Privatize-se o reino, já! Começando pelo Governo

O ministro da Agricultura e Florestas, António Francisco de Assis, pediu mais investimentos de operadores privados no sector agrícola, com vista a se elevar cada vez mais a produção. O melhor mesmo é privatizar-se todo o país. E já! Começando, obviamente, pelo Governo!

Falando hoje, domingo, no município de Cacuso, província de Malanje, onde se inteirou do funcionamento de algumas empresas instaladas no Pólo Agro-industrial de Capanda, o ministro fez saber que ao Estado deve caber, essencialmente, a função de criar políticas de incentivo e de fiscalização das acções agrícolas.

“É preciso mudar o actual quadro em que o Estado é o maior operador no sector agrícola, sendo por isso necessário haver mais presença do sector privado”, disse António Francisco de Assis, repetindo as ordens superiores e as teses que de tão velhinhas já estão podres.

De acordo com o titular da pasta da Agricultura e Florestas, tal aposta já vem ganhando corpo em Malanje, onde grande parte das fazendas agrícolas é de iniciativa privada, ao contrário do que se verifica noutras regiões do país.

Neste sentido, lembrou estar em curso o processo de privatização (ora nem mais, o Chefe do Posto diz e os sipaios repetem) de projectos agrícolas criados com fundos públicos, salientado que o mesmo vai dar primazia aos investidores que apresentarem propostas que se alinhem ao Plano Nacional de Desenvolvimento.

Relativamente aos projectos visitados, António Francisco de Assis mostrou-se satisfeito pelo funcionamento dos mesmos, por estarem em consonância com as políticas traçadas pelo governo para o sector agrícola. Consonância de que o MPLA fala há 44 anos.

António Francisco de Assis visitou, no município de Cacuso, as fazendas âncoras ao Pólo Agro-Industrial de Capanda, nomeadamente a Companhia de Bioenergia de Angola (Biocom), Fazenda Molda Terras, Montenegro e Socamia (município de Cangandala).

Estávamos em 2014. O Executivo do MPLA (o único que conhecemos desde 1975) aprovou a emissão de uma garantia soberana do Estado para financiamento de parte de um investimento de 235 milhões de euros, a realizar pela sociedade brasileira Biocom – Bioenergia de Angola.

A autorização consta de um despacho presidencial de 20 de Outubro de 2014, sendo a decisão justificada com a criação do Polo Agro-industrial de Capanda e a atracção de empreendimentos “de grande porte” para aquela região, visando o desenvolvimento do sector agro-pecuário.

Instalado no município de Cacuso, a 75 quilómetros da cidade de Malanje, o Biocom é um dos maiores projectos agro-industriais do país, liderado pelo grupo brasileiro Odebrecht. Assenta na produção de açúcar e etanol, mas também de electricidade, para consumo próprio e escoando o excedente para a rede eléctrica nacional.

O mesmo despacho, assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, recorda que aquela sociedade assume um “papel estratégico”, enquanto empresa âncora, para “fomentar a estrutura da cadeia produtiva na região” e fornecer energia eléctrica para “consumo industrial e doméstico” à região.

O então ministro das Finanças, Armando Manuel, foi assim autorizado a emitir a garantia soberana “em nome do Estado angolano”, cobrindo 70 por cento do financiamento a contratar pela sociedade Biocom junto da banca, avaliado em 300 milhões de dólares (235 milhões de euros).

A garantia foi emitida a favor da Biocom, que fica obrigada a depositar 4 por cento do valor garantido pelo Estado angolano na conta do Fundo de Garantia.

Em causa estava um investimento global, na altura em fase de implementação, que rondava os 750 milhões de dólares (590 milhões de euros), segundo contrato de financiamento assinado em Luanda, com a Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP) de Angola, a 28 de Agosto de 2014.

O empreendimento foi classificado pelo Executivo do MPLA como importante “para a redução do défice energético existente na região de Malanje e Sistema Norte, assim como na diversificação das fontes energéticas existentes”.

A produção de electricidade – cerca de 120 MegaWatts (MW), a injectar na rede pública – arrancaria em 2014, segundo informação anterior da administração da Biocom.

Em paralelo, arrancaria a produção anual de 18 mil toneladas de açúcar e de três mil metros cúbicos de etanol.

Para 2019, perspectiva-se uma produção anual de 256 mil toneladas de açúcar e de 30 milhões de litros de etanol, além de energia eléctrica que seria utilizada para o reforço da linha de alta tensão de Capanda/Cacuso, abastecedora do município e da cidade de Malanje.

E os generais agricultores?

Recorde-se que o Presidente João Lourenço decretou que dois dos projectos de desenvolvimento agro-pecuário resgatados em Outubro de 2018 a cinco empresas detidas pelo Fundo Soberano, à data gerido pela Quantum Global, sejam entregues às Forças Armadas Angolanas (FAA).

Em causa estão o Projecto de Desenvolvimento Agro-pecuário do Manquete, na província do Cunene, e a Fazenda Agro-industrial de Camacupa, na do Bié.

As concessões foram resgatadas a cinco empresas criadas em 2015 e ligadas à Quantum Global a 1 de Outubro de 2018 e entregues aos ministérios da Agricultura e Florestas e ao das Finanças, tendo sido agora transferidas para o da Defesa.

No decreto, de 27 de Junho de 2019, João Lourenço autoriza a transferência da tutela patrimonial, considerando que as fazendas “apresentam um potencial estratégico” para o desenvolvimento agro-pecuário nas FAA, “pois a gestão profícua permitirá às Forças Armadas atingirem a auto-suficiência em alguns produtos agrícolas e de origem animal”.

A 1 de Outubro de 2018, o decreto presidencial indicou que as fazendas eram resgatadas a favor do Estado “para posterior privatização em concurso público internacional”, acabando agora – dando o dito por não dito (o que começa a ser uma marca desta governação) – por serem entregues às Forças Armadas.

O Presidente da República (João Lourenço), estribado no parecer favorável do Titular de Poder Executivo (João Lourenço) e corroborado pelo Presidente do MPLA (João Lourenço) alegou incumprimento do Fundo Soberano de Angola, liderado até Janeiro por José Filomeno dos Santos, para retirar a concessão atribuída pelo chefe de Estado anterior, José Eduardo dos Santos, para a gestão de seis fazendas públicas.

Enquanto vice-presidente do MPLA e ministro, João Lourenço não viu nenhum incumprimento. Ainda não tinha ido, presume-se, ao oftalmologista.

A informação consta de um decreto assinado Presidente, João Lourenço, de 1 de Outubro, que resgata “a favor do Estado” (no caso e desde 1975 é sinónimo de MPLA), e para posterior – recorde-se – privatização em concurso público internacional, aquelas fazendas.

A decisão visou a administração de José Filomeno dos Santos, que liderava o FSDEA quando, em 2016, o pai e então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, atribuiu ao fundo a gestão daqueles empreendimentos agro-industriais.

O decreto presidencial recorda um outro documento, assinado por José Eduardo dos Santos, de Maio de 2016, que então aprovou, por decreto, a concessão de projectos de desenvolvimento agrícolas, agro-pecuários e agro-industriais de fazendas do Estado de larga dimensão a sociedades comerciais e que autorizou o FSDEA “a deter a totalidade do capital das sociedades concessionárias”.

Contudo, lê-se, não foram “observados os princípios e as normas” estabelecidas no decreto de 2016, “como as cláusulas, as obrigações e requisitos cumulativos previstos nos contratos para a sua entrada em vigor, nomeadamente da detenção do capital social”, de forma directa ou indirecta pelo FSDEA, ou ainda “o registo de todo o património em nome do Estado”.

Estas seis fazendas faziam parte da carteira de investimentos gerida — em representação do fundo soberano – pela empresa Quantum Global, fundada e liderada pelo suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais.

Em causa estão algumas das maiores fazendas do país, construídas com investimento público. São resgatadas a favor do Estado as fazendas do Longa (província do Cuando Cubango), cuja gestão estava entregue à sociedade Cakanduiwa, a de Camaiangala (Moxico), à Kadianga, a do Cuimba (Zaire), à Cakanyama, a do Manquete (Cunene), à Makunde, a de Camacupa (Bié), à Agri-Gakanguka, e a de Sanza Pombo (Uíge), também à Cakanyama. Totalizam cerca de 70.000 hectares e concentram a produção em grãos, oleaginosas e arroz.

Estas fazendas, estabelece o documento assinado pelo Presidente, passariam a estar sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura e Florestas e do Ministério das Finanças, “que devem preparar as condições técnicas para a sua privatização às entidades dotadas de capacidade técnica e financeira, mediante concurso público internacional”, face à “necessidade de se dinamizar e operacionalizar” a produção.

No decreto em que José Eduardo dos Santos autorizou em 2016 a entrega da gestão das fazendas ao FSDEA, liderado à data pelo filho, estava prevista uma concessão inicial por 60 anos, renovável por períodos de 30 anos.

Também estava previsto que o Fundo Soberano assumisse a totalidade do capital social das empresas que receberam aquela gestão, mas que pertenciam à Quantum Global.

Ao contrário de João Lourenço o Folha 8 foi à luta. E continua lá!

Vejamos, a título de exemplo, um dos muitos artigos que o Folha 8 publicou sobre o assunto. Este é de 19 de Setembro de 2017 e tinha o título: “Viva o clã Dos Santos. Ámen”:

«O Fundo Soberano de Angola (FSDEA), dirigido por José Filomeno do Santos, filho de sua majestade emérita (José Eduardo dos Santos) alcançou, em 2016, um resultado líquido de 44 milhões de dólares (36,8 milhões de euros) e uma redução de despesas operacionais de 40% comparativamente a 2015.

E m comunicado de imprensa, o FSDEA refere que foi realizada, pelo quarto ano consecutivo, uma auditoria pelas empresas Deloitte e Touche, que realça o alcance de lucros, pela primeira vez, em menos de quatro anos do início das operações, em Outubro de 2012.

A nota sublinha que os rendimentos resultam de uma “política de investimento prudente e do retorno positivo dos investimentos no ramo da agricultura e das infra-estruturas”.

Em 2016, os activos totais do FSDEA passaram de 4,75 mil milhões de dólares (3,9 mil milhões de euros), em 2015, para 4,99 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros), em 2016, tendo 58% da carteira total sido dedicada a activos na África subsariana, 10% na América do Norte, 12% na Europa e 20% no resto do mundo.

Os investimentos líquidos espelham ainda um resultado de 22 milhões de dólares (18,4 milhões de euros), enquanto os investimentos líquidos de rendimento fixo estão avaliados em 1,1 mil milhões de dólares (920,6 milhões de euros), representando 22% da carteira total.

Relativamente aos investimentos líquidos de rendimento variável estão avaliados 695 milhões de dólares, uma representatividade de 14% da carteira total, e os investimentos de “private equity” (participações privadas) aumentam, desde 2015, 0,26 mil milhões de dólares.

De acordo com o comunicado, os principais ganhos dos sete fundos de investimentos dedicados a ‘private equity’ registam-se no Fundo para Agricultura (0,11 mil milhões de dólares) e no Fundo para Infra-estrutura (0,18 mil milhões de dólares), que contrapõem a depreciação de capital de 30 milhões de dólares registadas nos cinco fundos restantes.

Dos 2,7 mil milhões de dólares dedicados a investimentos de ‘private equity’, 433 milhões de dólares estão investidos em Angola e na região da África subsariana, estando as despesas internas de operação 40% mais baixas que as de 2015.

O FSDEA informa ainda que em 2016, não foi realizada nenhuma dotação adicional de capital pelo executivo angolano.

No que diz respeito aos resultados alcançados, o presidente do Conselho de Administração do FSDEA, José Filomeno dos Santos, citado no comunicado, destaca o facto de aquele principal fundo do país ter alcançado a rentabilidade financeira em menos de três anos de actividade, “apesar do contexto difícil de investimento que se regista internacionalmente desde 2013”.

Para José Filomeno dos Santos, “os ganhos de capital dos activos do FSDEA confirmam um progresso inquestionável na implementação da política de investimento traçada pelo executivo angolano”.

“Orgulhamo-nos pela valorização registada nos investimentos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura, onde predominam activos importantes para a República de Angola, como o primeiro porto de águas profundas de Cabinda e as fazendas agro-pecuárias de larga escala”, disse o responsável, acrescentando que, em 2016, estes activos contribuíram bastante para os resultados líquidos do FSDEA.

O comunicado refere que, em 2015, o FSDEA foi autorizado pelo Ministério das Finanças de Angola a implementar um processo gradual de adopção das Normas Internacionais e Relato Financeiro (IFRS), um processo concluído em 2016.

“O Fundo Soberano de Angola é a primeira instituição angolana a demonstrar o elevado nível de exigência, divulgação e transparência imposto pelas Normas Internacionais de Relato Financeiro”, realça a nota.

No âmbito da acção social, o FSDEA dedica até 7,5% do seu capital para programas nessa área, “que têm produzido ganhos socioeconómicos para diversas comunidades e regiões de Angola”, através apoios à organizações não-governamentais que operam nos ramos da formação profissional, auto-sustento, acesso à água e serviços de saúde, que beneficiam populações de zonas remotas e periurbanas de Angola.

“Durante os próximos anos, alcançaremos uma valorização crescente dos fundos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura e prevemos que os restantes cinco fundos alcançarão o equilíbrio financeiro”, disse José Filomeno dos Santos.

“Em geral, o Fundo Soberano de Angola apresenta hoje resultados satisfatórios, face ao contexto macroeconómico nacional difícil, marcado pela desvalorização da moeda e a volatilidade do preço internacional do petróleo bruto”, salientou o responsável, observando que o fundo “já se encontra bem posicionado para continuar a crescer”.

“Panamá Papers”… Luanda

O escândalo que ficou conhecido como “Panamá Papers”, pois teve como peça-chave a empresa panamiana, Mossack Fonseca, teve a sua investigação conduzida ao longo de um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists, ICIJ), pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por mais de uma centena de outros órgãos de comunicação social.

Dentre os nomes de altos dignitários aparece somente um político dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Alguém adivinha quem é? Se o leitor pensou em José Maria Botelho de Vasconcelos, ministro do Petróleo de Angola, acertou. E ele não foi apenas meramente citado na investigação. O “rei do petróleo angolano” é destacado como um dos principais agentes no esquema de corrupção pelo cargo e por uma vasta rede de influência no mundo petrolífero.

O facto é importante porque legitima o que vários jornalistas e activistas de Angola dizem há anos: o governo de José Eduardo dos Santos é altamente corrupto e utiliza a cadeia do petróleo para drenar recursos em benefício próprio. A investigação como a do “Panamá Papers”, revelou ao mundo o que verdadeiramente ocorre em Angola, corrobora maciçamente com o que os angolanos e observadores estrangeiros têm afirmado ao longo dos anos: o petróleo do país deixou de financiar a guerra civil para enriquecer uma nova elite corrupta.

E não é somente o “braço direito” do presidente Eduardo dos Santos que parece estar envolvido nas revelações do “Panamá Papers”, pois o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) também está ligado a essa teia de corrupção global. O FDSEA, que tem as suas receitas provenientes da Sonangol (aí está novamente a indústria petrolífera e Isabel, a irmã de José Filomeno do Santos), já era alvo de inúmeras suspeitas de lavagem de dinheiro, nepotismo e irregularidades financeiras.

Nas investigações divulgadas há um claro indício de lavagem de dinheiro, onde milhões e milhões de dólares foram investidos no Banco Kwanza sem praticamente nenhum sistema de transparência ou auditoria, e essas quantias foram repassadas a destinatários até então desconhecidos.

Até quando esta situação vai permanecer? É uma pergunta de extrema importância que os cidadãos angolanos devem ter em mente, pois as bombas atómicas vão continuar a cair até que algo seja feito. O fortalecimento das instituições públicas e dos preceitos da democracia é um passo importante. Já que a elite política e económica de Angola não se preocupa com o povo, parece que vamos ter um longo caminho até que a situação acabe.»

Se Sua Excelência o Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo quiser, o Folha 8 poderá remeter-lhe o que escreveu sobre este e outros temas que, hoje, merecem a sua concordância mas sobre os quais esteve em silêncio quando éramos (com a sua conivência) atirados às feras.

Folha 8 com Angop

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One Thought to “Privatize-se o reino, já! Começando pelo Governo”

  1. Dioney Ferreira Dias

    Casos de corruções como esse são fichinhas. Os Líderes de Angola entraram em conchave com as maiores empresas brasileiras e políticos presos pela Operação Lava-Jato. Operação que já prendeu políticos e os maiores empresários do País. Angola foi um dos mais beneficiados por empréstimos do BNDES(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para obras de infraestrutura. O BNDES é um banco mais rico do que BID(Banco Interamericano de Desenvolvimento). O Bndes foi criado para financiar o desenvolvimento econômico brasileiro, mas por outro lado, é usado para financiar os amigos do rei.

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