O Presidente do MPLA, da República e Titular do Poder Executivo justifica as mudanças de ministros para resolver problemas do povo. Por outras palavras, João Lourenço reconhece que os ministros substituídos foram incompetentes e, mais do que isso, levanta a questão: Se não resolveram os problemas do povo, resolveram os problemas de quem?
Estávamos em Fevereiro de 2018. O então líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, queria ver corrigido o favorecimento da escolha de quadros do partido e a necessidade de posterior colocação, quando não são reconduzidos, que recordou arrastar-se desde “o tempo do partido único” em Angola.
Quem diria? Mas o “escolhido de Deus”, “querido líder” e (entre muitos outros eméritos qualificativos) “arquitecto da paz” lá sabia o que dizia.
José Eduardo dos Santos discursava no dia 21 de Fevereiro de 2018 na abertura de uma reunião do secretariado do Bureau Político (BP) do MPLA, realizada em Luanda, em que participaram os primeiros secretários provinciais do partido.
De acordo com o então líder do partido no poder em Angola desde 1975, os processos eleitorais internos “têm sido guiados pelo princípio da renovação na continuidade”, contudo “os que perdem as eleições ficam desempregados e à espera de nova colocação, sobrecarregando assim o departamento de quadros do partido com processos de pessoas para colocar”.
“Esta é a situação que vem do tempo do partido único, acho que deve ser corrigida. Duas condições devem ser observadas, os quadros devem ser eleitos por mérito próprio e o partido não deve favorecer ninguém, quem não é eleito ou reconduzido deve procurar meios próprios para a sua colocação”, referiu.
Outro problema ainda focado por José Eduardo dos Santos (que só esteve 38 anos como Presidente da República e Titular do Poder Executivo), que abordou assuntos sobre a vida interna do partido, tem a ver com a dimensão dos aparelhos administrativos do MPLA e os seus orçamentos, que colocam um grande desafio à direcção do partido.
“Porque não há quase sempre recursos financeiros para garantir uma remuneração justa dos trabalhadores. Quanto ao emprego desses aparelhos administrativos, esses devem ser estáveis e não estarem em constante mudança, por decisão do secretário”, considerou.
José Eduardo dos Santos manifestou igualmente preocupação, considerando este um “desafio que requer uma profunda reflexão”, a formação de dirigentes e quadros do partido, para que conheçam bem os estatutos e os regulamentos do partido.
“Os grupos e sessões ou círculos de estudo nos comités de acção deveriam ser reactivados, com o objectivo de relançar esse estudo. O DIP [Departamento de Informação e Propaganda] também poderia contribuir para essa formação ou a divulgação, estabelecendo os canais de informação interna, o que já conseguimos aliás, e modernizando as técnicas de comunicação e informação”, disse.
Ele deve ter razão…
Segundo o então presidente do partido, o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros protagonistas. Mesmo assim talvez sejam todos do… MPLA.
Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto foi o único a dar um contributo na luta armada contra o colonialismo português e para a conquista da independência nacional que, ao fim de 44 anos, mais não tem sido do que a mera substituição dos colonialistas. Deixaram de ser os portugueses e passaram a ser os angolanos do MPLA.
Cabe agora ao MPLA actualizar a cartilha e falar ao mundo do papel de João Lourenço na luta pela libertação de Angola, em particular, e do continente africano em geral. Com alguma habilidade ainda vamos ver referências ao seu contributo para a libertação da Europa.
Haverá já quem esteja a recolher elementos para escrever que, fruto da entrega de João Lourenço à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul.
Não nos admiremos que um dia destes alguém nos diga que, desde 1961 e até agora que só existem Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, Holden Roberto e Jonas Savimbi, FNLA e UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos lunáticos. Ou se existiram não eram certamente angolanos. Por isso não lhes é aplicável o título de heróis.
É de crer igualmente que João Lourenço foi também, segundo uma nova versão da cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.
“Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, João Lourenço foi e é incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”, dirão os génios do DIP.
Numa coisa a cartilha revista do MPLA terá toda a razão e actualidade: “João Lourenço reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.
E, como se vê, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 aos operários e camponeses do tipo João Lourenço & Associados.
Em reconhecimento da figura de João Lourenço devem ser erguidas em vários pontos do país estátuas suas, que simbolizem os seus feitos e legados, marcados pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”.
Os problemas do povo não foram resolvidos? Pouco importa. Importante são as estátuas que poderão ser vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome.