Estratégia (tecno)lógica atola a ementa da… fome!

O vice-presidente angolano, Bornito de Sousa, afirmou hoje, em Luanda, que os investimentos feitos por Angola nas telecomunicações vão continuar “fortes” e que já constituem uma “referência” na África subsaariana.

Bornito de Sousa discursava na abertura do Fórum Internacional de Tecnologias de Informação, Angotic Angola 2019, certame que decorre até quinta-feira no Centro de Convenções de Talatona, a sul de Luanda, em representação do chefe de Estado, João Lourenço, cuja presença estava prevista, acabando por ser alterada à última hora.

Segundo Bornito de Sousa, o Governo angolano tem em curso um vasto programa de modernização no quadro das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), investimento que vai permitir, em breve, a chegada do “5G”, após a consolidação do “3G” e do “4G”.

“Vamos continuar a investir na infra-estrutura de banda larga, através da fibra óptica, em Abril a Angola Cables completou o cabo submarino entre Cabo Ledo [130 quilómetros a sul de Luanda] e Fortaleza [Brasil], com ligação a Miami [Estados Unidos da América], a cobertura de satélite [a Airbus está a construir o Angosat-3]. Estamos a melhorar o mundo digital em Angola”, afirmou Bornito de Sousa.

A intenção, prosseguiu, é tornar Angola uma “plataforma da modernização tecnológica no continente africano”, à semelhança do que está a ser feito no Ruanda, com as políticas de inclusão tecnológica do Presidente ruandês, Paul Kagamé.

“Estamos a criar parques tecnológicos, a promover a investigação científica, já criamos o SETI, um programa de modernização administrativa destinado a eliminar burocracia, e a massificar o uso da Internet nas escolas e nos espaços públicos”, sublinhou, destacando o polo importante da cibersegurança, que está no centro das preocupações da estratégia do executivo angolano.

O vice-presidente de Angola destacou estar em curso também o processo para a atribuição do quarto Título Global Unificado (TGU), processo que é consequência da anulação do anterior concurso, e a privatização de parte da Angola Telecom, ambos ainda sem prazos definidos.

Segundo o porta-voz do Angotic Angola 2019, António Sousa Simbo, assessor de imprensa do Ministério das Telecomunicações, o fórum reúne em Luanda representantes das principais empresas mundiais do sector, agentes da indústria de “todo o ecossistema das TIC, num total de 8.000 participantes.

O evento é dividido em 54 sessões plenárias e paralelas, em que estão inscritos como oradores cerca de centena e meia de especialistas, estando igualmente presentes algumas das “startups” angolanas de sucesso, bem como uma exposição que conta com cerca de duas centenas de “stands”.

O Angotic é um evento global das TIC para partilha de conhecimentos e de um centro de “networking” para entidades governamentais, atores da indústria e provedores de serviços móveis emergentes, contemplando uma premiação aos mais destacados.

Entre os oradores figuram vários ministros angolanos e os antigos primeiros-ministros de Cabo Verde, José Maria Neves, e do Haiti, Laurent Lamothe, bem como representantes da Intelsat Africa, Smart Africa, Instituto Schjiller para África, Banco Mundial, entre outras empresas e entidades estrangeiras e angolanas.

Um Governo verdadeiramente “Telstariano”

No dia 22 de Fevereiro de 2017, o Governo do MPLA (que outro poderia ser?) aprovou, em reunião do Conselho de Ministros, a estratégia do sistema de pagamentos móveis, que permite aos cidadãos realizar essas operações através de um telemóvel. Recordam-se?

Em declarações à imprensa no final da reunião, o ministro das Telecomunicações, o “telstariano” José Carvalho da Rocha, disse que o decreto presidencial que aprova o sistema de pagamentos móveis de Angola foi aprovado com o objectivo de se colocar à disposição da população mais um sistema de pagamento assente nas redes de telemóveis.

Permitirá a todos os que “são detentores de um telemóvel” fazer “algumas transacções, usando o dinheiro electrónico que há-de vir”.

“Com isto queremos também ajudar a consciencialização da população, ajudar à redução do dinheiro físico e permitir com que nas suas transacções as pessoas cada vez mais usem dinheiro electrónico, tal como cada vez mais já se faz em muitas regiões, em muitos países africanos”, referiu o ministro.

Também naquela que foi a segunda reunião ordinária do Conselho de Ministros, então liderada pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, foi aprovada a servidão radioeléctrica de Angola – uma zona de exclusão -, que deveria ser feita na comuna da Funda, município de Cacuaco, nos arredores de Luanda, local onde estava a ser construído o Centro de Emissão e Controlo do Satélite (Angosat) angolano.

José Carvalho da Rocha explicou que a servidão radioeléctrica vai evitar a emissão de radiações electromagnéticas, estando em funcionamento o referido centro, que interfiram nos sinais a serem emitidos pelo satélite angolano.

“Também queremos evitar que haja obstáculos naquela região, que façam com que o sinal que seja emitido possa ser atenuado. Este diploma vem de facto proteger aquela região e também irá proteger outras regiões, onde forem construídos centros da mesma natureza, porque estamos a prever que num futuro distante o país terá necessidade de construir centros redundantes àqueles que nós temos na Funda e naturalmente precisamos de proteger essa região”, frisou.

Sobre o primeiro satélite angolano, o “telstariano” ministro referiu então que o centro estava pronto e que estavam em formação os quadros angolanos para a colocação do satélite em órbita, o que deveria acontecer ainda nesse ano (2017).

“Aquilo que são as nossas obrigações no contrato, da parte angolana, felizmente estão todas terminadas. Nós vamos fazer tudo – sabe que estamos a tratar de questões técnicas muito delicadas – mas posso garantir que este ano teremos o Angosat em órbita”, referiu. O ministro sublinhou tratar-se de um “contrato muito rigoroso”, realizado com um consórcio russo, que tem “penalizações muito fortes”.

“Por isso, a parte angolana está a evitar com que as penalizações ocorram do nosso lado, por isso é que aquilo que são as nossas obrigações estão terminadas e nós estamos a interagir com a nossa contraparte para que, de facto, este ano, tenhamos o Angosat em órbita”, reforçou.

Como especialistas em questões “telstarianas”, o ministro José Carvalho da Rocha, manifestou-se no dia 19 de Junho de 2018 preocupado com o “uso indevido” das novas tecnologias, sobretudo a Internet, defendendo uma “educação contínua” para o efeito.

“Preocupa-me o uso indevido que cada vez mais as pessoas fazem das Tecnologias de Informação. Particularmente a Internet é uma infra-estrutura para humanidade e temos que saber usar e não usar para muitos fins inconfessos que temos estado a verificar”, disse o governante.

Falando aos jornalistas à margem da cerimónia de abertura do Fórum Internacional de Tecnologias de Informação – Angotic 2018, que decorreu em Luanda, o ministro apontou a necessidade de reforçar a educação para o uso das ferramentas tecnológicas.

“Temos estado a trabalhar primeiro na educação das pessoas, para o uso das novas tecnologias. Para o respeito do próximo. Temos estado a trabalhar igualmente na produção de legislação que cada vez mais possam proteger as pessoas”, adiantou.

Ao contrário do actual, o Angotic 2018 foi aberto pelo Presidente João Lourenço, que exortou para a necessidade do “uso responsável” das novas tecnologias de informação.

De acordo com José Carvalho da Rocha, o sector que dirige desenvolve um conjunto de acções, nomeadamente a produção de leis, no intuito de “permitir com que as pessoas usem cada vez mais de forma segura as redes sociais e uma educação permanente e constante”.

É o caso, referiu, da Lei da Protecção de Dados e da Lei de Protecção das Redes e Sistemas, acrescentando que estava igualmente a ser preparada a nomeação dos “órgãos gestores da Agência de Protecção de Dados” e que o próprio Código Penal vai “regular igualmente o mau uso” das novas tecnologias.

Questionado sobre a realidade do país em relação aos crimes cibernéticos, o governante sustentou que têm sido criadas infra-estruturas “no sentido de tornar a rede cada vez mais segura”.

A preocupação sobre o uso impróprio das tecnologias de informação no país, sobretudo a Internet e, através desta, as redes sociais, foi ainda manifestada por outro perito (no MPLA são todos peritos), o então governador da província de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, exortando à “ponderação” dos utilizadores.

“Agora se não sabermos usar, logicamente que vamos ter uma componente extremamente distorcida com relação a tudo que pretendemos. É preciso sabermos usar as ferramentas que temos para não ferir sensibilidades”, adiantou.

Satélite no ar, fome na (nossa) terra

O Governo do MPLA (o único que os angolanos conhecerem desde 1975) não está com meias medidas e promete acabar com os 20 milhões de pobres. Ou melhor, promete o lançamento de satélites de teledetecção remota no âmbito do programa de Estratégia Espacial até 2025 que tinha como ponto central o lançamento do satélite AngoSat-1.

Segundo o documento, esta estratégia prevê o estudo da viabilidade da construção e lançamento de satélites de teledetecção remota, para observação da terra e meteorologia, por parte do Governo, entre 2019 e 2025. Em complemento, uma das estratégias constantes do programa espacial angolano implicaria ainda a construção de estações terrestres para recepção directa de imagens de satélite.

Outras estratégias a implementar até 2025 prevêem a implementação de um sistema de informação geográfica, um programa de observação da terra através de imagens de satélite, um sistema nacional de comunicações por satélite e o lançamento do AngoSat-1.

“A estratégia especial permitirá à República de Angola construir um edifício ambicioso e sustentável como instrumento do seu progresso socioeconómico e de afirmação internacional, cumprindo deste modo, de forma eficaz e inovadora, os propósitos estratégicos gerais e sectoriais do país”, lê-se no documento.

O AngoSat-1 iria – disse o ministro José Carvalho da Rocha – “não só prestar serviços à população, como a toda a região, e também provocar uma revolução no mundo académico angolano, com a transferência de conhecimento”.

“O satélite vai cobrir todo o continente africano e uma parte da Europa. Nós vamos ter capacidade para servir as nossas necessidades e prestar serviços a outros países da região de cobertura do AngoSat. Temos que procurar aqueles projectos que possam trazer divisas para o nosso país”, explicou o ministro.

Ao contrário do que pensavam os angolanos, o satélite e projectos similares não vai trazer comida, nem medicamentos, nem casas, nem escolas, nem respeito pelos direitos humanos. Importa, contudo, compreender que há prioridades bem mais relevantes. E o satélite é uma delas.

“Este Satélite é o primeiro e marca a entrada de Angola numa nova era das telecomunicações, o que pressupõe a condução de um programa espacial que inclua, futuramente, o lançamento de satélites subsequentes,” referiu em 2012 o então coordenador do projecto, Aristides Safeca.

Ao que tudo indica, com esta estratégia espacial o nosso país deixará de ter 68% da população afectada pela pobreza, ou uma das mais alta taxas de mortalidade infantil no mundo.

Será também graças à estratégia espacial que não mais se dirá que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, ou que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Do mesmo modo, com a estratégia espacial do Governo não mais se afirmará que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino. Ou que 45% das crianças sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Folha 8 com Lusa

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