JLo à luz de Picasso

É sobejamente conhecida aquela sensação de amor à primeira vista e de que como esta determina o início uma nova era tal como numa epifania ou num achaque religioso evangélico. Subitamente, libertámo-nos de amarras antigas ingressando de rompante num admirável mundo novo (não propriamente o de Aldous Huxley – o neto – que em parábolas assombrosas discorreu sobre a desumanização e subjugação dos seres humanos o que não raramente acontece em amores à primeira vista).

Por Brandão de Pinho

Senti isso algumas vezes na vida. Em relação a questões íntimas e de amor prefiro não falar (a não ser que a fé contagiosa e contagiante que depositei em Jlo e na sua figura messiânica, nos primeiros dias do seu tirocínio conte como amor) mas lembro-me que ainda antes de ler o primeiro livro de Roberto Bolaño no caso o “2666” a minha frequência cardíaca atingiu níveis perigosos de taquicardia (só de ler a crítica portuguesa a render-se a esse autor) colocado num pedestal acima dos maiores dos mais ilustres de todos e de todos os tempos. Em menos de um ano já tinha lido toda a sua obra. Confirmou-se neste caso o tal amor à primeira vista.

No caso do Hip-Hop foi a mesma coisa. Bastou ouvir o primeiro CD dos “Da Weasel” (na realidade antes já tinham lançado um vinil) o “Dou-lhe com a Alma” do Pac Man, curiosamente um português da margem sul de progenitores angolano e cabo-verdiano, para saber que esse seria para sempre o meu estilo de música. E ainda o é hoje. E nunca mais gostei de outro álbum deste grupo pois neste caso não há amor como o primeiro (outro chavão para acrescentar ao do amor à primeira vista). O chamado Hip-Hop Tuga que é o que mais ouço acabou por se ir impondo tanto em Portugal como nos PALOP. Muitas vezes ouço alguns grupos angolanos e brasileiros e dos americanos só alguma coisa mais “Old School”. Nessa altura ainda não tinha racionalizado os motivos para tamanha paixão mas hoje compreendo-os. Abaixo enunciá-los-ei.

Se no início para “rappar” ainda era preciso um estúdio rudimentar no quarto e uns quantos aparelhos, agora basta um computador, um micro, um lápis, um caderno, um bom mestre ou professor e livros de poesia, rima e gramática. Será que isto não faz lembrar ninguém?

A prémio Nobel da Paz Malala Yousafzai que desafiou os latagões machistas e primitivos talibãs, sem medo e não desistindo nunca, disse estas palavras na cerimónia onde foi laureada: - “Uma criança, um professor, um livro e um lápis podem mudar o mundo”. O Hip-Hop fez e faz o mesmo, sobretudo para as camadas mais desfavorecidas a quem os pais não puderam proporcionar uma educação musical mais clássica, convencional e ortodoxa.

Esta democratização na música também aconteceu na Dança Contemporânea, na Literatura (de onde saem boas bostas apesar de “best sellers”) e sobretudo no lodaçal da internet e youtube com néscios “influencers” e oligofrénicos a dizer patetices. Na TV passa-se o mesmo. Gente sem nada de que se lhe aproveite a não ser o corpo, por norma artificial e demasiado tatuado, torna-se famosa por, tão-somente, aparecer nesses programas e quanto mais ignorantes, promíscuos, polémicos, violentos e atrasados mentais demonstrarem ser – genuína ou dramaticamente – mais fama angariam. Nos EUA essa fama tem-se eternizado sobretudo no seio de uma família arménia e fútil muito conhecida.

O paradoxo e expoente desta tendência e de novas correntes foi o aplauso estridentes da crítica ante uma tela em branco, uma orquestra que deu um espectáculo sem emitir um som – ainda que fardados e com instrumentos funcionais, e, a exibição numa exposição de artes plásticas de uma sanita feita em pedaços (que acabou por ter o lixo como destino quando um empegado de limpeza viu semelhante trabalho.

Da mesma forma quando na escola a professora nos falou do impressionismo também fiquei fascinado. Ainda hoje na minha cozinha tenho 4 reproduções dos grandes mestres franceses, sobretudo Matisse. Mas fui precipitado porque o fauvismo que logo se veio a impor ainda mais fascínio me causou com quadros de cores violentas, de forma arbitrária, movimento assim denominado quando um crítico de arte numa exposição comparou-os a feras (fauves) exaltando a habilidade dos fauvistas em tingir as sensações que estimulam o estado de espírito no livre curso dos impulsos interiores.

Ate que surgiu o cubismo e Picasso. O grande e genial mestre e menino-prodígio. Matisse, Cézanne e Picasso foram fazendo as transições de uns estilos para outros e este último disse mesmo do seu amigo francês: -“Ninguém tem observado a obra de Matisse mais cuidadosamente do que eu, e ninguém tem observado a minha mais cuidadosamente que Matisse”.

Historicamente o cubismo originou-se na obra de Cézanne, pois para ele a pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e cilindros. Entretanto, os cubistas foram mais longe do que Cézanne. Passaram a representar os objectos com todas as suas partes num mesmo plano. É como se eles estivessem abertos e apresentassem todos os seus lados no plano frontal em relação ao espectador. Na verdade, essa atitude de decompor os objectos não tinha nenhum compromisso de fidelidade com a aparência real das coisas mas tão-somente compreendê-las nas três dimensões, numa superfície plana, sob formas geométricas, com o predomínio de linhas rectas sugerindo corpos ou objectos como se se movimentassem em torno deles, testemunhando-os sob todos os ângulos visuais.

Picasso foi então e ainda é o meu ídolo da pintura e artes plásticas. Aliás pertence à corrente modernista de que fizeram parte Pessoa, Almada, Santa Rita Pintor e tantos outros portugueses apelidados de drogados e delinquentes. O andaluz é a minha referência (apesar dos seus poemas serem pouco mais que sofríveis tal como os do Assassino Nato) e aos 13 nos já era um espírito genial, também devido à formação excepcional que seu pai – professor de belas-artes e que cedo percebeu que criara um monstro prodigioso – lhe proporcionou de forma intensa, quase obsessiva mesmo que numa vida de saltimbanco.

A pintura de Picasso passou por várias fases segundo os cânones. Mas eu tenho a minha própria maneira de analisar os seus períodos e por estranho que pareça cada um destes coincide com a Angola lourencista dos últimos tempos e do conhecimento que tenho dela. Espantosa e improvável coincidência. Senão vejamos:

1-Período infantojuvenil do andaluz que os livros não referem amiúde. Como brilhante aluno e de técnica apurada fez pelo menos dois retratos de familiares ao melhor estilo desse género. Quando JLo foi eleito pareceu-me que a sua figura e Angola eram o retrato fiel e clássico da realidade e eu era um fanático mas apaziguado admirador dessa pintura que me fizeram crer que era Lourenço e a Nova Angola.

2- Período azul, ou melhor, azul-esverdeado em que a depressão, dramas familiares e perda de amigos bem como dificuldades económicas, solidão e melancolia marcaram o seu trabalho. Foi nessa altura que percebi que Lourenço afinal fazia abuso do poder para acertos de contas pessoais que não eram do interesse da pátria e ingerências perigosas em áreas supostamente independentes do poder governativo e que de uma forma subtil quase inócua ostracizava críticos, oposição e imprensa livre como JESSIE também o havia feito. Não vi futuro para a nação quando na cerimónia de empossamento não referiu o nome de Portugal, mesmo estando presente o híper-eléctrico e lacaio Marcelo, apenas e só porque havia um irritante que era do âmbito do Ministério Público lusitano, supostamente independente do Governo… mas afinal Portugal não é exemplo para ninguém.

3- Período Rosa, ou rosa-alaranjado-avermelhado para sermos exactos, cheio de arlequins e alegria que proporcionou ao artista a independência económico-financeira. Foi nessa altura que percebi que – mérito seja dado ao general – substanciais diferenças do antecessor eram significativas e Angola em termos de liberdade de expressão e imprensa afinal havia mudado radicalmente e ante a conjuntura económica mundial e o baixo preço do barril, Lourenço inundou-nos de esperança e alegria fazendo propostas para o país muito importantes e motivadoras.

4- Neste período de designado de africano (apesar de haver influências ibéricas e gregas) muito breve e preâmbulo para o cubismo, Picasso pintou “Les Demoiselles d’Avignon”. Nunca percebi o que de africano havia nas suas obras (comenta-se nos meios artísticos que foram 2 estatuetas indígenas do continente negro que se acabaram por reflectir na obra) mas suponho que tenha sido convencionado este nome à falta de melhor. Nesta fase, dizem que é notória a influência africana nas obras de Picasso. Ainda que esta seja curta, o artista produziu muitos trabalhos. Foi nesse momento que ele fez uma de suas composições mais emblemáticas para mim: “Três mulheres sob uma árvore” que – esta sim – aparenta reminiscências africanas porventura. Neste período a fase africana de Lourenço (que se comportou como um típico e déspota líder africano) vem ao de cima tornando-o em mais um tirano ditador africanista de que a história está repleta pela maneira, aparentemente nada inocente e justicialista, mas que redundou no radicalismo com a abertura de caça aos marimbondos (infelizmente mais tarde veio-se a saber que há marimbondos de 1.ª e de 2.ª categoria para os quais o enquadramento jurídico difere substancialmente). Esta fase africana curiosamente começou na vista a Portugal e também foi curta. Visita só possível pela ingerência do Governo e Presidência da Republica portugueses para a resolução de um certo irritante.

5- Período cubista analítico que foi uma verdadeira vanguarda artística europeia que teve início justamente em 1907 com a tela de Picasso: “Les Demoiselles d’Avignon” que simultaneamente serve para exemplificar o período africano que num primeiro momento faz referência à arte africana ao que consta, mas onde se vislumbra também influência de outro artista: Paul Cézanne.

Que a par de Matisse e mais tarde Braque, foram as suas grandes influências e teve como principais características a sobreposição de planos, geometrização das formas e o uso de cores moderadas. Nesta fase, Picasso passa definitivamente para o que ficou conhecido como a “fase do cubismo analítico” que JLo partilharia anos mais tarde fazendo-se passar por um político moderado com abertura à sociedade civil seduzindo inclusivamente Luaty e Rafael Marques dentre outros críticos do MPLA e que caíram no ardil lourencista. JLo maquiavelicamente foi sobrepondo vários planos e camadas na sua actuação na forma como renegociava dívidas, procurava financiar-se, tentava aliciar investidores, insistia na tecla da diversificação económica e autossuficiência alimentar entre outras temáticas mas num discurso geométrico e claramente postiço pois jamais se conseguiu livrar dos vícios do MPLA por mais que mudasse o estilo.

6- Período cubista sintético em que Picasso utiliza outras técnicas como a colagem e onde ele fixa alguns objectos na tela. Ainda com características cubistas de geometrização das formas, as cores usadas nesse momento são mais intensas. Além disso, se compararmos com a fase anterior, é possível notar o retorno ao figurativo. Isso porque o artista passa a produzir obras em que as figuras são mais reconhecíveis. Da mesma forma o general vai fazendo colagens e remendos face aos desastres e abusos de poder e cada vez mais, de forma mais intensa, as figuras malditas da fome, falta de água, doença e guerra começam a evidenciar-se de Cabinda ao Cunene. O mal-estar figurativo e a desaprovação da população são cada vez mais evidentes. Este é o período actual.

7-Período classicista e surrealista, no qual, e na ressaca do caos da Primeira Guerra Mundial, Picasso produziu obras num estilo neoclássico. Este retorno à ordem é evidente em muitos trabalhos de vários outros artistas europeus na década de 20. Durante os anos 30, o minotauro substituiu o arlequim como motivação que ele usou em seu trabalho. Minotauro que veio parcialmente do seu contato com os surrealistas, que normalmente o usavam como símbolo, e aparece em “Guernica”, provavelmente o seu quadro mais famoso e mais importante que retrata a sua visão do bombardeamento alemão em Guernica, no País Basco de Espanha, representando para muitos a brutalidade e desesperança da guerra. “Guernica” esteve em exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York por vários anos antes de retornar à Espanha. Da mesma forma prevejo que JLo acabe por entrar neste período e admita a “Guernica” surreal que se vive em Angola e ao mais clássico estilo europeu mude definitivamente o paradigma de Angola, demitindo-se e dando lugar aos mais jovens a e a outras forças políticas.

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