As autoridades angolanas vão estender a “Operação Transparência”, iniciada a 25 de Setembro de 2018, para a costa marítima de Angola para prevenir actos de pesca ilegal e de tráfico de pessoas e bens, anunciou hoje a polícia local. E enquanto não decidirem estender esta ou, eventualmente, a “Operação Resgate” para além das fronteiras é uma… sorte.
Numa conferência de imprensa, o porta-voz da “Operação Transparência”, comandante António Bernardo, indicou que os cerca de 1.650 quilómetros de costa atlântica, bem como toda a área da plataforma continental angolana, vão começar a ser patrulhados “por várias forças de segurança” a partir de 25 deste mês e que as autoridades “serão implacáveis” no combate às infracções.
Embora não seja certo, é de crer que nessas novas zonas de operação não existam zungueiras. Mas, se existirem, também não é problema. Nada que uns assassinatos não resolvam.
Entre as infracções que são há muito frequentes nas águas territoriais angolanas contam-se a pesca ilegal, o tráfico de pessoas e a tentativa de desembarque de imigrantes ilegais ao longo da costa norte, desde o enclave de Cabinda, passando pela zona contígua da República Democrática do Congo (RD Congo), e sul, na província do Namibe até à fronteira com a Namíbia.
Por outro lado, o transbordo de combustível proveniente de Angola é uma “actividade comum a ser combatida”, bem como serão fiscalizadas todas as embarcações que se encontrem em águas territoriais face à “constante alteração que os operadores marítimos fazem no licenciamento”.
“Tudo se deve a várias situações políticas e económicas de alguns países do Golfo da Guiné, com incidências negativas na actividade económica em Angola, que tem de defender os seus interesses e a soberania nacional”, argumentou António Bernardo.
A extensão para as águas territoriais angolanas começará precisamente seis meses após o início da “Operação Transparência”, em 25 de Setembro de 2018, e será avaliada em data idêntica mas deste ano, altura em que se decidirá se se justifica continuar a combater as infracções, acrescentou o porta-voz.
Segundo António Bernardo, os preparativos para a extensão da operação começaram em 18 de Fevereiro, tendo sido definidas quatro zonas de actuação ao largo da costa – a área A, compreenderá as de Cabinda e Soyo, a B as de Zeto, Luanda e Cabo Ledo, a C do Lobito até à Baía Farta, e a D da cidade do Namibe até à Baía dos Tigres.
Além das forças de segurança navais, terrestres e aéreas, a operação contará ainda com o apoio das embarcações oriundas dos serviços nacionais de fiscalização das Pescas e da Protecção Ambiental.
A cerimónia de lançamento da operação será realizada na Base Naval de Luanda, na manhã de 25 deste mês, indicou António Bernardes, que apelou a todos os sectores da sociedade a ajudarem as forças de segurança nesta operação, através da denúncia de ilegalidades enquadradas na defesa da soberania angolana.
A “Operação Transparência” foi inicialmente lançada em terra em sete províncias – Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Moxico, Bié, Uíge e Zaire -, tendo progressivamente sido estendida a todo o país.
A operação, que não tem prazo para terminar, visa combater a imigração irregular e a exploração e tráfico ilícito de diamantes, tendo levado já ao repatriamento voluntário, segundo as autoridades angolanas, de 455.022 estrangeiros sem documentação adequada, na sua grande maioria oriundos da RD Congo e que se encontravam nas Lundas.
Entre Setembro de 2018 e o fim da primeira quinzena de Fevereiro, segundo os dados do Posto de Coordenação Avançado da “Operação Transparência”, entidade liderada pelo tenente-general Américo Valente, do total de estrangeiros ilegais que saíram do país, 416.496 fizeram-no de forma “voluntária”, 35.784 foram repatriados administrativamente e 842 transferidos para Luanda, para que possam, mais tarde, ser repatriados para os países de origem.
No balanço de pouco mais de cinco meses, lê-se no documento, e além dos repatriamentos e expulsões, as autoridades angolanas encerraram 159 cooperativas e 289 “lojas” que se dedicavam a compra ilícita de diamantes, tendo sido apreendidas elevadas somas monetárias, não especificadas.
No comunicado é também indicado que foram aprendidos 34.480 quilates em diamantes e 121.783 pedras preciosas, bem como 178 retroescavadoras, 30 máquinas de pás carregadoras, 40 buldózeres, 18 máquinas niveladoras, 11 tractores agrícolas, 346 viaturas ligeiras e pesadas, 481 motorizadas e 31 bicicletas.
Na lista estão também 123 dragas, 87 lavarias, 511 motobombas, 16 jangadas, 98 botes pneumáticos, 15 detectores de diamantes, 128 compressores de ar, 248 balanças, 155 geradores, 214 cofres, 160 contentores e 114 armas de fogo.
O MPLA e só o MPLA sabe do que fala…
Em Novembro do ano passado, o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, esclareceu (disse o Governo) perante as Nações Unidas, em Genebra, as medidas tomadas “que visam impedir a continuação de práticas que têm lesado profundamente” o país no quadro da “Operação Transparência”, parente chegado da “Operação Resgate”.
Respeitando as superiores ordens do Ministério da Comunicação Social, o Jornal de Angola deu ao assunto o título: «Angola repõe a verdade na ONU sobre a “Operação Transparência”». Mais modesta, a Angop titulava: «Angola esclarece posição em Genebra».
Segundo uma nota do Ministério das Relações Exteriores, Manuel Augusto explicou a situação durante um encontro com a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em que, lê-se no texto oficial, deu a conhecer a versão de Angola (MPLA) sobre a operação, “com vista a repor a verdade”.
Manuel Augusto, acrescentava-se na nota de imprensa, disse a Michelle Bachelet que a verdade “tem sido “adulterada pela difusão de informação relacionada com as alegadas expulsões massivas e forçadas de cidadãos estrangeiros e consequentes violações de direitos humanos dos mesmos”.
“Angola deplora a publicação dessas informações, caracterizadas pela não-observância dos usos e práticas de imparcialidade, isenção e objectividade que devem reger os princípios e normas de procedimentos que exigem que o Estado acusado possa apresentar a sua versão sobre os factos”, refere o documento, citando as palavras ditas pelo chefe da diplomacia angolana à Alta-Comissária.
É visível nesta declaração que o Ministro Manuel Augusto frequentou, certamente com sucesso pleno, o Curso Nacional em Liderança e Gestão de Comunicação para Mudança de Comportamento, no âmbito da reciclagem e actualização do doutoramento em “Educação Patriótica”.
“O ministro passou a mesma mensagem no encontro com o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Fillipo Grandi, sediado em Genebra, e esclareceu as duas entidades que a operação visa prevenir eventuais fontes de financiamentos para alimentar e sustentar possíveis grupos armados susceptível de desestabilizarem países da região dos Grandes Lagos”, acrescenta-se na nota.
Mais grave do que os prejuízos económicos resultantes da exploração ilegal dos recursos, prossegue a nota, “são os danos causados à natureza por todo o tipo de escavação e utilização de explosivos, provocando alterações ambientais e efeitos negativos irreparáveis no ecossistema angolano”.
No comunicado é indicado que Angola continuará a colaborar com todas as instituições internacionais, incluindo a Comissão dos Direitos Humanos da ONU e com o ACNUR para o mesmo fim, “tendo sempre presente os princípios do respeito pela soberania e integridade territorial”.
A 16 de Outubro, as Nações Unidas expressaram preocupação sobre a alegada saída forçada de Angola de, então, cerca de 200.000 cidadãos da vizinha RD Congo, admitindo que a situação poderia gerar uma crise humanitária.
A ONU disse que as expulsões em massa são contrárias às obrigações da Carta Africana e exortava os Governos de Angola e da RD Congo, cuja fronteira se estende por cerca de 2.500 quilómetros, a trabalharem juntos para garantirem um “movimento populacional” seguro.
Desde então que as autoridades angolanas têm-se desdobrado em contactos internacionais para explicar que a operação se destina a combater o garimpo ilegal não é dirigida especificamente a congoleses da RD Congo, sublinhando que o objectivo do Governo “é travar a exploração indevida de diamantes”, que está a ser “protagonizada por redes de crime organizado”, que estão a transformar as zonas em causa “num Estado autónomo”.
“Temos regiões onde a população é toda constituída por imigrantes e foi montada uma estrutura, com chefia e guarda armada. É um problema sério de segurança nacional”, observou o governante angolano, acrescentando que o problema mais grave é a destruição ambiental provocada pela acção dos garimpeiros ilegais.
“As organizações não-governamentais, que estão sempre à espera de desgraças em África para poder ganhar dinheiro, começam a criar a imagem de que há uma crise humanitária. Já se começa a dizer que são necessários milhões para atender crianças que estão a ser deportadas massivamente. Mas, o Governo angolano sabe o que está a fazer”, frisou Manuel Augusto a 2 de Novembro, em Maputo.
A maior parte dos congoleses expulsos de Angola são uma mistura de imigrantes de longa duração que trabalham no garimpo e de refugiados que deixaram a RD Congo durante o conflito regional que assolou o Kasai entre meados de 2016 e 2017.
Recorde-se que o Mosaiko – Instituto para Cidadania, organização não-governamental angolana de defesa dos direitos humanos denunciou o “tratamento deplorável” das autoridades angolanas a “imigrantes ilegais” da República Democrática do Congo, incluindo crianças e grávidas, no quadro da “Operação Transparência”.
Numa nota de imprensa, o Mosaiko (que teima em julgar que Angola já é o que não é – um Estado de Direito) manifestou-se “bastante preocupado” com a operação de “combate à imigração e exploração ilegal de diamantes”, iniciada a 25 de Setembro.
De acordo com o Mosaiko, que apela ao “respeito dos direitos humanos” e às convenções internacionais rubricadas por Angola, a “inquietação” baseia-se em “factos evidenciados” entre os dias 14 e 18 de Outubro no município do Cuango, província angolana da Luanda Norte.
No local, a equipa do Instituto, que procedia a uma monitorização do Relatório de Avaliação Participativa sobre o Acesso a Justiça, constatou que várias pessoas “ficavam entre dois e três dias à espera de transporte, sem o mínimo de condições para passar as noites”.
“Sem alimentos, e muitas delas dormindo no chão, sem agasalhos, as pessoas, inclusive crianças e mulheres gestantes, eram levadas até à fronteira nas carroçarias de camiões em condições deploráveis”, refere o Mosaiko.
Para a instituição angolana de defesa dos direitos humanos, os actos “transgridem o direito à liberdade e à protecção” previstos na Constituição da República de Angola (CRA), bem como “à livre circulação e à escolha de domicílio”, conforme a Lei sobre o Regime Jurídico dos Estrangeiros na República de Angola.
O Mosaiko refere que as crianças, adolescentes e jovens em idade escolar “são obrigados a abandonar os estudos” para acompanhar os progenitores, o que “viola o seu direito à educação”, previsto na Constituição angolana e no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
“O Estado Angolano não só ratificou tratados internacionais, como também acautelou na sua Constituição que todos os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a DUDH, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e os tratados internacionais”, observou o Mosaiko.
“Cada pessoa, estrangeira ou não, deve ser tratada com dignidade e respeito. A eventual ilegalidade das pessoas não justifica os maus-tratos aos quais têm sido submetidas. Por isso, apelamos ao Governo de Angola, aos órgãos competentes, para que no pleno comprometimento que o Estado Angolano e os órgãos de soberania têm com as pessoas, independentemente de qual seja a situação, cuidem para que os seus direitos sejam respeitados”, conclui a nota assinada pelo director-geral da organização, Júlio Candeeiro.
Folha 8 com Lusa