Fome em Angola? Hum!

“Angola é um dos países que conhece de perto o efeito das alterações climáticas, já que as populações das três províncias mais a sul (Cunene, Huíla e Namibe) viram o efeito das secas cíclicas agravarem-se nos últimos quatro anos”, afirma a Amnistia Internacional (AI), organização que, entretanto, vai dirigir uma carta (veja aqui o seu conteúdo) ao Presidente João Lourenço sobre este assunto.

“C ontudo, afirma a AI, as comunidades rurais que aí sobrevivem conseguiam mitigar os efeitos dessas secas através das pastagens comunitárias, uma prática geracional do qual depende toda a sua subsistência. É através das pastagens comunitárias que estas comunidades obtém o seu principal alimento, o leite, bem como a capacidade financeira para poderem garantir a educação das suas crianças numa escola ou terem acesso a cuidados médicos adequados”.

Acrescenta a AI que “tudo mudou” e que “a sobrevivência destas comunidades está agora verdadeiramente em risco”.

As investigações feitas pela Amnistia Internacional “ao longo de 2018 e 2019 identificaram que milhares de pequenos criadores de gado no município dos Gambos, no sul de Angola têm sido afastados de terras que ocupavam para dar lugar a grandes explorações pecuárias”.

Diz a AI que “essas expropriações são feitas de forma ilegal, desrespeitando as próprias leis nacionais e os padrões internacionais de direitos humanos. As comunidades rurais não foram consultadas e não receberam qualquer contrapartida ou indemnização. O resultado é uma crise alimentar, sem qualquer assistência ou compensação do governo”.

“Instamos o governo de Angola a colocar um fim a estas expropriações de terra e a tomar medidas urgentes para que estas comunidades recebam o apoio a que têm direito. Está em causa a sua sobrevivência”, afirma a AI.

“A actual seca em Angola expôs o impacto devastador da pecuária comercial sobre as comunidades dos Gambos. Os criadores de gado tradicionais perderam as melhores pastagens e vêem agora, desesperados, os filhos e as famílias irem para a cama de estômago vazio”, diz Deprose Muchena, director regional para a África Austral da Amnistia Internacional.

Carta ao Presidente de Angola

“A s províncias do sul de Angola têm sofrido com particular intensidade o impacto das alterações climáticas, com períodos de seca, que a cada ano se têm tornado mais longos, e terras que se tornaram inférteis e improdutivas.

Contudo, as populações que ainda aí subsistem, em particular nas províncias do Cunene, da Huíla e do Namibe, enfrentam agora o risco de desaparecerem completamente, uma vez que têm sido afastadas das terras que ocupavam e das quais dependem.

As nossas investigações na região da Tunda dos Gambos e no Vale de Chimbolela, no município dos Gambos indicam que o desvio das terras da Tundas e dos Gambos para explorações pecuárias e a desprotecção destas pessoas pelo Estado angolano potenciou a fome e a subnutrição das comunidades que aí habitam.

Para além de estar em causa o direito à alimentação, as vidas destas comunidades encontram-se verdadeiramente em risco. Estas comunidades tradicionais de pasto, dependem do seu gado e das suas terras para os bens mais essenciais à sua vida: alimentação, água potável, pagamento de serviços, acesso à educação e acesso a cuidados médicos adequados.

Apelamos ao governo angolano para que adopte medidas imediatas para respeitar, proteger, promover e cumprir os direitos humanos destas comunidades rurais, colocando um fim a esta crise alimentar. Para isso, instamos a que:

Sejam implementadas medidas imediatas que permitam a distribuição de alimentação adequada e o acesso a água potável para as comunidades afectadas;

Sejam tomadas medidas que impeçam a concessão de terras nos Gambos, responsabilizando quem as concede para explorações de actividades agro- pecuárias comerciais;
O governo de Angola respeite a legislação nacional e internacional e envolva as comunidades impactadas, consultando-as e dando reparações quando necessário e de acordo com os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos.”

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