A polícia do MPLA, que supostamente deveria ser de Angola, dispersou hoje com gás lacrimogéneo mais de 200 estudantes e activistas que se manifestavam, em Luanda, contra a pretensão do Governo de cobrar propinas no ensino superior regular, a partir de 2020. Liberdade de expressão? Era bom se Angola fosse o que não é, um Estado de Direito.
A manifestação ‘Propina Not’ ou ‘Propina Não’ juntou no Largo das Heroínas mais de duas centenas de jovens, que empunhando cartazes (provavelmente fabricados com material letal que indiciava a tentativa de um golpe de Estado) repudiavam a intenção do Governo angolano em passar a cobrar propinas no ensino universitário.
“Os pobres não devem pagar pela má gestão dos recursos públicos do país”, “não temos dinheiro para pagar as propinas”, “não fomos nós quem saqueou o país” e “diga não à elitização do ensino superior”, lia-se nos cartazes dos manifestantes.
Depois de marcharem um quilómetro e sob acompanhamento da polícia do MPLA, os manifestantes “insurgirem-se contra os efectivos” da corporação, precisamente no largo 1º de Maio, centro de Luanda, por alegadamente ter “invertido o percurso da marcha”.
A situação deu origem a momentos de tensão entre manifestantes e efectivos da polícia, cenário que motivou a paralisação do trânsito por mais de 15 minutos quando se tentava um consenso sobre o percurso da marcha.
Além da polícia de ordem pública e de trânsito, a brigada canina e a polícia antimotim também reforçaram o cordão de segurança no local. Provavelmente até as Forças Armadas estavam de prevenção, tal a perigosidade dos 200 jovens que as autoridades calculam terem sido treinados para pôr e perigo a segurança do Estado.
Os manifestantes tencionavam marchar até o Instituto Nacional de Luta contra a Sida, enquanto a polícia os direccionava para a avenida Deolinda Rodrigues, até ao cemitério da Santa Ana, o que alterou os ânimos dos manifestantes e em reacção a polícia dispersou-os lançado granadas de gás lacrimogéneo. Foi, aliás, o mínimo que os polícias poderiam fazer para travar todo aquele vasto arsenal bélico escondido nos cartazes, nos telemóveis e bolsos dos manifestantes.
“Pisa propinas” e “nós queremos estudar” eram as palavras de ordem durante a marcha dispersada pela polícia, onde o estudante Abílio Alfredo marcou presença para manifestar o seu descontentamento. “Estamos a manifestar-nos porque o Estado angolano está a implementar a cobrança de propinas no ensino gratuito quando sabemos que em várias partes do mundo a propina é gratuita no ensino superior”, disse à Lusa o estudante de 21 anos.
Adelina Kipaca, estudante de 23 anos, questionou as motivações do Governo angolano em pretender cobrar propinas no ensino superior, recordando que a “maior parte dos jovens estão desempregados e os pais não têm condições para suportar despesas”.
“Por isso é que me identifiquei com a causa e estou aqui a me manifestar”, afirmou.
Por seu lado, Ariclenes Gouveia também respondeu afirmativamente ao apelo do “Movimento Estudantil Propina Não”, defendendo que a medida vai concorrer para o “aumento de mais jovens fora do sistema de ensino”.
“Quando infelizmente temos informação que poderão ser cobradas propinas a partir de 2020 e como cidadão não posso permitir que isso aconteça”, referiu.
Mesmo pressionados pela polícia, Salomão Panzo, em representação do “Movimento Estudantil Propina Não” apresentou aos jornalistas o manifesto da marcha recomendando ao Governo do MPLA (que “só” está no poder há… 44 anos) para “não avançar com a medida”.
“A primeira razão é a crise financeira que até agora não tem soluções concretas, porque acabou por abalar o sector económico causando desemprego. O desemprego aumentou, quer dizer que os dois anos de governação de João Lourenço não contribuíram para a melhoria da situação económica”, afirmou.
Segundo o manifestante, a crise económica que o país atravessa tem origem na “má gestão dos recursos públicos e não pode ser coberta com os bolsos dos pobres. O que quer dizer que os pobres não podem pagar pela má gestão dos recursos que Angola possui”.
Desta feita, acrescentou ainda, o Movimento Estudantil recomenda o Estado angolano e aos seus parceiros “para que encontrem outras fontes para financiar o ensino público regular e não nos bolsos dos pobres”.
Janeiro de 2016, na era de Eduardo dos Santos
Algumas dezenas de estudantes do ensino superior manifestaram-se no dia 30 de Janeiro de 2016, em Luanda, empunhando cartazes contra os “aumentos exorbitantes” nas taxas e propinas das universidades públicas e privadas angolanas, protesto que foi condicionado pela intervenção policial.
Por outras palavras, a Polícia continuava a cumprir ordens do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, corroboradas pelo Presidente da República (José Eduardo dos Santos) e planeadas pelo Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos), no sentido de que no reino só são permitidas manifestações democráticas a favor do regime. Hoje basta substituir o nome de José Eduardo dos Santos pelo de João Lourenço. Tudo o resto é igual.
Nunca se sabe, daí a tese do regime, se estes estudantes não visavam, sob o manto dos “aumentos exorbitantes” das taxas e propinas, criar uma rebelião e um atentado contra o Presidente da República. Ou, até, como dizia Luvualu de Carvalho, o então embaixador itinerante de Eduardo dos Santos e hoje embaixador de João Lourenço na Guiné Equatorial, levar a uma intervenção da NATO.
Nesse dia de 2016, os estudantes começaram a concentrar-se nos arredores da capital angolana e o objectivo, conforme anunciado pelo autodesignado Movimento de Estudantes Angolanos (MEA), era marchar em direcção ao largo 1.º de Maio, no centro de Luanda.
“A polícia veio e tirou-nos daqui à força, com pressão. Não nos deixaram passar [marchar para o centro], disseram que eram ordens superiores”, disse na altura Miguel Quimbenze, porta-voz do MEA.
Ainda assim, e sempre sob forte aparato policial, conforme foi constatado no local pelos jornalistas (não pelos caninos sipaios do regime), um grupo de pouco mais de vinte estudantes conseguiu protestar, com cartazes, contra os aumentos nas universidades, junto à estrada de Catete, de acesso ao centro de Luanda.
Apesar da mobilização policial, não se registaram confrontos ou detenções. Isto porque, mais uma vez, o regime combate a força da razão com a razão da força. E entre ser herói morto (Cassule, Kamulingue, Ganga etc. etc.) e mais ou menos cobarde vivo, a escolha parece razoável…
Já depois da convocação deste protesto, o Ministério do Ensino Superior anunciou que iria reunir-se com universidade e associações de estudantes para abordar os valores de taxas, emolumentos e propinas cobradas pelas instituições.
“Temos agora uma moratória de sete dias e depois esperamos mais duas semanas. Se nada se alterar, então vamos convocar novo protesto e antes do início do ano lectivo voltaremos a sair à rua”, afirmou o porta-voz do MEA.
Os estudantes criticavam os aumentos nos valores cobrados para as taxas de ingresso, que face ao ano escolar de 2015 chegavam a ultrapassar os 100%, variando entre os 4.000 e os 12.480 kwanzas (23 a 76 euros), explicou Miguel Quimbenze.
Em Angola decorria nessa altura o processo de candidaturas ao ensino superior, cujo ano lectivo deveria arrancar em Março, com os estudantes a denunciarem igualmente aumentos generalizados nas propinas, passando para entre 30.000 e 38.000 kwanzas (177 a 224 euros) por mês, dependendo das universidades.
O salário mínimo nacional em Angola estava então fixado desde 2014 entre os 15.003,00 e os 22.504,50 kwanzas (88 a 132 euros), enquanto os preços não param de subir há mais de um ano, devido à crise financeira, económica e cambial que o país atravessa, face à quebra na cotação do petróleo.
O protesto desse dia de Janeiro de 2016, que devia terminar no centro da cidade de Luanda, visava ainda reclamar a implementação de um passe social de estudante, devido aos aumentos, nesse mês, do preço dos combustíveis e dos transportes públicos, que, dizem, vão “pesar nas despesas diárias com o transporte dos estudantes”.
Além de 45 estabelecimentos privados de ensino superior legalizados (um destes sem funcionar), Angola contava com 28 públicos, que cobrem, nas sete regiões académicas, todo o país. Mais de 269.000 estudantes frequentavam as instituições de ensino superior em Angola, no arranque do ano lectivo de 2015.
Folha 8 com Lusa