Homem do leme, maquinista
e tudo o que for populismo

A popularidade do chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, em Angola foi hoje levada ao (mais um) extremo na Catumbela, na província de Benguela, com vários populares a chamarem-lhe Presidente de uma “Portangola”. E depois não querem que ele diga que a visita foi um momento histórico para Angola, para Portugal e – note-se – para o mundo…

“S em ofender João Lourenço”, o chefe de Estado angolano, disse à Lusa um grupo de populares no recentemente elevado a município da Catumbela, onde as autoridades locais indicaram estarem concentradas entre 10 a 15 mil pessoas a receberem o Presidente português, que chegara de comboio numa deslocação de cerca de 25 minutos e que começou no Lobito.

No entanto, o mesmo grupo, chamado à atenção por outros angolanos que se queriam juntar aos que gritavam e cantavam, acabou por retirar a “ideia”, ao considerarem que o respeito pela soberania de Angola estava a ser posto em causa. Pois é. O populismo de Marcelo é contagioso porque viaja de carro blindado mas abre a porta para as suas exibições, e já que ele se esquece que Angola é um país independente, alguém precisa de pôr ordem no circo.

“Mas era bom que João Lourenço também fosse assim”, desejaram uns, contrariados por outros, lembrando que “cada um tem o seu estilo”, desdramatizando as “cenas de histeria”, sobretudo de jovens mulheres, enquanto Marcelo cumprimentava todos, ao longo de quase meio quilómetro na Avenida Paulo Dias de Novais (Estrada Nacional 110), que atravessa toda a Catumbela.

A visita de Marcelo acabou, porém, por ficar quase ofuscada pelo calor, danças, cantarias e gritos dos populares, que não o largavam, perante o desespero da equipa de segurança e da polícia, que lhe pedira, assim que desceu do comboio, para seguir para o carro e evitar cumprimentar a população. Pedido rejeitado. Mais comedido era o seu padrinho Marcelo (Caetano), mesmo usufruindo do “estatuto” de, na altura, ser chefe de Governo que visitava uma “província portuguesa”.

Durante cerca de meia hora, vários grupos de dança tradicionais locais dançavam e cantavam frases como “camarada Rebelo de Sousa, agora é Angola, agora que nós precisamos da cooperação, é assim, é o nosso lema”.

“Para um dirigente estrangeiro nunca vi nada assim [em Angola]. Bastante acima da média”, disse o administrador municipal da Catumbela, Julião Ambrósio Almeida, indicando que o município conta com cerca de 220 mil habitantes e garantindo que mais de duas centenas de pessoas estavam na “Paulo Dias de Novais” desde manhã cedo a aguardar pelo Presidente português.

“Catumbela vos ama. Nós amamos a si, podemos dizer”, cantava-se, enquanto Marcelo continuava imparável a furar protocolo atrás de protocolo, quase como se estivesse a visitar, em Portugal, a Feira de São Mateus, Pedrógão Grande, o Bairro da Jamaica ou até os paióis de Tancos.

Houve mesmo populares que foram mais longe e pediram a Marcelo que trouxesse o jogador português Cristiano Ronaldo a Angola, de preferência à Catumbela.

Mais um banho de multidão, depois do “mergulho” dado quinta-feira no Lubango em que, à semelhança do Lobito e da Catumbela, em que, tal como previra João Lourenço, o Presidente português iria ser uma “estrela” ao longo dos dias da visita de Estado a Angola.

“Não, não estava à espera. Confesso que não. Foi realmente muito interessante. É um município novo, embora seja uma localidade muito antiga. Tudo isto significa que os angolanos perceberam que Angola e Portugal estão muito próximos e que querem essa proximidade”, respondeu Marcelo aos jornalistas, que conseguiram ir fazendo as perguntas possíveis no meio da multidão.

E, só faltou a Marcelo concluir, foi graças a ele e mais nenhum outro político português que os angolanos “perceberam que Angola e Portugal estão muito próximos e que querem essa proximidade”. Modéstia é algo que sobra ao Presidente português.

A pergunta era inevitável e a comparação também, mas veio de um popular: “Quem nos dera que João Lourenço fosse assim”, uma vez que a comunicação social angolana tem estado a insistir na ideia de que não vê o Presidente angolano a estar “tão próximo” da população como Marcelo.

Mas a resposta do Presidente português saiu rápida: “Se há Presidente próximo das populações é João Lourenço”. Tem razão. Aliás, como já aqui se escreveu, se antes José Eduardo dos Santos era considerado pelo MPLA o “escolhido de Deus”, Marcelo não tem dúvidas que João Lourenço é o próprio… “Deus”.

Antes, no Lobito, Marcelo teve oportunidade de acompanhar de perto a reconstrução do importante porto local, construído na sequência do início da história do caminho-de-ferro de Benguela, em 1903, e que, depois de anos de abandono e degradação após a independência de Angola, em 1975, foi alvo de um programa de reabilitação, em curso desde 2008.

No curto trajecto do porto para a estação de comboio do Lobito, tempo ainda para mais um pequeno banho de multidão, com Marcelo a cumprimentar tudo e todos e, rompendo de novo o protocolo, começou a andar apressado para cumprimentar o maquinista, para cuja cabine subiu e cumprimentou para a inevitável fotografia.

Da Catumbela para Benguela, em linha recta, cerca de 20 quilómetros, o trajecto decorreu sem sobressaltos, mas, à entrada da capital provincial, as cenas do Lubango voltaram a repetir-se, com Marcelo a subir para o estribo do automóvel para, em velocidade lenta, saudar, de pé, os populares que se encontravam dos dois lados da estrada, grande parte deles com bandeiras angolanas e portuguesas, cortejo lento que só terminou à entrada do Palácio do Governador.

Promessas em dose de propaganda

Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que Portugal pode levar competência técnica às infra-estruturas no Lobito, depois de ter visitado o porto e viajado de comboio até à Catumbela.

No final da curta viagem, o chefe de Estado português foi questionado pela comunicação social angolana sobre o que pode Portugal trazer de novo para o desenvolvimento destas infra-estruturas, que desde 2008 estão a ser reabilitadas com financiamento e tecnologia chineses.

“Competência técnica, apoio técnico, entre vários outros contributos que Portugal pode dar e já deu, na parte de fiscalização do projecto, mas pode dar mais no futuro”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa.

Durante o percurso de comboio, o Presidente português foi interrogado sobre a participação da China na reabilitação do porto do Lobito e da linha de caminho-de-ferro de Benguela, mas remeteu a questão para os responsáveis angolanos.

Dirigindo-se para o ministro angolano dos Transportes, Ricardo de Abreu, que estava no assento à sua frente, perguntou-lhe: “O senhor ministro, o que é que pensa do envolvimento chinês ali no porto e também no caminho-de-ferro?”.

“Inquestionavelmente valioso, porque a capacidade construtiva, e obviamente o suporte financeiro que acabou por existir na altura por parte da China, assegurou a realização em tempo relativamente rápido desses mesmos equipamentos. Obviamente, contámos com uma ‘pool’ de competências que foi até Portugal”, respondeu o ministro.

“Eu sei, a empresa de fiscalização era portuguesa, técnicos que foram essenciais para a obra”, observou Marcelo Rebelo de Sousa.

O ministro Ricardo de Abreu salientou, em seguida, que ainda “há aqui muito trabalho a fazer”, porque “há coisas que não foram totalmente concluídas” e afirmou que Angola está aberta “às diferentes competências que existam”.

Há empresas portuguesas “muito fortes no domínio ferroviário, muito fortes, muito importantes, são conhecidas as competências dessas empresas”, referiu o ministro, acrescentando: “Há aqui uma lógica muito fácil de se perceber onde é que pode estar a mais-valia das empresas portuguesas”.

Pois!

Folha 8 com Lusa

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