Isaías Samakuva ajoelha-se
e vai ter (mesmo) de rezar…

O líder da UNITA escusou-se hoje a manter a polémica em torno das exéquias fúnebres de Jonas Savimbi, sublinhando que, numa hora de recolhimento como a actual, deve ser cultivada a unidade dos angolanos. Pena é que Isaías Samakuva se tenha esquecido do que Savimbi dizia: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”.

Isaías Samakuva falava aos jornalistas após a entrega, por parte do Governo de Angola, dos restos mortais do líder fundador da UNITA, acto que decorreu hoje no Andulo, norte da província do Bié.

Sintetizando a polémica em torno da entrega do corpo de Savimbi à família e ao partido do Galo Negro como uma “simples falta de diálogo”, Samakuva disse não pretender criar mais polémicas, uma vez que foi isso que aconteceu ao longo da semana.

“Simples falta de diálogo”? O líder da UNITA deveria, no mínimo, evitar de passar atestados de matumbez aos angolanos em geral e aos simpatizantes da UNITA em particular. Na verdade, Smakuva continua a querar agradar a gregos e troianos, ou seja ao MPLA e aos militantes do seu partido, não tendo coragem para dizer que, no mínimo, o que se passou foi uma deliberada e consciente humilhação da UNITA e, por isso, inaceitável.

“O que correu mal foi a falta de diálogo. Em resumo, é isso. O que precisamos é de dialogar. Se partirmos do ponto de vista de que quem está no poder manda e quem não está obedece, isso não vai acontecer nunca, porque quem está no poder está a representar o povo e se o povo fala o poder tem de escutar”, afirmou.

“É preciso dialogar, ouvir o que os outros dizem, analisar se está correcto. E, se não está correcto, é preciso que se diga isso com fundamentos visíveis e lógicos e compreensíveis. E se está correcta também se aceita. Na nossa maneira de ver, faltou o diálogo, mas o que passou, passou. Mas não nos vamos reter mais no passado à procura de responsáveis”, acrescentou.

Em relação ao passado conflituoso de Angola, Samakuva lembrou que “todos” foram responsáveis pelo estado do país, defendendo ser desnecessário procurar responsáveis ou culpados.

“A nossa mensagem é de tranquilidade. Este período é de recolhimento, em que devemos cultivar e implementar tudo aquilo que exprime amor, coesão e unidade dos angolanos. Gostaríamos de dizer a todos os angolanos que o nosso compatriota, pai, irmão, mais velho, dirigente, tombou por causa de um conflito causado por não haver diálogo. Sempre que se procurou o diálogo havia sempre essa tendência de quem manda, de quem pensa que sabe tudo e de que é ele que deve dizer”, afirmou o líder da UNITA.

“Os angolanos devem ter isso em conta porque o passado deixa-nos lições, que devem servir para o futuro, para o que se passou no passado não volte a acontecer”, realçou, notando que Angola é um país rico que “pode dar prosperidade e felicidade aos seus filhos”.

Para Samakuva, acima de tudo, tem de se considerar que “todos são angolanos”. Ámen!

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, volta mais uma vez a não ver na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala e Samuel Chiwale.

É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro. Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda e cuja factura o MPLA faz questão de pagar para mais tarde cobrar.

É que, ao contrário do Mais Velho, na UNITA há muitos que preferem ser escravos com lagosta na mesa do que livres embora procurando mandioca nas lavras.

E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão. E é esse povo que para sobreviver se inscreve no MPLA.

Jonas Savimbi não foi, de facto, uma pessoa qualquer. Mas, tanto quanto parece, a UNITA de hoje tem medo de exigir que o Estado/MPLA reconheça que Savimbi não só lutou pela independência de Angola como foi signatário (entre outros) do Acordo de Alvor que levou o país à independência, pelo que – conjuntamente com Agostinho Neto e Holden Roberto – deve figurar como um dos três fundadores do país independente.

E se antes foi o tempo dos contratados e escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho (mesmo que mitigado e maquilhado) de dizer aos dirigentes da UNITA que ou se portam como o Estado/MPLA determina, ou terão de transportar pedras à cabeça para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilarem.”

Dizer que a presente humilhação foi apenas uma “falta de diálogo”, ou que tudo deve ser feito “num ambiente de serenidade de espírito” é uma rendição. Isto porque a UNITA não quer hostilizar o senhor colonial (MPLA), não vá ele zangar-se e – como dono do país – dar ordens para que tudo fique na mesma.

“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”. Não somos nós os autores desta afirmação que, embora dita há muitos anos, mantém toda a actualidade. Quem a disse foi Jonas Savimbi.

Desde 2002 o Galo Negro deixou de voar. O visgo do MPLA mantem-no colado às bissapas. Os angolanos de segunda, que não os seus dirigentes, estão apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais.

Houve uma altura em que a UNITA resolveu o problema do visgo. Calculou-se então que o Galo iria voar. Ledo engano. O MPLA/Estado tinha-lhe cortado as asas.

De uma forma geral a memória dos angolano, neste caso, é curta. Importa por isso ir relembrando algumas coisas, mesmo quando se sabe que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregaria de o fazer.

Talvez pouco adiante continuar a dizer que a vitória seguinte começou com a derrota anterior. Isso faria sentido se o Mais Velho ainda andasse por cá.

Apesar de todas as enormes aldrabices do MPLA, as “eleições” acabaram sempre por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas a sua execução, elaboradas por alguns dos “generais” da UNITA.

As hecatombes eleitorais, sociais e políticas mostram que a UNITA não estava, como continua a não estar, preparada para ser governo e quer apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos.

Terá sido para ver a UNITA a comer e calar, a ser submissa, a ser forte com os fracos e fraquinha com os fortes, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saber como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Folha 8 com Lusa

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