O ministro dos Recursos Naturais e Petróleo de Angola, Diamantino Azevedo, diz que a Sonangol vai poder ter uma participação de 20 por cento nas descobertas futuras de petróleo, protegendo assim a petrolífera nacional depois da reestruturação.
“A Sonangol tem esse direito de preferência”, disse o governante, assumindo tratar-se de uma tentativa de proteger a companhia petrolífera angolana, empresa âncora do regime ou, como diz o Presidente João Lourenço, a “galinha dos ovos de ouro”.
Em declarações aos jornalistas em Luanda, citadas pela agência de informação financeira Bloomberg, Diamantino Azevedo explicou que o objectivo é compensar a Sonangol depois de a empresa ter “perdido” o papel de regulador e concessionária dos campos petrolíferos.
Angola, o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana a seguir à Nigéria, tomou um conjunto de medidas para aumentar a produção petrolífera, entre as quais o lançamento de novos blocos para licitação e a transferência do papel de concessionário da Sonangol para uma recém-criada Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis.
A possibilidade de a Sonangol ter 20 por cento das novas descobertas foi decidida depois de “discussões directas” com alguns detentores dos blocos, que a Bloomberg diz que Diamantino Azevedo não especificou quem são.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço, parece ter descoberto (ainda só parece) o elixir daquilo que há muito deveria estar a fazer, governar. Não se sabe se a quantidade desse infalível remédio é suficiente para evitar que o doente morra, mas urge tentar.
Assim, no passado dia 10 de Maio pediu ao novo Conselho de Administração da Sonangol maior velocidade no processo de construção de refinarias em Angola, para que “jamais se repitam os momentos difíceis” da escassez de combustível que o país atravessou.
João Lourenço, que falava na cerimónia de tomada de posse do novo Conselho de Administração da petrolífera estatal angolana, disse que “gostaria imenso” que a escassez de combustível “não voltasse a se repetir”. Não basta gostar, é preciso trabalhar, é urgente instituir o primado da competência em vez do da subserviência, é imprescindível aceitar que é melhor ser salvo pela crítica do que assassinado pelo elogio.
“Tal como o sangue que corre nas nossas veias e que nos faz viver, também o combustível para um país acaba por ser esse mesmo sangue, que faz mover a economia e fazer com que o bem-estar dos cidadãos seja garantido, desde que haja combustível e, portanto, energia”, comparou João Lourenço.
Quando deu posse ao anterior Conselho de Administração, então liderado por Carlos Saturnino, João Lourenço falou da galinha dos ovos de ouro. Agora fez uma incursão no sistema circulatório do corpo humano. E qual será o próximo exemplo?
“Depositamos a esperança em que, com o vosso trabalho, com modéstia, com espírito de equipa, façam tudo para que jamais se repitam os momento difíceis que acabamos de atravessar e é precisamente nesses momentos que nos recordamos da imperiosa necessidade de o país ter capacidade de refinar os seus próprios produtos derivados do petróleo bruto”, frisou.
O chefe de Estado reiterou a necessidade de o país ter refinarias, “não importa se por via do investimento público ou do investimento privado”, desde que o país crie capacidade para produzir o diesel, a gasolina, os óleos e outros derivados de petróleo, tornando-se auto-suficiente para as suas necessidades e exportação dos excedentes.
“Considero que, entre as diferentes missões que são da vossa responsabilidade, sem sombra de dúvidas, que esta deve ser considerada a prioritária. Sabemos que está em curso o processo para tornar este sonho realidade e o que gostaria de vos pedir é que imprimam outra velocidade neste mesmo processo que já está em curso”, exortou.
Em declarações à imprensa, o Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, que substituiu no cargo Carlos Saturnino, disse que as prioridades estão definidas, sendo o programa de regeneração da empresa a garantia para que o “core business’ da petrolífera estatal seja “explorar, produzir, distribuir, refinar petróleo bruto e gás para a sociedade”.
“Acabamos de ouvir as palavras do Presidente da República, que definiu claramente as preocupações do executivo e que têm de ser também as preocupações deste novo Conselho de Administração, que têm a ver com a garantia de abastecimento de produtos refinados ao país e, ao mesmo tempo, ter a certeza que este produto se mantém contínuo, o que passa pela construção das refinarias que fazem parte da nossa actividade”, referiu.
Relativamente aos subsídios dos combustíveis pelo Estado, Sebastião Martins disse que há um trabalho conjunto com vista a analisar até que ponto podem “ser aligeirados”, tendo em conta que “a empresa tem estado, de facto, numa situação em que a parte dos subsídios pesa bastante na tesouraria”.
Questionado na altura sobre se haverá aumento do preço dos combustíveis, o presidente do Conselho de Administração da Sonangol não avançou quando se vai verificar, comentando apenas que há um trabalho conjunto de concertação, “de modo a que todos se sintam satisfeitos”.
“O certo é que tem de ser um preço que satisfaça de modo financeiro os cofres do Estado, mas que também faça com que a população não seja penalizada”, realçou.
As mudanças de João Lourenço na administração da Sonangol tiveram como causa próxima a crise de combustíveis que afectou Angola e que levou a uma escassez de gasolina e gasóleo em todo o país, face a alegadas dificuldades da petrolífera estatal angolana em importar o produto por falta de divisas.
Após uma reunião que João Lourenço manteve com a equipa económica do Governo e com a administração da Sonangol, um comunicado da Casa Civil do Presidente de Angola indicou que a falta de diálogo entre a petrolífera estatal e o Governo “contribuiu negativamente” para o processo de importação de combustíveis e consequente escassez do produto no mercado em todo o país.
A causa profunda é outra, bem mais grave e fracturante. Mas dela ninguém fala. Enfrentá-la poderia significar o fim da Sonangol tal como a conhecemos e tal como o MPLA a concebeu. E isso poderia igualmente significar a morte da galinha dos ovos de ouro que só “alimenta” o MPLA e não os angolanos.
O projecto da Refinaria do Lobito, num investimento inicial de 10.000 milhões de dólares, prevê o processamento diário de cerca de 200 mil barris de crude, criando 10 mil postos de trabalho directos e indirectos.
Localizada no Morro da Quileva, a 10 quilómetros da cidade do Lobito, numa área de 3.805 hectares, teve suspensa a sua construção em 2016, pela administração da Sonangol, liderada por Isabel dos Santos, para reavaliação da obra, “com o actual contexto de quebra do preço do petróleo”.
A retomada do projecto, seguiu-se a uma intervenção em Novembro de 2017 do Presidente de Angola, João Lourenço, sobre a necessidade de se construir uma nova refinaria em Angola, para reduzir as importações de combustíveis.
“Não faz sentido que um país produtor de petróleo, com os níveis de produção que tem hoje e que teve no passado, continue a viver quase que exclusivamente da importação dos produtos refinados”, disse na altura João Lourenço.
Angola importa mensalmente cerca de 150 milhões de euros em combustíveis refinados, fornecimento que está a ser dificultado pela falta de divisas, atrasando pagamentos por parte da Sonangol, que reconheceu produzir apenas 20% do consumo total de produtos refinados.
Já em 19 de Agosto de 2016, a Sonangol anunciou a decisão de suspender as obras de construção da Refinaria do Lobito, até então considerada essencial para aumentar a capacidade de refinação interna de petróleo e assim evitar a importação de cerca de 80 por cento dos combustíveis vendidos no país.
Junto com a refinaria, a petrolífera pública, então dirigida pela empresária Isabel dos Santos, também decidiu na mesma altura suspender as obras do Terminal Oceânico da Barra do Dande.
De acordo com a Angop, citando na altura um comunicado de imprensa da Sonangol, a nova visão estratégica da empresa estaria focada no maximizar da rentabilidade dos seus projectos.
Num momento em que a diversificação da economia era, ou é, supostamente uma prioridade do governo e que o país necessita de divisas, todos perguntaram se colocar um travão na construção da Refinaria do Lobito, com capacidade para refinar 200 mil barris de petróleo por dia e cuja conclusão estava prevista para 2018, não seria um erro estratégico para o Estado angolano, mesmo que o pudesse não ser para a Sonangol.
No relatório e contas apresentado em Julho de 2016, a Sonangol dava conta que nas obras da refinaria estavam concluídas as infra-estruturas públicas de suporte, nomeadamente, a estrada de transporte de carga pesada e o terminal marítimo, “restando por concluir o projecto de captação de água”.
Na altura ficou por saber se mais um adiamento teve, ou não, a ver com o trabalho da Engineers India Limited (EIL), a empresa indiana que foi escolhida para fazer o planeamento de projecto e controlo de despesas para a Refinaria do Lobito.
Uma das etapas decisivas para pôr em “stand by” a Refinaria do Lobito recorda-nos que Isabel dos Santos foi, em Agosto de 2016, encostada à parede para pagar uma dívida de mil milhões de dólares à Trafigura, representada em Angola pela Puma Energy, empresa dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, “Kopelipa”, Leopoldino Nascimento e o antigo PCA da Sonangol, e depois vice-presidente, Manuel Vicente.
A isso juntou-se a decisão do Banco de Desenvolvimento da China que, cansado de desculpar os calotes da Sonangol, resolveu suspender a linha de crédito aberta para Angola, na altura de 15 mil milhões de dólares.
Do ponto de vista chinês, os camaradas angolanos da Sonangol e do regime estavam a olhar demasiado para o seu próprio umbigo e – em matéria de petróleo – a esquecer que os chineses também têm umbigo e que, para além disso, abriram largamente os cordões à bolsa.
Folha 8 com Lusa