(In)felizmente o Governo
só faz (e mal) o… possível

O Governo angolano considerou que o Orçamento Geral do Estado (OGE) 2020, hoje aprovado no Parlamento, “é o possível diante das circunstâncias económicas e financeiras” do país, garantindo resolver os problemas dos cidadãos “na medida do possível”.

Fazer o possível é o que fazem os nossos 20 milhões de pobres todos os dias. Do Governo esperava-se que tentasse o transformar o impossível e em possível. Mas não. Para isso era preciso saber que não há comparação entre o que se perde por não tentar e o que se perde por fracassar.

“Teremos, em 2020, o OGE possível diante das circunstâncias económicas e financeira que vivemos, mas um OGE muito concentrado naquilo que é a disponibilidade possível, de continuar a priorizar o sector social”, afirmou hoje a ministra das Finanças de Angola, Vera Daves. Quem quiser que acredite. É, aliás, uma explicação que os angolanos conhecem há 44 anos.

Em declarações aos jornalistas no final da terceira reunião extraordinária do Parlamento, que aprovou hoje na globalidade a proposta do OGE 2020, a ministra frisou que o Governo “continua firme em honrar os seus compromissos financeiros para reduzir progressivamente o stock da dívida”.

Como o Folha 8 já noticiou, o Parlamento aprovou na globalidade o OGE para o exercício económico de 2020, com 132 votos a favor do MPLA, 50 contra da CASA-CE, UNITA, ambos da oposição, e duas abstenções do PRS.

Mais da metade do OGE 2020, que estima receitas e despesas de cerca de 15 biliões de kwanzas (mais de 27 mil milhões de euros), é para pagar o serviço da dívida pública, elaborado ao preço médio do barril de petróleo a 55 dólares.

“Os recursos disponíveis no Orçamento de 2020 não são os que gostaríamos de ter, não são os melhores”, admitiu a ministra, defendendo a necessidade de se “insistir na qualidade da despesa com rigor e disciplina para satisfação das necessidades”.

“Porque se todos nós formos rigorosos e disciplinados, dispensarmos intermediários, formos à fonte dos fornecedores de bens e serviços, formos honestos e íntegros e abandonarmos as práticas menos boas, tenho a certeza absoluta que estes recursos que parecem poucos serão muitos para as necessidades que temos que satisfazer”, sustentou Vera Daves.

Já que o MPLA tanto gosta de idolatrar Agostinho Neto, Vera Daves bem o poderia citar quando disse que o importante é resolver os problemas do Povo. É claro que ele não os resolveu, tal como é claro que ao longo dos 44 anos que leva de governo o MPLA também não os resolveu. Mas como milhões de angolanos só conheceram governos do MPLA, não tendo termos de comparação, até acreditam que é um privilégio ser escravos.

Em relação ao chumbo da oposição ao OGE 2020, a ministra disse ser um “paradigma histórico” que o Governo angolano “deve contrariar”. Vera Daves poderia apenas citar duas máximas que, essas sim, são um paradigma incontestável: “O MPLA é Angola e Angola é o MPLA” e… “Angola é o MPLA e o MPLA é Angola”.

Segundo a governante angolana, há anos que a oposição chumba os orçamentos “transmitindo a ideia de não estar de acordo com determinadas políticas ou formas de gerir”, considerando que “essa ideia deve ser desconstruída”. E deve mesmo. Se o MPLA é o único e exclusivo dono da verdade, a Oposição deveria limitar-se a cumprir bem o seu papel de figurantes (mais ou menos histriónicos) que só existem para dar ao regime um ar de democracia.

“Temos de provar que não é bem assim, que é verdade que os recursos são poucos, mas que o executivo é capaz de que com esses recursos resolver na medida do possível, ou ir resolvendo, os problemas do nosso povo”, rematou.

Paradigmática é também, por exemplo, a concepção moderna que o MPLA adoptou em relação aos casinos que, segundo a então secretária de Estado das Finanças e do Tesouro (Vera Daves), são “pontos de cultura, lazer e diversão, munidos, para este efeito, de espaços para conferências, salões para exposições, cinemas, espectáculos culturais, gastronomia”.

“É precisamente este o modelo que desejamos para o nosso mercado de fortuna ou azar”, acrescentou a governante, anfitriã do primeiro encontro com os operadores económicos do mercado de jogos, um evento que teve como objectivo principal estabelecido pelo próprio Governo, “discutir e recolher soluções” que o ajudem a regular o sector dos jogos sociais e a criar “um ambiente favorável à implementação de projectos empresariais”.

Vera Daves de Sousa salvaguardou que o futuro quadro legislativo deverá entender os casinos como “espaços de auto-regulação, protegendo os bens jurídico-penais”, e considerou “fundamental” que se encontrem modelos que “demonstrem ser possível reduzir as consequências potencialmente negativas do exercício da actividade de exploração dos jogos de fortuna ou azar”.

Para isso, disse, “o Estado, com uma conduta fiscalizadora eficiente, tem de ser capaz de conter todos os efeitos potencialmente negativos que esta actividade pode, eventualmente, desencadear, a que acresce a sua frequente associação ao crime organizado”.

Por outro lado, acrescentou a agora ministra das Finanças, o futuro modelo angolano de exploração do jogo deverá “maximizar os impactos positivos” da actividade, nomeadamente “o fomento do turismo, a geração de empregos, sobretudo para os jovens, e o desenvolvimento socioeconómico regional”.

“O jogo é um fenómeno que precisa de ser analisado de forma holística pelos Governos, isto é, integrando as ópticas constitucional, civil, penal, sociológica, administrativa e tributária, de modo a que seja possível garantir uma legislação que transmita certeza e segurança jurídica aos investidores”, concluiu a ex-secretária de Estado.

A maioria das 14 operadoras, que detêm 60 casas de jogos, que actuam no país, na sua maioria na província de Luanda, exerce as suas actividades sem visibilidade requerida, uma situação que vai obrigar o regulador a actuar de forma diferente, garantiu o director-geral adjunto do Instituto de Supervisão de Jogos, Ngouabi Salvador. Nesta altura, grande parte das operadoras ganham dinheiro em Angola e exportam os capitais para outros países.

“Há actualmente, uma falta de informações fiáveis relativas aos principais indicadores de imposto económico, financeiro e social deste sector”, admitiu Ngouabi Salvador.

Na sua opinião, a situação agrava-se ainda pelo facto da maioria destas operadoras não apresentarem a sua contabilidade organizada, bem como o incumprimento do pagamento de impostos conforme a Lei 5/16, de 17 de Maio, Lei da Actividade de Jogos.

A título de exemplo recorde-se que o Instituto de Supervisão de Jogos, tutelado pelo Ministério das Finanças, encerrou no dia 13 de Setembro de 2018, em Luanda, um casino da empresa chinesa “Long Cheng Hui Suo” e confiscou mais de 11 milhões de kwanzas e 1.291 dólares.

O casino funcionava desde o mês de Julho, no shopping “Cidade da China”, junto à via expresso, e foi encerrado por funcionar sem estar legalizado. O casino, instalado num edifício que dispõe de hospedaria e restaurante, foi encerrado pelo Instituto de Supervisão de Jogos na presença de agentes da Polícia Nacional, dos Serviços de Migração e Estrangeiros e de Protecção Civil e Bombeiros.

Além do dinheiro confiscado, o Instituto de Supervisão de Jogos apreendeu mesas de jogos, incluindo uma “roleta russa”, computadores, um servidor da sala de vigilância, fichas e dezenas de baralhos de cartas.

O proprietário do casino recusou-se, por algumas horas, a abrir um dos compartimentos, no qual foram encontrados posteriormente vestígios de queima de vários documentos.

Os 60 funcionários do casino, maioritariamente angolanos, aproveitaram a ocasião para pedirem auxílio às autoridades por estarem sem salários há mais de três meses. Os trabalhadores disseram que o casino era maioritariamente frequentado por cidadãos asiáticos e arrecadava milhões de kwanzas por dia.

Folha 8 com Lusa

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