área comercial vendável, “revertendo todos os direitos sobre a mesma parcela para o Estado angolano, sem qualquer compensação adicional”.

Luanda. A capital do… MPLA

A província de Luanda deverá duplicar a população para 12,9 milhões de habitantes até 2030, o que obrigará – por exemplo – à construção, nomeadamente, de 13 novos hospitais, 1.500 escolas e de 1,4 milhões de casas.

A informação constava, em 2016, do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, prevendo que só o município de Viana – o mais industrializado do país – atinja dentro de 15 anos os 3,1 milhões de habitantes.

O documento faz também o diagnóstico da situação na província, estimando que 80% da população – de 6,5 milhões de habitantes, um quarto de todo o país – vive em musseques. E a independência foi há quase 44 anos, a paz chegou há 17 anos e Eduardo dos Santos foi presidente de 1979 a 2017.

Nesta área, o plano, designado de “Luanda 2030 – Cidade inovadora”, prevê (ou previa) realojamento e regeneração de várias zonas da capital, nomeadamente nas classificadas de “prioridade muito alta”, por riscos de vida eminente ou inundação, entre outros problemas.

Com o crescimento da população estimado para 12,9 milhões de pessoas, e face às dificuldades de mobilidade que se registam diariamente na capital, com filas intermináveis de trânsito e reduzidas ofertas de transportes públicos como alternativa, este plano de intervenção prevê obras em 446 quilómetros de estradas primárias e 676 quilómetros de vias secundárias.

Igualmente um sistema de comboio suburbano com 210 quilómetros e 142 quilómetros de corredor para trânsito exclusivo de transportes públicos.

“As poupanças de tempo projectadas nas viagens de carro podem representar o equivalente a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) de Luanda em 2030″, lê-se no relatório.

O consumo de água, para uso doméstico, comercial e industrial, mais do que deverá duplicar em 15 anos.

O executivo também previa a construção de infra-estruturas de saneamento básico, com dois novos sistemas, a norte e a sul da capital, a remoção da Estação de Tratamentos de Águas Residuais (ETAR) da marginal de Luanda e a “reutilização de efluentes tratados para agricultura e fins industriais”.

As necessidades de fornecimento de electricidade eram – dizia o regime – outra prioridade do plano de desenvolvimento para Luanda, que define a necessidade de garantir uma potência de 5.600 MegaWatts (MW), contra os disponíveis 1.700 MW.

Esse acréscimo seria garantido através de novas centrais hidroeléctricas e térmicas em construção e ainda com quatro linhas e 15 novas subestações de transporte.

O plano admitia também, para justificar o investimento a realizar – não quantificado -, que a receita anual de consumo residencial de energia em Luanda poderá atingir, em 2030, os 23 mil milhões de kwanzas (165 milhões de euros) e com a água até 31 mil milhões de kwanzas (222 milhões de euros).

Um gabinete holandês foi escolhido pelas empresas responsáveis pela reabilitação da Marginal da Corimba, em Luanda, para elaborar um projecto que até 2019 previa conquistar ao mar uma área de 400 hectares para construção de uma auto-estrada e marinas.

Os pobres continuam a ser 20 milhões. Mas poderão ser mais. Muitos mais.

Folha 8 com Lusa

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