Fernando Lima, então consultor político do Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, e seu ex-assessor de imprensa, considerou há uns anos que “uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”.
Por Orlando Castro
Ana Gomes sabe disso. Talvez por isso a ex-eurodeputada socialista portuguesa se esqueça do que foi e é a luta do Folha 8 desde 1995, exactamente quando Isabel dos Santos era o que é e tinha o poder que agora não tem. Ser forte agora é uma falácia. É, para além de tudo, uma forma de proteger os que hoje (são os mesmos de ontem) estão no Poder em Angola e que – com outra roupagem – fazem o mesmo que ela.
Para além do apoio e solidariedade de figuras angolanas, activistas de sentido oscilante que mudaram de barricada e que, para se vingarem dos ataques dos leões de ontem (e que hoje estão a chegar ao fim da picada) acreditam na ajuda dos leões mais novos (e que acabarão comidos por estes), Ana Gomes está isolada porque a sua quixotesca luta é desmontada pelos que em Angola constituem o crescente exército de pobres e que já são mais de 20 milhões.
Acresce que muitos jornalistas portugueses também alinham com Ana Gomes, não querendo ver além do óbvio. E é pena. Aos jornalistas cabe escrutinar o presente sem esquecer o passado. E não, como acontece em Portugal (e cá também), escrutinar o passado e esquecer o presente.
Num artigo de opinião publicado no primeiro número da versão brasileira da revista Campaigns & Elections sobre “a importância da agenda”, Fernando Lima assumiu o que todos já sabiam que era há muito tempo, um criado de luxo do poder.
O jornalismo em Portugal (que já não sabemos bem o que é) continua a sua corrida no sentido da perda total de credibilidade. A coisa parece, de vez em quando, estar brava. Mas só parece.
Como sempre, é mais a parra do que a uva. Desde logo porque, ao contrário do que seria de esperar, os “macacos” (que são cada vez mais) não estão nos galhos certos (que são cada vez menos). E quando assim acontece (e acontece muitas vezes), tanto jornalistas como produtores de conteúdos tendem a sobrevalorizar as ideias de poder em detrimento do poder das ideias.
O Estado de Direito… democrático ainda é, é cada vez mais, uma criança e, como tal, ainda há muitos vícios, deformações e preconceitos herdados que a muitos dá jeito conservar. É claro que o “quero, posso e mando” não serve nenhuma das partes, mas continua a fazer escola, sobretudo tendo como mestres os donos dos jornalistas e os donos dos donos.
Não serve mas é praticado, não serve mas é estimulado. Não serve mas vai servindo.
A promiscuidade na sociedade portuguesa, aliada ou não aos donos de Angola (o MPLA) está de pedra e cal. Na Comunicação Social todos a querem independente mas, como é hábito, controlam essa independência pelos mais diferentes meios, sejam económicos, partidários ou outros.
O jornalismo que Portugal e Angola vão tendo, qual reles bordel, aceita tudo e todos. No entanto, reconheça-se, os jornalistas portugueses sempre podem ser deputados. Vá lá! Maria Elisa Domingues, Vicente Jorge Silva, Ribeiro Cristóvão foram exemplos de como, em Portugal, se confunde a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras. Por cá confunde-se o corredor de fundo com o fundo do corredor. Vai dar ao mesmo.
Se todos podem ser jornalistas, porque carga de água não podem os jornalistas ser deputados… da Nação, dirigentes do MPLA, ou assessores de políticos, ou conselheiros do presidente, ou prostitutos da alma? Nem mais. É uma pequena vingança, mas mais vale pequena do que nenhuma. Não?
Aliás, em Portugal a própria Comissão da Carteira Profissional de Jornalista entende que não é incompatível ser jornalista e deputado. Por cá a ERCA é dirigida por alguns militantes jornalistas (não sendo o inverso aplicável). O mesmo se passa com o Sindicato dos Jornalistas de Portugal que durante vários anos viu o seu presidente ser candidato a deputado.
Nada importa. Os Jornalistas (até) não têm razão de queixa…
São uma classe prestigiada, nobre e cada vez mais dignificada? Não. É claro que não. Qualquer um pode ser jornalista. Utilizando as palavras de um amigo que, de quando em vez, nos dá a honra de comentar o que aqui se vai escrevendo, em Portugal “para ter a carteira profissional de Jornalista basta o estágio que varia consoante as habilitações, ser maior de 18 anos e fazer do jornalismo o seu ganha-pão”.
Mais. Diz ele que “uma empregada de limpeza que seja amiga do chefe de redacção e de mais dois jornalistas que por sua honra confirmem que é colega de trabalho, passa logo a Jornalista”.
Embora o exemplo seja extremo, o pressuposto é verdadeiro. Aliás não faltam casos que, perante a apatia dos (verdadeiros) profissionais, confirmam a tese deste nosso amigo.
“O caso do Quinito foi uma boa prova da anarquia em que nos encontramos. Era um futebolista que passou a treinador, e de treinador a jornalista e director de um jornal regional”, desabafa esse amigo.
É claro que o Jornalismo não é isso. Mas também é claro que o “nosso” jornalismo é também isso. É e será enquanto os Jornalistas não colocarem a casa em ordem… Mas isso dá muito trabalho e rende pouco.
É muito mais vantajoso e lucrativo ser criado de luxo do poder, como foi bem exemplificado por Fernando Lima. E depois das diferentes comissões de serviço sempre poderá ser administrador de uma qualquer empresa, pública ou privada.
Bill Kovach, co-autor do livro “Os elementos do Jornalismo” e um dos mais conhecidos e respeitados jornalistas dos EUA, diz que a primeira obrigação do jornalismo é para com a verdade. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach diz que o jornalismo deve manter-se leal, acima de tudo, aos cidadãos. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach diz que a essência do Jornalismo assenta numa disciplina de verificação. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach salienta que aqueles que o exercem devem manter a sua independência em relação às pessoas que cobrem. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach considera que o Jornalismo deve servir como um controlo independente do poder. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach acrescenta que o Jornalismo deve servir de fórum para a crítica e compromisso públicos. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach diz que o Jornalismo deve lutar para tornar relevante e interessante aquilo que é significativo. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
Bill Kovach corrobora que o Jornalismo deve garantir notícias abrangentes e proporcionadas e que aqueles que o exercem devem ser livres de seguir a sua própria consciência. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa e angolana é mera coincidência.
E é sobre estas coincidências que Ana Gomes e Isabel dos Santos facturam. Sobretudo porque os jornalistas temem dizer aquilo que os outros não querem que se diga.