Pagamos bem… aos outros

Angola é actualmente o sexto maior contribuinte da União Africana (UA), com uma quota de 8% do “orçamento regular” (de 280 milhões de dólares – 244 milhões de euros), relembrou – sobretudo aos angolanos não se enquadram nos 20 milhões de pobres – o chefe da diplomacia angolana, Manuel Augusto.

Segundo Manuel Augusto, para o orçamento de 2019, Angola vai contribuir com 27,6 milhões de dólares (24 milhões de euros), sendo 5,2 milhões (4,5 milhões de euros) para o fundo de paz, valores que ficam apenas atrás das contribuições de países como a Argélia, África do Sul, Egipto, Nigéria e Marrocos, cuja quota é de 12% (de um total de 55 Estados).

Na 31ª cimeira, que decorreu em Julho de 2018 em Nouakchott (Mauritânia), foi aprovado o orçamento da UA para o exercício de 2019 no montante total de 681,49 milhões de dólares (592,6 milhões de euros), repartidos por várias rubricas, em que o orçamento regular ficou estipulado nos 280 milhões de dólares (244 milhões de euros).

O orçamento operacional é de 158,46 milhões de dólares (137,8 milhões de euros), o de programas de 249,7 milhões de dólares (217,1 milhões de euros) e 139,5 milhões de dólares (121,3 milhões de euros) a serem mobilizados juntos dos parceiros internacionais.

Por outro lado, as operações de apoio à paz vão ser contempladas com 273,2 milhões de dólares (237,5 milhões de euros), sendo 11,3 milhões (9,8 milhões de euros) a partir de contribuições estatutárias dos Estados membros, com os restantes 261,9 milhões de dólares (227,7 milhões de euros) a mobilizar junto da comunidade internacional.

A União Africana e a corrupção

O secretário de Estado das Relações Exteriores de Angola, Téte António, afirmou, em Addis Abeba, Etiópia, que Angola “está à altura” de combater o fenómeno da corrupção e corresponder aos desafios do lema (“Vencer a Luta contra a Corrupção: Um Caminho Sustentável para a Transformação de África”) saído da 30ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA). Estará mesmo?

O combate à corrupção tem sido uma das teses do novo Executivo angolano, que se propõe acabar com a impunidade, a todos os níveis e em todos os sectores da sociedade. Até agora o Sol está, reconheça-se, a ser tapado com uma peneira que dá pelo nome de José Eduardo dos Santos, família e amigos que João Lourenço pôs na beira do prato.

Angola continua a ser, mau grado o ataque a alguns marimbondos (Eduardo dos Santos) que, contudo, mantém incólume a colmeia (MPLA/João Lourenço), um dos países mais corruptos do mundo.

“Esse é o nosso discurso nacional actual. Se há um tema sobre o qual se está a reportar mais em Angola é a luta contra a corrupção. Isto, a nível continental, também é preciso fazer”, expressou Téte António.

Falando, na altura, no âmbito da 30ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, o governante angolano disse ser uma oportunidade para tornar esse órgão continental mais efectivo e capaz de atender e interpretar os desejos dos seus povos. A seu ver, é necessário trabalhar para que os povos se revejam efectivamente na União Africana, sublinhando ser essa uma reclamação constante dos africanos.

Os povos de África, referiu, não querem uma organização africana do tipo Sindicato de Chefes de Estado, mas sim um organismo que os represente condignamente.

Para tal, apontou desafios que o continente deve vencer, como os conflitos e a pobreza, daí haver necessidade de definição de prioridades africanas, sobretudo a nível de meios.

Téte António entende que África não pode continuar com uma organização que depende muito de doadores externos, como acontece na Comissão de Paz e Segurança, que a seu ver pode “perder a sua soberania e independência”, por causa dos quase “90 por cento de doações” recebidas.

Corrupção em África

Os países africanos são considerados dos mais corruptos do mundo, um factor que contribui para o empobrecimento do continente e, é claro, para o enriquecimento das suas elites políticas e militares. Os esforços anticorrupção têm mostrado resultados mistos nos últimos anos, mas são essenciais para o desenvolvimento. Os governos precisam de combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.

Dos dez países considerados mais corruptos do mundo, seis estão na África Subsariana. O suborno, extorsão, troca de favores, clientelismo, apropriação e desvio de bens ou valores têm um custo anual de 150 mil milhões de dólares para os Estados de África, segundo estimativas da União Africana.

“A corrupção em África varia entre o alto nível político, numa escala de milhões de dólares, e o baixo nível, com subornos a autoridades e funcionários públicos. No primeiro caso, impõe um maior custo financeiro directo ao país, no segundo caso tem um efeito corrosivo sobre as instituições básicas e mina a confiança dos cidadãos no governo”, referiu a jornalista Stephanie Hanson na publicação Council on Foreign Relations.

Mais de metade dos cidadãos da África Oriental, por exemplo, pagam subornos para ter acesso a serviços públicos que deveriam estar livremente disponíveis (onde é que nós vemos isto?), relata a organização Transparência Internacional, o que também aumenta os custos de fazer negócios, uma vez que há uma correlação entre a eficácia no combate à corrupção e o aumento de produtividade de um país. “Atacar a corrupção é a melhor maneira de atacar a pobreza”, sintetiza Nuhu Ribadu, ex-presidente da EFCC, comissão anticorrupção nigeriana.

A abundância de recursos naturais, uma longa história de governos autocráticos, o não prestar de contas aos cidadãos (onde é que nós vemos isto?) e os conflitos e crises no continente têm criado grandes desafios à boa governação e à luta contra a corrupção em África, apesar dos progressos recentes em termos de democracia e direitos humanos em vários países.

“Os recursos naturais são cada vez mais tentadores para algumas elites africanas e empresas multinacionais. Também a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por agências nacionais e internacionais não está livre de abusos e corrupção. A prestação de serviços públicos é precária e os funcionários são frequentemente tão mal pagos, que recorrem à corrupção “insignificante” para sobreviver. Instituições que deveriam garantir o equilíbrio de poder dentro do sistema são muitas vezes limitadas pela falta de recursos e independência”, resume a Transparência Internacional.

Negócios e política, política e negócios

Na maioria dos países africanos, como os angolanos sabem há 43 anos por dramática experiência própria, os governos não têm capacidade ou vontade em lidar eficazmente com a corrupção. Além disso, o nível de desenvolvimento e organização da sociedade civil também varia consideravelmente, embora tenda a tornar-se mais activa e preocupada com as questões de corrupção e boa governação.

“A sociedade civil e os meios de comunicação social livres podem levar a uma maior responsabilidade dos governos e à adopção de reformas nas áreas da governação e gestão dos recursos públicos, tornando-se os pilares da integridade nacional dos países”, preconiza a TI.

Um exemplo dessas iniciativas é o da rede Corruption Hunter Network, que combate a corrupção em todo o mundo através de reuniões de apoio aos seus membros. Em África esta rede de promotores públicos deu ajuda directa e protecção a activistas como o nigeriano Nuhu Ribadu e o zambiano Maxwell Nkole na luta contra a corrupção nos seus países, embora este apoio nem sempre seja eficaz.

A corrupção endémica nos Estados africanos leva à revolta das populações. Rebeliões no Delta do Níger, na Nigéria, foram provocadas por reivindicações da comunidade local de 30 milhões de pessoas por não beneficiarem com a extracção petrolífera nas suas terras, cuja receita é desviada para funcionários governamentais. Cabinda e as Lundas são, no nosso caso, paradigmas…

A corrupção também corrói o processo político, com muitos políticos a interessarem-se por cargos e reeleição em função do acesso a dinheiros públicos e à imunidade (onde é que nós vemos isto?). A compra de votos e a fraude eleitoral – como, mais uma vez , os angolanos sabem – “são formas mais fiáveis e fáceis de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a aprovação dos eleitores pela boa governação”, comprova Paul Collier, director do Centro de Estudos das Economias Africanas (CSAE).

Na última década, países como a Libéria, Ruanda e Tanzânia fizeram progressos na redução da corrupção e o Gana registou melhorias nas normas de boa governação e na transparência em actos governativos. Apesar de terem criado agências anticorrupção, a Nigéria, Quénia e África do Sul registaram escassos avanços. A ECA, comissão económica das Nações Unidas para a África, afirma que as comissões anticorrupção nacionais têm sido “muito ineficientes e ineficazes”, em grande parte por causa do seu financiamento e supervisionamento pelo poder executivo. Sempre que incomodam o poder instalado estas agências são eliminadas, como aconteceu em 2009 com a Scorpions na África do Sul, ou os seus responsáveis são depostos ou forçados a sair do país, como se registou na Nigéria e Quénia.

Por outro lado, chefes de Estado africanos apoiam o financiamento oculto de líderes políticos de antigos países colonizadores. Robert Bourgi, ex-consultor do Governo francês para assuntos africanos, acusou o ex-chefe de Estado Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin de terem recebido ilegalmente dinheiro e obras de arte dos presidentes do Senegal, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Congo e Gabão. “Avalio em cerca de 20 milhões de dólares o valor total entregue”, diz Robert Bourgi. Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos de poder em África em troca de financiamentos partidários e acesso a matérias-primas.

Custos silenciosos

As estimativas dos custos da corrupção no continente africano não podem ser muito rigorosas, uma vez que a avaliação não é composta apenas pela soma de dinheiro perdido, mas também de desenvolvimento adiado e crescimento das desigualdades, que são menos fáceis de quantificar. Os 150 mil milhões de dólares anuais que os relatórios da União Africana estimam incluem custos directos e indirectos, o que representa 25 por cento do Produto Interno Bruto dos Estados de África e um aumento dos custos dos bens transaccionáveis em 20 por cento.

Quanto à eficácia da ajuda externa, o estudo «The Cost of Corruption», publicado na revista Euromoney, estimava que 30 mil milhões de dólares acabaram em contas bancárias no exterior. Pelo lado da arrecadação de receitas fiscais, o Banco Africano de Desenvolvimento calcula que a corrupção leva a uma perda de aproximadamente 50 por cento e estima que as famílias de baixo rendimento gastam de 2 a 3 por cento dos seus rendimentos no pagamento de subornos, enquanto as famílias de maiores rendimentos gastam em média 0,9 por cento. Estas avaliações demonstram que a corrupção em África está disseminada e é dispendiosa para os cidadãos de mais fracos recursos.

A corrupção silenciosa pode ser tão prejudicial ao crescimento económico geral e ao desenvolvimento de um país como a grande corrupção e os escândalos de subornos que recebem maior atenção mediática. No relatório «Africa Development Indicators 2010», o Banco Mundial já definia a corrupção silenciosa como «o não fornecimento pelos funcionários públicos de bens ou serviços para que são pagos pelos governos».

Esta corrupção passiva acontece quando professores e profissionais de saúde que, segundo os orçamentos do governo deviam trabalhar a tempo inteiro, são absentistas porque os salários para lhes pagar foram desviados por funcionários corruptos.

«A corrupção silenciosa não faz os títulos dos jornais da mesma forma que os escândalos de subornos, mas é igualmente corrosiva para as sociedades», alerta Shanta Devarajan, economista principal para a Região África do Banco Mundial. A corrupção silenciosa permitiu fracos controlos aos produtores e grossistas de fertilizantes que tiveram como resultado que 43 por cento dos adubos vendidos na África Ocidental não tivessem nutrientes e que mais de metade dos medicamentos vendidos nas farmácias na Nigéria fossem falsificados. A corrupção diminui o bem público e cresce onde há poder autocrático e pobreza.

Folha 8 com Lusa

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