Quem não tem cão caça com… cartão do MPLA

João Lourenço, presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo, ex-vice presidente do MPLA no consulado de José Eduardo dos Santos e também seu ministro da Defesa, exige aos militantes e dirigentes do partido (vários milhões) que trabalhem em conjunto para uma vitória “retumbante” em todas as eleições, a começar nas autárquicas. Em boa verdade não precisam de trabalhar muito. O resultado estará determinado antes das votações. Precisam apenas de fingir que trabalham.

“E ste é um ano de grandes desafios e, como sabemos, temos de enfrentar o pleito eleitoral, em Agosto do corrente ano. E para alcançarmos a vitória, uma vitória que seja retumbante, que esteja à dimensão dos 60 anos do nosso partido, é preciso que trabalhemos, que trabalhemos bem e bastante”, afirmou João Lourenço em Julho de 2017. Depois de amanhã, no 7º Congresso Extraordinário, vai dizer a mesma coisa.

O MPLA tem oficialmente pelo menos 60 anos, mas na verdade são muitos mais. Quando um dia os arautos do Boletim Oficial do regime escreverem a real história do partido veremos, sem margens para dúvidas, que Diogo Cão já era militante do MPLA. Ficaremos igualmente a saber que, ao contrário do que se propagava, José Eduardo dos Santos não é (embora fosse) o “escolhido de Deus”. Isto porque agora se sabe que, mesmo sem decreto presidencial, João Lourenço é, isso sim, o mais alto represente directo de deus na Terra ou, segundo outros, o próprio… deus. E quem somos nós para pensar o contrário?

“É preciso trabalharmos buscando objectivos muito concretos, trabalhando de forma colegial, porque sozinho ninguém alcança vitórias. Aqui não há milagreiros, como dizem os brasileiros”, disse João Lourenço. Disse e voltará a dizer..

João Lourenço procura assim, numa operação de marketing que embora importada cabe bem em Angola, dar a entender que o MPLA precisa de trabalhar para ganhar eleições. Acontece que, como sempre, a vitória está garantida só faltando, eventualmente, estabelecer as percentagens. Mas que fica bem, isso fica. Até dá a ideia de que Angola é o que não é: um Estado de Direito democrático.

O general João Lourenço bem poderia ser mais justo com sua majestade o ex-rei. É que José Eduardo dos Santos foi, só por si, um dirigente que – assim constará da tal história que será escrita pelos sipaios do regime – sozinho vencia qualquer eleição, qualquer guerra, qualquer invasão.

João Lourenço acrescenta a convicção que “mais uma vez” o MPLA vai “saber merecer a confiança dos angolanos de uma forma geral que reconhecem em nós o único partido à altura de dirigir os destinos do nosso país”. É assim desde 1975. Portanto…

É verdade. O MPLA terá sempre a confiança dos angolanos, até mesmo dos que já morreram mas que, para o caso, ressuscitam sempre que há (supostas) eleições. Também terá o apoio daqueles que não vão votar mas cujo voto, por uma questão de educação patriótica, aparecerá na urna.

Na altura João Lourenço disse que 2017 (e certamente todos os próximos anos) é “um ano de trabalho, não é um ano de grandes discursos”, pelo que o patrão quer “ver acções concretas, muito trabalho” mesmo que isso implique fazer horas extraordinárias.

“Já sabemos que não vamos poder trabalhar como funcionários. Não há oito horas de trabalho. Vamos trabalhar quantas horas forem necessárias, para que consigamos obter os tais bons resultados, nas eleições”, disse o general. Pelo que se passa no Governo tudo indica que o MPLA voltou ao seu estado natural: trabalhar (?) como funcionários.

A maioria do povo, os jovens revolucionários que pagaram com a vida, uns, barbaramente assassinados, Cassule, Kamulingue e Ganga e outros, 15+2 e ainda (muitos) outros pelas províncias, injustamente encarcerados nas fedorentas masmorras do reino, nunca teve dúvidas da batota fazer parte do ADN do regime, para manter o MPLA no poder.

O MPLA, seja com José Eduardo dos Santos ou João Lourenço quer superar os 500 anos de colonização portuguesa em Angola, mostrando a todo o custo que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”. Para isso, mantém com a força das armas e da fraude, a hegemonia nos órgãos do Estado que, ao fim e ao cabo, são todos os que têm poder de decisão.

O MPLA é, contudo, um partido medroso, cada vez mais medroso, que se pavoneia, por ter o controlo da máquina do Estado, que lhe permite escancarar os cofres públicos e de lá sacar (roubar) dinheiro para a sua maquiavélica empreitada.

O MPLA não está, nunca esteve, preparado para viver em democracia e, por essa via, aceitar mudanças. Mesmo se, numa hipótese remota, a máquina eleitoral do regime bloquear e não concretizar a fraude, dando assim a vitória a outro partido, o MPLA não só não aceitará, como em 1992 fez a UNITA, como também irá desencadear uma nova guerra, com suporte nos dois exércitos que têm, sob seu controlo, mais a (sua) Polícia Nacional.

O MPLA não se imagina, nem está preparado para viver, pacificamente, na oposição. Prova disso está o facto de, por exemplo, a administradora da Samba, Mariana Domingos Francisco, e Paixão Júnior, terem divulgado dados que nem a Comissão Nacional Eleitoral tinha. Recordam-se?

Eles, voluntária ou involuntariamente, demonstraram porque delapidam os órgãos do Estado que dirigem ou dirigiram, sem que disso resulte consequências de índole criminal. Agem dolosamente, porque encaminham o dinheiro público para o partido no poder.

E porquê, este raciocínio? Pela razão de no dia 21 e 22 de Outubro de 2016, numa clara demonstração de força e desrespeito para com a maioria dos angolanos, a administradora da Samba e (obviamente) dirigente do MPLA, Mariana Domingos Francisco, no noticiário da TPA ter afirmado que dos 35 mil cidadãos então registados no município que dirige, 70% eram militantes do MPLA.

Como é que ela sabe disso? Com que registos, se é o Ministério da Administração do Território que, inconstitucionalmente, estava a dirigir o processo? Ou o ministério de Bornito de Sousa encaminhava para todas as células do MPLA esses dados, que esconde a CNE?

Só pode ser esta a mais pura verdade, caso contrário não seria secundada por Paixão Júnior, que indo mais longe, afirmou sem pejo, estar o MPLA no bom caminho, se calhar no bom caminho da fraude e batota eleitoral, anunciando com “satisfação” que do total de cidadãos registados, 50%, são militantes do partido no poder.

Essas afirmações confirmam a lógica da batata na lei da batota anunciada. Assim, das duas uma. Ou os cidadãos registados vão com cartão do MPLA aos postos e isso dá-lhes vantagem contabilística ou o MAT, sorrateiramente, cometendo mais uma ilegalidade, informa o MPLA, o que deveria fazer a CNE.

João Lourenço recusou no dia 17 de Setembro de 2015 as acusações sobre violação dos direitos humanos no país. E se então como ministro da Defesa era isso o que pensava, agora como presidente da República mantém essa posição.

Na altura, João Lourenço recordou que os angolanos sentiram essas violações durante 500 anos de colonialismo português. Não precisava de ir tão longe. Bastava-lhe recordar o 27 de Maio de… 1977.

O governante discursava nesse dia em Ondjiva, capital da província do Cunene, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional do MPLA, feriado alusivo ao nascimento do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, referindo-se assim às críticas sobre violação de liberdades e direitos humanos, na altura feitas numa resolução aprovada pelo Parlamento Europeu.

“Nós, que ao longo de séculos, viemos lutando contra a violação dos direitos humanos, vocês aceitam que hoje nos queiram acusar de estarmos a violar os direitos humanos? Não, porque temos plena consciência que os que nos acusam não têm moral para nos vir dar aulas sobre esta matéria, que muito bem conhecemos”, começou por apontar João Lourenço.

Será que nós, angolanos como João Lourenço, também podemos afirmar que ao MPLA falta moral para atirar pedras aos outros quando tem no seu registo, no seu ADN, tudo o que fez no 27 de Maio de 1977, mas não só? O MPLA acha que não temos esse direito. Mas nós achamos que temos.

“Violação dos direitos humanos foi o colonialismo. Violação dos direitos humanos foi a escravatura que durou não escassos dias, nem meses, nem anos, mas sim séculos eternos. Isso sim é que foi a verdadeira violação dos nossos direitos”, enfatizou o ministro, que discursava em representação do Presidente José Eduardo dos Santos. Esqueceu-se, igualmente, de lembrar que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura que, contudo, regressou ao nosso país pela mão do MPLA em 11 de Novembro de 1975.

O Parlamento Europeu tinha nessa altura aprovado uma resolução sobre as “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação.

Aprovada em sessão plenária, em Estrasburgo, com 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções, a resolução, além das limitações de liberdades, notou o nível de corrupção e as deficiências no sistema anti-branqueamento de capitais em Angola.

Saberá, João Lourenço, que esses 550 votos a favor não foram só de eurodeputados portugueses?

“Sabemos bem o que é violar os direitos humanos. Não como resultado de uma visita fortuita de alguns dias que alguém faz a um país, onde até beneficia da tradicional hospitalidade africana, mas porque sentimo-la na carne e na alma, nos campos de algodão, nos campos de café, nas prisões ou nos porões navios negreiros para onde éramos empurrados que nem gado. Isso sim é violação dos direitos humanos”, criticou João Lourenço, aludindo à visita de Ana Gomes.

Pois é. E há 44 anos que os portugueses não mandam no nosso país. Então como estão as coisas, senhor presidente João Lourenço? É. Continuamos a ter escravos. Os colonialistas deixaram de ser os portugueses e passaram a ser os seus amigos e você próprio. O nosso povo continua, ou se calhar nem isso, a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refila.

“Violação dos direitos humanos é a forma como alguns países da União Europeia, não são todos, estão a tratar ainda hoje os refugiados emigrantes de países do Médio Oriente e de África, que eles mesmo desestabilizaram. Esquecendo-se que também foram emigrantes um dia, tal como estes a que tratam mal”, retorquiu João Lourenço, aludindo à crise de milhares de refugiados que chegam à Europa.

Já agora, senhor presidente, como é que o governo do MPLA trata, internamente, os angolanos? Sabemos que são angolanos de segunda categoria, mas são angolanos. São refugiados, são migrantes na sua própria terra. Isso deveria envergonhá-lo.

Por isso mesmo, diz João Lourenço, basta ver as imagens dos refugiados que tentam cruzar as fronteiras europeias e a forma como são tratados para responder à pergunta “quem viola os direitos humanos”. “A resposta está nessas imagens”, atirou.

Nós, senhor presidente João Lourenço, também temos por cá muitas dessas imagens. Imagens com a sua Polícia a descarregar violência não sobre emigrantes mas sobre o seu próprio povo. E não temos mais imagens porque, ao contrário desses países europeus, o seu governo impede os jornalistas de exercerem a sua função.

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