(Não) basta pescar. Peixe e incompetência não faltam

Trinta e cinco mil toneladas de pescado diverso (sobretudo sardinha) foram capturadas no primeiro semestre de 2019 na província de Benguela, contra as 26.600 de igual período do ano transacto, uma evolução de 24 por cento, revela a Angop, citando o chefe de departamento do Gabinete Provincial das Pescas, Francisco Morais.

Francisco Morais deu a conhecer que, com uma orla de quase 200 quilómetros de extensão, equivalentes a 105 milhas náuticas, a província está servida por uma frota composta por 25 embarcações industriais e 2.044 do tipo artesanal.

As unidades piscatórias (exceptuando as embarcações artesanais) estão representadas por 49 empresas. Destas, apenas 19 estão em produção plena e as demais vivem dificuldades devido a escassez (como não poderia deixar de ser) de divisas para a importação de peças de reposição.

Quanto à exportação de peixe e seus derivados, algo já ensaiado em anos recentes, Francisco Morais frisou que a actual conjuntura dá mais primazia ao consumo interno, não se tendo registado qualquer acção de exportação de peixe ou seus derivados.

A título de exemplo, apontou a redução da produção de farinha de peixe, de 125 toneladas nos últimos meses de 2018 para as 70 toneladas produzidas no I semestre deste ano, como consequência da escassez que se assiste ultimamente, aliada à política que atribui primazia ao consumo humano.

A província de Benguela conta com uma única fábrica de farinha de peixe, no município da Baía Farta, que também se dedica a produção de óleo de peixe, mas com os níveis produção actualmente muito reduzidos.

No que tange à provável recuperação das unidades de produção de conservas de peixe, informou que uma das questões colocadas pelos interessados tem a ver com a importação da matéria-prima para o fabrico de latas ou embalagens das conservas, o que poderá redundar na dupla tributação, já que a unidade fabril vai pagar impostos, tal como as embarcações de pescas que vão alimentar a fábrica.

“Tal como está o sistema angolano de tributação não se afigura fácil encontrar isenções ou pelo menos redução de impostos para os investidores nesta área”, frisou, indicando que não está fácil encontrar uma saída airosa para os interessados nos investimentos.

Sobre a produção de sal, área em que a província prevê atingir desde há dois anos as 100 mil toneladas, Francisco Jorge Morais apontou 37 mil toneladas como produção dos primeiros seis meses do corrente ano, número que representa uma redução de 9,8 por cento em relação aos resultados de 2018.

Quanto ao peixe seco, uma actividade abraçada apenas por famílias pescadoras do sub-ramo artesanal (os industriais consideram haver duplicidade de despesas para a produção de peixe seco), informou que Benguela atingiu no período em referência 850 toneladas, contra as 245 toneladas dos últimos seis meses de 2018.

Outra área que está a despertar o interesse de investidores na região é a produção de tilápia através da aquicultura, por meio de tanques, que conta com alguns projectos embrionários nos municípios da Ganda, Cubal e Lobito, cuja produção semestral já vai nos 1.482 quilogramas de peixe.

Segundo o chefe de departamento, no geral, o sector das pescas emprega mais de 14 mil cidadãos, que se dedicam tanto à pesca, como à produção de sal.

“Acredito em dias melhores no sector das pescas, tanto mais que faço parte dos quadros mais antigos que integraram nos anos 90 a primeira equipa de fiscais angolanos formados por expatriados espanhóis, cujo grupo, antes composto por 18 fiscais, nunca mais foi renovado, por falta de concurso de admissão”, frisou.

Ainda assim, com sete fiscais do quadro permanente e alguns colaboradores, a área de fiscalização realizou no período em alusão 287 inspecções diversas, em que foram detectadas 90 infracções.

Sem avançar o montante resultante das multas cobradas, avançou que o órgão de tutela está ao corrente da necessidade de um concurso público para admissão de mais especialistas, tendo em conta a extensão da orla marítima, que não deve continuar a ser atendida por apenas sete fiscais.

O sector de fiscalização conta com sete embarcações, entre as quais uma de grande porte, outra de média dimensão e cinco rápidas e de pequeno porte.

Recordando, com saudade, Tômbwa

Já foi o maior centro pesqueiro de Angola, então como Porto Alexandre, no sul do país, com dezenas de indústrias, nomeadamente conserveiras, mas o declínio das últimas décadas no Tômbwa tenta hoje ser, lentamente, revertido. Isto num país independente desde 1975 e que há 17 vive em paz. Sempre, é claro, governado pelo mesmo partido, o MPLA.

Com mais de 50.000 habitantes, no município do litoral mais a sul em Angola, na província do Namibe, não há família que não viva da pesca, até porque outras indústrias praticamente não existem.

No tempo colonial português, e então fundado por pescadores oriundos do Algarve, Porto Alexandre, a designação abandonada em 1975 e que sucedeu à secular Angra das Aldeias, foi o principal centro pesqueiro angolano – e um dos maiores em África -, com indústrias que ainda hoje, em ruínas, polvilham ao centro da cidade, junto à baía e aos barcos ancorados no seu interior.

Há pouco menos de um século, de Porto Alexandre partia peixe salgado para vários pontos do continente africano.

A guerra civil que se seguiu à independência afundou o sector e muitos pescadores, de origem portuguesa, partiram em 1976, a bordo dos próprios barcos, rumo ao Brasil e a Portugal.

“No passado, até aos anos 80, o município do Tômbwa estava no auge no sector das pescas, depois declinou um bocado”, dizia à Lusa, em Abril de 2018, Benvinda Mateus, administradora municipal adjunta, em funções há oito anos.

Como exemplo apontava que o município tinha então nove empresas em pleno funcionamento, de congelação, processamento de pescado, conserveiras, salineiras e de produção de farinha e de óleo de peixe.

Contudo, outras 14 empresas – as suas estruturas físicas – do sector estão paralisadas, ao abandono, algumas servindo apenas de depósito de lixo.

“Há casos em que já nem fazem a actividade que estava prevista e outras que se tornaram em focos de depósito de resíduos sólidos”, lamenta a administradora-adjunta, ressalvando a importância do sector, envolvendo a pesca industrial e artesanal, e a sua revitalização, iniciada em 2016.

Só de bandeira nacional fazem porto no Tômbwa cerca de duas dezenas de embarcações de pesca industrial, às quais se somam, em todo o município, outras três centenas, artesanais.

“Dos 54.000 habitantes, a maior parte das pessoas dedicam-se mesmo à pesca. Uma boa parte trabalha nestas indústrias”, explicou Benvinda Mateus, acrescentando que só a maior empresa, a Nova Vida, de processamento de pescado, dava emprego a mais de 500 pessoas do Tômbwa.

Pelo centro da cidade, o frenesim da entrada e saída das fábricas em operação nota-se várias vezes ao dia, em função da chegada de peixe nos barcos, para fazer o processamento.

Verónica Sango e Melária Canuela tinham ambas 22 anos e eram processadoras de peixe na fábrica da Nova Vida, que por si só também tem três embarcações de pesca industrial.

Dependendo da faina do dia, podiam chegar a processar, congelando e distribuindo em caixas, 250 toneladas de peixe, num trabalho que começava às 07:30 e que podia acabar já depois das 17:00.

“Depende muito, porque por vezes o barco traz poucas toneladas. Mas gosto do trabalho que faço e tenho muito orgulho nele”, afirmou Verónica.

Pelas mãos destas duas mulheres, entre centenas de outras, passa o carapau e a sardinha do Tômbwa que depois segue para todo o país e para o estrangeiro, em caixas de 25 a 45 quilogramas.

“Graças a Deus temos muita clientela, principalmente a sardinha, que é a mais procurada”, apontava Melária. “A maior dificuldade é mesmo quando não temos peixe”, rematou.

A administração municipal admitiu que mais podia ser feito relativamente às indústrias pesqueiras que se encontram paralisadas, mas apontava os entraves.

“Temos conservado e notificado os proprietários, para fazerem alguma coisa, mas sem êxito. Até mesmo com parcerias. Mas não estão nem aí, não fazem nem deixam outras pessoas interessadas fazer”, lamentava Benvinda Mateus.

Ainda assim adiantava que “outros investimentos” e indústrias estavam em fase de instalação no município, para ajudar a recuperar a glória pesqueira do passado.

Identidade de uma raridade

Vejamos, agora, um excelente texto de Pedro Cardoso, publicado no Rede Angola, em 22 de Setembro de 2016, sob o título Tômbua (Tômbwa):

“O cenário é de filme. Uma baía no meio de uma planície árida, horizonte para todos os lados com rochas avermelhadas mais para lá da cidade. A angra que já foi Porto Alexandre sucumbe às dunas do deserto que avançam, vindas do sul, sobre muros e casas. Semienterrada pela areia trazida pelo vento, Tômbua é ícone do Namibe e lugar único em todo o país.

O sul são histórias (umas quantas minhas). O cheiro a peixe seco e barcos de faina, a paisagem árida. E o mar. Sempre o mar. Tômbua fez parte dessas memórias emprestadas. Foi, durante muito tempo, uma fotografia da lua-de-mel dos meus velhos. Lembro-me de desenhar numa folha branca grande, a carvão, essa baía sépia com cheiro a álbum velho. Guardei-a em algum lugar que já se perdeu.

Agora o tempo é depois. As areias moveram-se, o cordão verde que protegia a cidade quase desapareceu e Tômbua teima em permanecer viva nesta porta do deserto do Namibe. O principal porto pesqueiro de toda a Angola quer sacudir a maré de areia que o ameaça engolir.

É exactamente a imagem de uma cidade semienterrada pelo deserto que exerce um fascínio único. Cenário estranho de lugar abandonado. Assim se formam os mitos que mais tarde alguém vai desenterrar para adivinhar-lhe a história. A imagem do cemitério de Tômbua com cruzes com meio corpo enterrado na areia é simbólica. Aqui, os mortos e os vivos sobrevivem. Todos os anos várias casas acabam por ser engolidas pelo deserto. E são várias as vozes que alertam para um cenário de catástrofe nacional que há que evitar a todo o custo. Casuarinas e acácias estão na linha da frente contra a desertificação soprada pelos ventos do sudoeste.

A história desta vila começou a ser registada oficialmente com a chegada dos navegadores portugueses ao Cabo Negro, a norte de Tômbua. Pouco depois, em Janeiro de 1486, chegaram à enorme baia onde encontraram duas grandes aldeias. Estava dado o nome a esta terra de Mucubais, Himbas e Khoisans: Angra das Aldeias ou Angra das duas Aldeias. Apenas em 1864, com a passagem de um capitão inglês chamado James Alexander, o lugar passou a chamar-se Porto Alexandre, depois de se chamar temporariamente praia das Macorecas.

A enorme riqueza destes mares chamou desde logo a atenção dos colonos. À semelhança de outras zonas do Namibe, em meados do século XIX começaram a chegar a esta baía famílias vindas do Algarve, pescadores de tradição do sul de Portugal. 1860 é a data oficial do início da construção do Porto Alexandre que hoje conhecemos. Em 1895, vira município. E depois da independência mudou o nome novamente, e passou-se a chamar Tômbua.

A pesca nunca deixou de ser o grande motor deste lugar, que faz do Namibe a principal província piscatória de todo o país. Alguns projectos falam que aqui vai nascer o maior porto piscatório de toda Angola. Enquanto isso, a vida da vila gira em torno do barco-vai, barco-vem. Na praia de Porto Alexandre, as mulheres esperam a chegada do peixe, encarregando-se de os preparar e vender. O cheiro a mar, a pescarias e a areia é tipo vento: omnipresente. Falar com as gentes e conhecer-lhes as vidas e histórias deste lugar isolado na boca do deserto, é parte da magia de visitar Tômbua.

O município – o maior do Namibe – é uma verdadeira pérola do turismo nacional. A famosa Baía dos Tigres é, talvez, a mais conhecida. Mais lá ao fundo, a foz do Cunene. E outros lugares que ainda visitaremos com mais atenção, mas que não podem ficar de fora, como o Arco ou a Rocha.

Acompanhe o mar ao longo da sua espuma e das dunas que lhe moldam as baías do Namibe. Em Tômbua, afaste a areia com os dedos e abra a porta deste deserto fantástico que Angola guarda como um tesouro escondido a sul.”

Folha 8 com Angop e Lusa

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